A
BIOSSEGURANÇA E O TRABALHO DE ENFERMAGEM NO ENFRENTAMENTO DA
COVID-19
Maria
Emília dos S. Gonçalves
Enfermeira
Docente do IFBA. Especialista em Administração
Hospitalar. Especialista em docência do ensino superior.
Especialista em Educação Profissional Integrada à
Educação Básica na Modalidade de Jovens e
Adultos. Mestre em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Regional. e-mail:emiliasam.ifba@gmail.com
Resumo:
Trata-se
de um artigo de revisão a partir dos descritores
“Biossegurança; COVID-19 , Enfermagem e precarização
do trabalho, tendo como objetivo
geral:
“Refletir sobre a precarização do trabalho de
enfermagem no cenário atual, diante da pandemia do novo
coronavírus”. Para alcançar o objetivo foi
realizado estudo bibliográfico com abordagem qualitativa.
Espera-se que este estudo sirva de base para novas reflexões e
proposições no que se referre à segurança
do trabalho dos profissionais nos aspetos da saúde e de
direitos trabalhistas, maior na valorização do trabalho
da enfermagem e melhor engajamento dos profissionais e das entidades
de classe.
Palavras-chave:
Biossegurança;
COVID-19; Enfermagem; Precarização do trabalho.
Biosafety
and nursing work in coping with covid-19
Abstract:
This is a review article based on the descriptors “Biosafety;
COVID-19, Nursing and precarious work, with the general objective:
“Reflect on the precariousness of nursing work in the current
scenario, given the pandemic of the new coronavirus”. To
achieve the objective, a bibliographic study was carried out with a
qualitative approach. It is hoped that this study will serve as a
basis for new reflections and propositions regarding the job security
of professionals in aspects of health and labor rights, greater
appreciation of nursing work and better engagement of professionals
and professional associations. .
Keywords:
Biosafety; COVID-19; Nursing; Precarious work
Introdução
No
final do ano de 2019 com o alerta da China sobre casos de uma
pneumonia desconhecida, começava se desenhar um cenário
inimaginável desde à última pandemia da gripe
Espanhola, em 1918. O que parecia ser mais uma SARS se tornou uma
doença que poderia ir de leve à extremamente grave,
sendo causada pelo o novo coronavírus (CoV2) que ainda não
tinha se manifestado no ser humano e, posteriormente foi intitulada
COVID-19. Da China o vírus se propagou para vários
países da Europa e logo se tornou uma pandemia obrigando
medidas emergenciais para a contenção da transmissão
e a busca para o tratamento.
No
Brasil, o primeiro caso foi notificado em São Paulo no dia
26/02/2020 em um sexagenário que retornava da Europa e faleceu
consequência à Síndrome Respiratória Aguda
Grave (SARG). Rapidamente a doença se disseminou
principalmente entre as pessoas que retornavam do exterior, até
ser declarada a transmissão comunitária em vários
Estados. Neste contexto, medidas foram adotadas para a proteção
de pessoas com maior risco de desenvolver a forma mais grave da
doença, entre elas idosos e indivíduos com doenças
cardiovascular, respiratória, fumantes, diabetes, obesidade e
imunoincompetentes.
Chamada
pelo o Presidente da República como “gripezinha”,
a COVID-19 se tornou um grande problema de saúde pública,
desvendando o véu que encobria a desigualdade social, a falta
de investimento no Sistema Único de Saúde (SUS) o baixo
percentual de leitos e de equipamentos, tanto para a média,
como para a alta complexidade, assim como a falta de investimento em
pesquisa e inovação tecnológica do país.
Somando a tudo isso, a precarização da formação
e do trabalho da equipe multiprofissional de saúde, em
especial, a equipe de enfermagem, formada por técnicos,
auxiliares e enfermeiros que foram os primeiros Neste sentido, se
torna primordial conhecer o vírus, a fisiopatologia da
COVID-19 e as formas de transmissão, para se estabelecer
medidas de contenção, prevenção e a
proteção da equipe de enfermagem, que representa a
maior força de trabalho nos serviços de saúde,
em especial nos hospitais, passando a maior parte do tempo ao lado
dos pacientes.
Dessa
forma, este estudo tem como objetivo
geral:
“Refletir sobre a precarização do trabalho de
enfermagem no cenário atual, diante da pandemia do novo
coronavírus”. Para tanto, foi realizado estudo
bibliográfico com abordagem qualitativa sobre o tema
biossegurança, trabalho em enfermagem e os aspectos gerais
relacionados ao novo coronavírus. Torna-se importante
salientar a difícil tarefa que se tem pela frente, diante de
um quadro que ainda está sendo pintado e são poucas
investigações sobre o tema. Espera-se que este estudo
sirva de base para novas reflexões e proposições
no que se referre à segurança do trabalho dos
profissionais nos aspetos da saúde e de direitos trabalhistas,
maior na valorização do trabalho da enfermagem e melhor
engajamento dos profissionais e das entidades de classe.
1.
Contextualização da biossegurança
Ao
se trazer a questão de biossegurança para discussão
e análise, percebemos que este é um campo vasto, muito
dinâmico e deve estar em constante consonância com as
inovações tecnológicas, cada vez mais rápidas,
podendo ser benéficas, como também, prejudiciais à
vida. Neste sentido, etimologicamente a palavra biossegurança
nos remete à “segurança da vida”, o que
implica dizer que é imprescindível estabelecer medidas
que neutralizem os riscos à vida, não apenas do
trabalhador, mas também da comunidade (BRASIL, 2010). Nessa
perspectiva, o conceito de biossegurança assume grande
importância e é definido como: “[...] um conjunto
de medidas para a segurança, minimização e
controle de riscos nas atividades de trabalho biotecnológico
das diversas áreas das ciências da saúde e
biológicas [...]” (BAHIA, 2001).
A
partir dessa perspectiva, o risco se torna a palavra-chave, sendo
dessa forma primordial instituir medidas para minimizar, controlar e
preservar a vida. Assim, nesta reflexão consideramos o
conceito de risco trazido por PEREIRA (2004), como sendo “[...]
a probabilidade de ocorrência de um dano [...]”.
Por sua vez, ainda apoiada no autor, o dano é traduzido como
um agravo, “[...] mal ou prejuízo à saúde
de um ou mais indivíduo, de uma coletividade ou população
[...]”. Desse modo, se existem fatores que favoreçam
riscos à saúde, podemos inferir que ter conhecimento,
estabelecer medidas preventivas e de controle se torna essencial.
Ao
contextualizar sobre o conceito de biossegurança, podemos
perceber que ele é relativamente novo, sendo desenvolvido nos
Estados Unidos na década de 1970 a partir de uma discussão
científica, conhecida como conferência Assilomar, na
qual se trouxe à tona a questão do avanço e
impacto da pesquisa genética na sociedade, destacando a
importância da proteção dos pesquisadores (SILVA;
BARBOSA;
PONTES
2014). Neste sentido, NEVES et al (2007) estão em consonância
com Silva (2014), e destacam que
[...]
Contudo, a tentativa de auto-regulação dessa reunião
limitou a participação aos cientistas, excluindo outros
atores sociais, gerando, assim, controvérsias públicas
que culminaram em sérias implicações sociais
gerando,
assim, controvérsias públicas que culminaram em sérias
implicações sociais (Weiner, 2001).
É possível afirmar que essa limitação à
participação dos diversos atores sociais teve
implicações importantes na elaboração do
conceito de biossegurança. (Glover, 2003). Assim, a noção
de biossegurança foi concebida e adotada por grupos de elite e
organizações de especialistas tecnocráticos
intensamente isolados dos interesses e das pressões sociais e
funciona como um modelo normativo para a regulação da
biotecnologia [...] (NEVES et al, 2007).
Nessa
perspectiva, na construção do conceito há uma
delimitação entre o risco e a ética, na qual o
risco fica a cargo dos cientistas como reguladores, e, por sua vez, a
ética diz respeito aos interesses sociais, sendo da
responsabilidade dos especialistas em ética. Estes debates se
tornam importante ao se trazer para a centralidade a ética e a
bioética na manipulação genética, a
dignidade e preservação da vida humana.
Em
sua base epistemológica a biossegurança atua a partir
da abordagem como módulo, como processo ou como conduta
(COSTA, 2000). Como módulo, a biossegurança é
interdisciplinar e transversal e permeia as várias ciências,
como a ética, a bioética, a educação, o
direito. Como processo, a biossegurança é uma ação
educativa que deve se inserir nos currículos, não como
disciplinas estanques, mas de forma interdisciplinar,
transdisciplinar e transversal para a construção do
conhecimento nas dimensões técnicas, humanas, ética
e políticas. Na abordagem como conduta, a biossegurança
envolve o comportamento humano, as atitudes, a tomada de consciência,
a solidariedade e autoconhecimento, evolvendo assim a educação
transformadora.
No
Brasil, a biossegurança começa ser institucionalizada
na década de 1980 a partir da participação em um
evento promovido pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) com o objetivo de promover treinamento em biossegurança,
especialmente para a América Latina. Porém, só
na década de 1990 que foi encaminhado ao Senado o projeto de
Lei n. 8974/95 em biossegurança estabelecendo,
[...]
normas para o uso das técnicas de engenharia genética e
liberação no meio ambiente de organismos geneticamente
modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da
Presidência da República, a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança [...]” (BRASIL, 1995).
No
ano de 2005, há a revogação da lei n.89745/95,
dando lugar a Lei n. 11.105 de 24 de março de 2005,
estabelecendo normas de segurança e mecanismos de fiscalização
relacionados aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e seus
derivados, o estímulo ao avanço científico na
área de biossegurança e biotecnologia, a proteção
à vida humana. Além disso, atribuía a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) a
competência para a liberação dos transgênico.
Embora
a lei 11.105/2005 seja voltada para biossegurança relacionada
à manipulação de OGM, não podemos
desconsiderar as atividades que colocam em risco à vida do
trabalhador, da comunidade e do meio ambiente, como hospitais,
laboratórios de análise clínica, construção
civil, indústria de alimentos, entre outros.
No
que tange ao trabalho na área da saúde, a portaria n.
485, de 11 de novembro de 2005 aprovou a Norma Regulamentadora n.º
32 (Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos
de Saúde), sendo de grande importância, pois preconizou
ações de promoção, proteção
e recuperação da saúde nas diversas áreas
de atuação de trabalhadores que prestam assistência
à saúde. Até então havia uma grande
carência de legislação, uma vez que a
Portaria
MTB nº 3.214, de 08 de junho de 1978 ao determinar a Norma
Regulamentadora (NR 06) que tratava dos Equipamentos de Proteção
Individual (EPI), estabeleceu e definiu os tipos de EPI’s que
as empresas estavam obrigadas a fornecer aos seus empregados, de
acordo com as condições de trabalho desenvolvido
resguardando a saúde e a integridade física dos
trabalhadores de um modo geral. Contudo, a NR 06 não
comtemplou os trabalhadores da área de saúde.
Na
década de 1980, a Acquired
Immunodeficiency Syndrome
(AIDS) começava aos pouco assolar o mundo, causando grande
imunodeficiência e morte por infecção
oportunista. Chamada de “peste gay” por inicialmente ser
relacionada à relação homossexual masculina, ela
trouxe consigo a ignorância, o medo, o preconceito, a
contaminação de milhões de pessoas e a morte.
Ainda não se sabia ao certo sobre a evolução da
doença, as formas de transmissão, prevenção
e tratamento. À medida que a AIDS começou contaminar
outros pessoas, foram definidos os grupos de riscos: homossexuais
masculinos, bissexuais, usuário de drogas e hemofílicos
(SANTOS 1999).
Levando
em conta a reflexão anterior, podemos acreditar que os
profissionais de saúde não foram considerados como
grupo de risco, sendo que isto pode ter ocorrido por ainda, não
se ter até então, a clareza da forma de transmissão.
Contudo, diante das novas descobertas
da transmissibilidade, a expressão “grupo de risco”
foi caindo em desuso. Nessa perspectiva, Lopez (1997) aponta que o
Centers
For Disease Control
(CDC) dos Estados Unidos, em 1987 instituiu recomendações
com o propósito de diminuir o risco por HIV e o vírus
da hepatite B e C, preconizando as precauções
universais que envolviam medidas de barreiras diante de sangue e
fluidos corporais para a segurança do trabalhador da área
de saúde.
No
Brasil, além das recomendações do CDC para a
proteção do profissional de saúde, a
Constituição de 1988 possibilitou avanço na
legislação trabalhista, determinando a redução
de riscos no trabalho por meio de normas de higiene e segurança
do trabalho tornando o campo fértil para as reivindicações
das categorias.
Nessa
perspectiva, o Estado de direito democrático possibilitou a
discussão e o debate sobre a legislação da saúde
do trabalhador na área de saúde, na qual a enfermagem
se organizou e lutou. Nesse sentido,
Robazzi
e Marziale apontam que
em
2002, foi importante a participação da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (EERP-USP) ao fazerem parte do Grupo de Trabalho (GT),
constituído por auditores fiscais do Ministério do
Emprego e Trabalho, para a construção da NR 32.
Desde
as primeiras reuniões, para o GT, tornou-se inequívoca
a necessidade de se ter um texto normatizador oficial no País
para a área da saúde, havendo consenso que essa era uma
oportunidade importante e inquestionável de se regularizar as
diversas e problemáticas questões que a envolvem. A
partir daí, reuniu-se material bibliográfico sobre os
diversos problemas encontrados entre os trabalhadores da saúde.
[...] A NR 32 é considerada de extrema importância no
cenário brasileiro, como legislação federal
específica que trate das questões de segurança e
saúde no trabalho, no setor da saúde; as normatizações
existentes encontram-se esparsas, reunidas em diversas outras NR e
resoluções, que não foram construídas
especificamente para tal finalidade. Acredita-se que mudanças
benéficas poderão ser alcançadas por meio da
referida normatização, uma vez que procedimentos e
medidas protetoras deverão ser realizadas com vistas a
promover segurança no trabalho e prevenção de
acidentes e doenças ocupacionais (Robazzi e Marziale, 2002).
Retornando
às reflexões anteriores, ao se fazer uma busca na
internet
sobre
a contaminação pelo Human
immunodeficiency virus
(HIV) entre profissionais da saúde no período da década
de 1980 e 1990, foi possível observar um baixo quantitativo de
notificações de exposição ocupacional.
Nesse sentido, estudo realizado por SANTOS et al (2002) ao analisarem
o Sistema de Informação de Agravos e Notificação
(SINAN) de São Paulo, no período de 1980 a 2000,
evidenciaram o registro de apenas 02 casos de contaminação
por material infectante, sendo que um deles levou à morte e
foi considerado o primeiro óbito relacionado ao risco
ocupacional.
Nessa
perspectiva, Santos; Monteiro; Ruiz (2002) a partir de um artigo
jornalístico publicado em julho de 1999 que descrevia um caso
de contaminação por HIV resultante de exposição
ocupacional, as autoras realizaram uma investigação
epidemiológica dos relatórios da época e
constataram que se tratava de um auxiliar de enfermagem que em 1994
se contaminou após acidente com material pefurocortante
durante punção venosa. Na ocasião, foram
realizados dois testes, com resultados negativos neste período
e, ainda foram descartados outros fatores de riscos.
Em
1995, houve a soroconversão constatada pelo o teste Elisa e em
1996, o teste Western
Blot
confirmou o resultado positivo, sendo o profissional afastado do
trabalho, pois houve evolução para AIDS com o
aparecimento das doenças oportunistas.
Em
1997, o caso
não foi registrado como exposição ocupacional,
uma vez que nos registros do Sistema Brasileiro de Relato de Doenças
Infecciosas (SINAN) no banco de dados para AIDS o formulário
não incluía a notificação por exposição
ocupacional, sendo classificado como risco não identificado.
Somente em 1999 que este caso foi considerado como contaminação
pelo HIV e AIDS por exposição ocupacional.
Pelo
o pouco que foi exposto até aqui, ressaltamos a importância
de a biossegurança no fazer dos profissionais de enfermagem,
para a qualidade e a preservação da vida do trabalhador
e da comunidade. No entanto, não se pode se limitar apenas às
normas de prevenção e controle. A biossegurança
deve abarcar a dimensão científica e a formação
dos sujeitos não só na para seguir normas, mas para
questionar as bases que mantém a precarização da
formação, a precarização e desvalorização
do trabalho em enfermagem.
2.
O vírus que mudou o mundo
Após
meses desde o surgimento de casos que desencadearam a primeira
pandemia do século XXI, ainda estamos convivendo com um vírus
desconhecido pelo o leigo, mas conhecido pelos cientistas. O
coronavírus pode infectar os animais como aves, porco, camelo
e o ser humano.
Considerado
um RNA vírus, significa que ele é passível de
mutação genética, favorecendo dessa forma sua
reprodução e sobrevivência no ser humano, sendo
que dos 07 coronavírus humanos (CoVhs), 03 deles são
responsáveis por epidemias como a Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SARS) causada pelo SARS-CoV1, a
Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS)
causada pelo o MERS CoV e agora o novo coronavírus
(SARS-CoV2) causando a pandemia Coronavirus
disease
- COVID -19 (GÓES,2012).
A
busca para melhor conhecimento sobre o vírus e sua atuação
no organismo se torna muito importante para o aperfeiçoamento
do tratamento e o desenvolvimento de imunobiológico para
prevenção. Nesse sentido, GÓES aponta que a
morfologia do coronavírus é esférica, composta
por camadas de lipídeos e proteínas, dando-lhe um
aspecto de coroa. Sua infectividade e virulência estão
relacionadas às glicoproteínas Spike que assumem
importante papel na penetração do vírus nas
células, ao induzir a fusão do envelope viral com a
membrana celular do hospedeiro.
Outro
aspecto importante é trazido por Maria Cátira Bortolin
(2020), cientista e Professora doutora da UFRGS, ao descrever o
contexto da sua pesquisa aponta a participação da
angiotensin-converting
enzyme 2
(ACE2)
ou
Enzima
conversora da angiotensina (ECA), que embora fisiologicamente tenha a
função de manter o metabolismo do sistema
cardiovascular, na COVID-19 essa enzima é utilizada para
infectar a célula do hospedeiro.
BORTOLINI
aponta ainda, a capacidade de adaptação do vírus,
configurando um “[...] Um
cenário perfeito e a seleção natural
transformaram esse novo coronavírus em um especialista em
infectar humanos [...] BORTOLIN, (2020). Ao utilizar a ECA para
infectar o hospedeiro, esta proteína tão importante
para o sistema cardiovascular, fica danificada comprometendo o
metabolismo cardiovascular e a regulação pressão
da arterial. Nesse processo há forte e exacerbada reação
imunológica, comprometendo muito os órgãos,
entre eles os pulmões, causando a Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SARS) decorrente do comprometimento maciço dos
alvéolos, levando a gravidade da doença, e a pneumonia
bacteriana, afetando outros órgãos nobres como o
coração e os rins (IDEM).
Somado
ao quadro pulmonar, há o relato de casos relacionados à
coagulopatia em pacientes com a COVD-19 internados em Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) que apresentavam elevados níveis de
fibrinogênio Dímeros, como relatado por
LLITJOS
et al (2020) e também em um estudo brasileiro, ainda não
divulgado no Brasil, porém difundido por Karina Toledo da|
Agência FAPESP, ao descrever uma investigação da
médica Elnara Negri do Hospital das Clínicas da FM-USP
e Hospital Sírio-Libanês, que identificou casos
associados ao tromboembolismo e o uso de anticoagulante tanto como
profilático como terapêutico para pacientes com a
COVID-19. Segundo a reportagem, para Elnara Negri (2020), este quadro
de embolismo está relacionado à resposta do organismo
às severas lesões no tecido alveolar, levando a uma
resposta infamatória, provocando uma tempestade de proteínas
que atuam como sinalizadores imunes e desencadeiam o processo
coagulação. Os coágulos podem fazer obstruções
em veias levando à trombose profunda em membros inferiores,
mas podem migrar e obstruir artérias importantes no pulmão,
causando a embolia pulmonar.
Estamos
diante de uma doença ainda desconhecida, sem um tratamento
específico e que se revelou perigosa tanto para idosos como
para jovens. Em sua forma mais grave o indivíduo pode
apresentar
dispneia,
baixa saturação de oxigênio em ar ambiente,
desconforto respiratório, aumento da frequência cardíaca
e respiratória, podendo variar de acordo com a idade dos
sujeitos e as comorbidades. Nesse sentido, idosos e portadores de
doenças crônicas como diabetes, hipertensão,
doença cardiovascular e imunocomprometidos são os mais
veneráveis, podendo ainda piorar o quadro. Embora os estudos
apontem que 85% dos casos de COVID-19 sejam leves, os outros 15% são
responsáveis por longa permanência na UTI, sendo alta
taxa de ocupação de leitos, maior risco para
complicações, maior necessidade de equipamentos médicos
e equipe especializada para atender o indivíduo que precisa de
suporte ventilatório, monitoramento cardíaco e
hemodiálise, entre outros. Daí a importância do
distanciamento social e o acompanhamento dos indivíduos
considerados do grupo de risco, levando em conta o baixo quantitativo
de leitos de UTI disponíveis.
Outro
aspecto a ser ponderado se trata do trabalho em saúde e, em
especial da enfermagem, diz respeito à transmissibilidade e
letalidade do vírus. De acordo com o Ministério da
Saúde (2020) a transmissão se dá
majoritariamente por via respiratória por meio das gotículas
expelidas da boca e nariz. Porém, quando se trata do
procedimento de acesso à via respiratória por intubação
orotraqueal, aspiração de secreção,
ventilação manual, ressuscitação
cardiopulmonar, oxigenação por cateter nasal e
broncoscopia, há a produção de aerossóis,
expondo o profissional ao risco.
Deve-se
ainda considerar que com base na classificação de risco
por agentes biológicos, o coronavírus pode ser
classificado como classe de risco IV, oferecendo “[...] alto
risco individual e para a comunidade com grande poder de
transmissibilidade, em especial por via respiratória, ou de
transmissão desconhecida [...]” (BRASIL, 2017). Nessa
classe estão os agentes que [...] até o momento, não
há nenhuma medida profilática ou terapêutica
eficaz contra infecções ocasionadas por estes. Estes
agentes causam doenças graves, tem alta capacidade de
disseminação, como o vírus Ebola e o da varíola
[...] (IDEM).
De
acordo com o Ministério da Saúde (2020), uma vez o
vírus no organismo, ele tem um período médio de
incubação entre 5.2 dias podendo chegar até 12.5
dias. O indivíduo infectado pode transmitir em média de
07 dias após o início dos sintomas, sendo ainda
possível a transmissão, mesmo sem o aparecimento dos
sinais e sintomas. Além disso, devemos considerar sua
capacidade de letalidade.
Para
SILVA (2020), em março a taxa de letalidade pelo COVID-19 foi
estimada em torno de 0,5 a 4%, sendo semelhante à da gripe
espanhola (2 a 3%). Decorridos 03 meses da pandemia, no Brasil a
letalidade está atualmente em 5,1%, elevando o poder do vírus
para causar mortes.
Nesse
sentido, se deve salientar a importância da biossegurança
nas ações de enfermagem, que foi comtemplada na NR 32
de 2005, como resultado de reivindicações dos
profissionais de saúde, desde a década de 1990, como
mencionado anteriormente e cuja construção teve a
importante participação de enfermeiros. Daí é
imprescindível que a biossegurança não seja
apenas um amontoado de normas, protocolos, procedimento operacional
padrão, mas que vá além, questionando um sistema
de exploração e precarização do trabalho
em enfermagem, sendo imprescindível acender e reacender as
pautas de reivindicações e lutas dos profissionais e
estudantes de enfermagem, como ato político de ação
e intervenção no mundo.
3.
A precarização do trabalho em enfermagem em tempo da
pandemia do coronavírus
A
COVID-19 não é democrática como foi veiculado na
televisão e nas redes sociais. Sabe-se que qualquer pessoa
pode ser contaminada pelo o coronavírus e desenvolver a
doença. Não obstante, a pandemia revelou e escancarou a
desigualdade social em um país que insiste em desmantelar
políticas públicas de acesso à saúde,
educação, saneamento básico, segurança,
cultura e lazer, para uma população formada por pretos,
pardos e pobres em sua grande maioria. Da mesma forma que esta crise
sanitária traz à tona a precarização do
trabalho na área da saúde. De uma hora para outra, a
população elegeu os profissionais de saúde como
heróis, o que é compreensivo, pois diante da crise se
emerge a [...] tendência do homem de mitificar o mundo à
sua volta, num esforço de justificar aquilo que não
entende [...] (Vieira, 2018 apud Eco,1976), tentatando se sentir mais
seguro.
O
trabalho em saúde é realizado por pessoas, que não
são super heróis e precisam de condições
dignas de remuneração, instrumentos de trabalho e
proteção da saúde física e mental. Entre
a equipe de saúde, a enfermagem como profissão secular,
é composta por enfermeiras (os), técnicas (os) e
auxiliares de enfermagem, representando a maior força de
trabalho no estabelecimento de saúde, especialmente no
hospital, no qual demanda maior tempo de assistência ao
paciente. O enfermeiro, o técnico e o auxiliar de enfermagem
não são anjos da guarda, nem sacerdotes e nem heróis.
São trabalhadores e exercem uma atividade reconhecida desde a
segunda metade do Século XIX, como profissão.
Nessa
direção, PIRES (2009), aponta as características
que fazem da enfermagem uma profissão: (i) demanda uma
formação especializada para atividades especializadas,
(ii) a exigência do domínio e conhecimento, (iii) o
controle e reprodução desse conhecimento, por meio da
formação e da pesquisa, (iv) a regulação
do exercício profissional por leis e (v) um código de
ética.
Nessa
direção, para Wanda Horta (1979),
[...]
a enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser
humano no atendimento de suas necessidades básicas, de
torná-lo independente desta assistência, quando
possível, pelo ensino do autocuidado; de recuperar, manter e
promover a saúde em colaboração com outros
profissionais
[...] (Wanda Horta, 1979).
Como
ciência, a enfermagem está ancorada em uma base
científica e tem como desafio a integralidade entre a teoria e
a prática e o acompanhamento das inovações
tecnológicas e pesquisas, neste mundo em constante
transformação.
Em
sua dimensão humana, Wanda Horta nos aponta que a [...]
“Enfermagem é um serviço para o ser humano”
[...], que presta assistência e faz para o paciente aquilo que
ele não pode fazer por si. É ajudar, educar, acompanhar
e desenvolver o autocuidado e a autonomia do sujeito. Na dimensão
ética, que vai além do definido no Código de
ética profissional, a enfermagem cuida considerando as
diversidades culturais, étnicas, gêneros, religiosas,
políticas e classes sociais, sempre pautada no conhecimento
técnico-científico e na unicidade do ser e no respeito.
Como
arte, o trabalho envolve técnica, razão e emoção.
A enfermagem não é como uma pintura, nem música
e muito menos a arte do improviso. Sua arte diz respeito à
aplicação do conhecimento técnico-científico
para cuidar de pessoas, possibilitando que atinjam o seu máximo
de saúde. No que tange à dimensão política,
a enfermagem é agente de mudanças para a transformação
social com vistas à autonomia dos sujeitos, do empoderamento
de grupos vulneráveis, no controle social e no fortalecimento
e reconhecimento da profissão em busca de condições
humanas no trabalho e na formação dos novos
profissionais.
Nessa
perspectiva, se torna importante refletir sobre as bases que
reproduzem e mantêm a precarização do trabalho em
enfermagem em um momento no qual, decorridos 03 meses, se
contabilizam 194 profissionais da enfermagem que morreram pela
COVID-19
,com
18.708
casos de contaminação e taxa de letalidade de 2,48%,
como foi registrado no “Observatório da enfermagem”,
criado para a notificação e acompanhamento.
Desde
o início da pandemia, a imprensa e as redes sociais divulgavam
as péssimas condições de trabalho dos
profissionais relacionadas à falta de EPI e de insumos como o
papel toalha para secar as mãos, medicações e
material médico hospitalar e assim como a falta de
conhecimento técnico para o uso de EPI especializado. Além
disso, a equipe cumpre intensa jornada de trabalho sem descanso, com
falta de um bom dimensionamento de pessoal, atraso do pagamento do
salário, baixa remuneração e até a falta
de local para o descanso. Somado ao risco biológico, a
enfermagem está exposta aos riscos físicos, químicos,
ergonômico, quedas e psicossociais.
O
sofrimento mental tem sido constante entre os profissionais de saúde,
em especial a equipe de enfermagem, que passa 24 horas com o
paciente. Além das extensas horas em um setor fechado e sem
luz natural, a enfermagem precisa lidar com a pressão diante
da gravidade do quadro do paciente, das complicações, o
stress
da equipe médica, do controle e atenção aos
equipamentos de suporte e o atendimento à equipe médica,
nutricionista, fisioterapia, entre outras.
Acrescenta-se
ainda o fato de o profissional se ver diante de expressivo número
de morte diariamente e do sofrimento alheio, podendo ocasionar
sentimento de frustação e fracasso. A vivência
constante com a morte faz com que o profissional se veja diante da
própria morte, causando medo de também morrer e deixar
a família. Ainda é preciso considerar que o
profissional tem receio de contaminar a família e para
protegê-la, mudam de casa e com ela toda dinâmica
familiar. Mesmo diante de tanta importância do trabalho da
enfermagem, o profissional é estigmatizado por vizinhos do
condomínio ou no bairro que têm medo de serem
contaminados, como foi veiculado nos noticiários e rede
social.
Em
face do exposto anteriormente, se torna importante refletir sobre a
precarização do trabalho que modifica a dinâmica
da sociedade capitalista a partir da flexibilização
produtiva, impondo ao trabalhador a execução de
múltiplas tarefas, a flexibilização das leis
trabalhistas, o trabalho temporário com contratos também
precários, com baixos salários e outras formas de
prestação de serviço, como o trabalho por tempo
determinado, trabalho part-time,
assalariados terceirizados e membros de cooperativas, levando à
perda de direitos trabalhistas como analisa Pires.
Cresce
a terceirização, flexibilizam-se as relações
trabalhistas, bem como muda a estrutura vertical das instituições
emergindo um modelo de rede, com forte colaboração
interempresas e intersetorial. A empresa ou instituição
mantém o que é central e terceiriza parte do seu
processo de produção. Deste modo, o trabalho não
é desenvolvido apenas pelo trabalhador assalariado e protegido
pelos benefícios do Estado de bem-estar social.
[...]
‘precarização do trabalho’, com múltiplas
relações contratuais, tem contribuído para
aumentar as dificuldades de representação e atuação
sindical deixando os trabalhadores desprotegidos e mais vulneráveis
às exigências gerenciais e patronais (PIRES, 2008).
Nessa
direção, Antunes (2000) analisa que a reconfiguração
do capitalismo contemporâneo acentua sua lógica
destrutiva, desenhando algumas tendências e entre elas, o
modelo de regulação do estado de bem estar social que
veio encoberto pela regulação do neoliberalismo
privatizante e antissocial e evidenciando duas manifestações
graves: a precarização do trabalho e a degradação
do meio ambiente e da relação homem-natureza.
Trata-se,
portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a
expressão mais profunda da crise estrutural que assola a (des)
sociabilização contemporânea: destrói-se
força humana que trabalha; destroçam-se os direitos
sociais; brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que
vivem do trabalho; torna-se predatória a relação
produção/natureza, criando-se uma monumental “sociedade
do descartável”, que joga fora tudo que serviu como
“embalagem” para as mercadorias e o seu sistema,
mantendo-se, entretanto, o circuito reprodutivo
do capital. (ANTUNES, 2000, p.38).
Desse
modo, a área da saúde também é afetada,
mesmo que o produto do seu trabalho não produza mercadoria,
mas o cuidado à saúde como bem inalienável e
direito de todos.
Nesse
sentido Pires (2009) aponta que no Brasil,
houve,
e se pode afirmar, que ainda há o aumento de trabalhador com
novas formas de relação de trabalho e que não
tem os mesmos direitos trabalhistas que os assalariados. São
profissionais com contrato temporário para exercer atividades
pontuais, como plantonista, cobertura de férias, licenças
ou para fins específicos, como o caso do Programa de
Interiorização do Trabalho em Saúde que realizou
a contratação temporária de profissionais de
saúde.
Este
programa lançado em 2003 pelo o governo federal tinha como
objetivo a expansão da Estratégia de saúde da
família para o interior do país. Para isso, foi
realizada contratação de médicos e enfermeiros,
que deveriam fazer a especialização em saúde da
família e receberiam como proventos, uma bolsa da CNPQ e
deveriam trabalhar nos municípios eleitos. Nesse sentido,
MANICA (2000) antes mesmo do efetivo início do programa, já
fazia crítica relacionada aos valores das bolsas entre médicos
e enfermeiros, e afirma:
[...],
entretanto, para viabilizar o Programa, ainda este ano, o governo
estabelece uma precária relação de trabalho com
os profissionais. Trata as enfermeiras de forma diferente ao definir,
um valor menor para a bolsa destas profissionais, contrariando
princípios do próprio governo federal que estabelece
isonomia quando o sistema de bolsa salário é utilizado
como forma de compensação financeira (MANICA,
2000, s/p).
Diante
do exposto, é preciso questionar as bases que mantém a
desvalorização da enfermagem a ponto desta se tornar
naturalizada.
Nessa
perspectiva, ao analisar estudo realizado por MELO et al (2016),
existe estreita relação entre autonomia do
profissional, valorização e precarização
do trabalho. Os autores apontam que a autonomia da profissional da
enfermeira, fica condicionada às decisões do médico,
estando isso relacionado à construção histórica
e social, na qual a profissão da enfermagem sustenta o
trabalho do médico e tem sua autonomia limitada às
ordens e decisões do médico, estando isso relacionado
ao modelo biomédico centrado na doença e procedimentos
especializados, sobretudo no ambiente hospitalar.
Além
disso, o modelo de organização capitalista impõe
a divisão técnica do trabalho na atenção
à saúde, envolvendo vários profissionais e
fragmentando o cuidado em saúde. Nesse modelo, o médico
tem um papel central de ordenador do trabalho, detentor do saber e
tem posição central na assistência e os demais
profissionais assumem um papel como secundário e até
mesmo subordinado.
Assim
o modelo biomédico ainda vigente, a flexibilização
e a precarização do trabalho na enfermagem, fazem com
que a autonomia da enfermeira seja anulada ou limitada.
[...]
a enfermeira ocupa nas relações sociais de produção
o lugar de funcionária assalariada, detentora apenas da força
de trabalho e destituída dos meios de produção e
de outra forma de capital, conforme afirma Santos5.
Tal situação impõe à enfermeira a venda
da sua força de trabalho ao capital, atendendo às
exigências de quem a emprega e também aos determinantes
sociais do seu trabalho, com destaque para a reestruturação
produtiva e a precarização do trabalho (MELO et
al,2016).
Ainda
se vive a falta do reconhecimento da utilidade social do trabalho da
enfermagem, tanto entre os demais profissionais da saúde, como
por parte das instituições de saúde e os
usuários. Quanto mais desvalorizado, mais precarizado será
o trabalho em enfermagem. Nessa direção, torna oportuna
a reflexão da Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEN) ao apontar que “[...] O reconhecimento
pessoal sempre foi um dos retornos e carinhos
que recebemos das pessoas que assistimos. Mas enfermeiras e
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, precisam de
melhores condições de trabalho, redução
da jornada de trabalho (30 horas), salários dignos[...]”
ABEN (20020).
Torna-se
importante salientar que a enfermagem é composta por 03
categorias: enfermeiro, técnico e auxiliar de enfermagem, e,
vem permeada pela divisão social do trabalho, na qual a
enfermeira realiza majoritariamente o trabalho intelectual e os
técnicos e auxiliares realizam o trabalho manual. Desse modo,
as categorias vivenciam a desvalorização e precarização
do trabalho de formas diferentes, mas trazem em si pontos em comum
como descrito pelo relatório final sobre o perfil
da
enfermagem no Brasil, coordenado por MAHADO (2017), apontando a
existência de vínculos trabalhistas na condição
de subemprego
e subsalário. Nessas modalidades,
os profissionais da enfermagem trabalham poucas horas semanais,
inferior a 20 horas, configurando subjornada de trabalho, sem vínculo
empregatício e transformando a atividade profissional em
“bico”.
Ainda
de acordo com (Machado, 2017), no que se refere ao subsalário,
diz respeito àqueles profissionais que recebem um salário
muito abaixo do que é devido, pela a função que
ocupa e é estabelecido pelo mercado de trabalho. Nessa
situação estão os profissionais que recebem
valor igual ou inferior a R$ 1000,00. Nessa condição,
em torno de 59 mil profissionais (3,3%) em “subjornada de
trabalho”, sendo que 31 mil (1,8%) declararam manter jornadas
semanais com menos de 10 horas, não se configurando assim como
emprego informal.
Pode-se
dizer que, dada a natureza da atividade, a Enfermagem é uma
profissão de trabalho institucionalizado, com inserção
forte nas estruturas formais de emprego, seja, público,
privado ou filantrópico. O que reforça a ideia de que a
empregabilidade é uma questão central para essa
categoria (MACHADO et al, 2017,p.341)
Assim,
sob a perspectiva neoliberal que instituiu o Estado Mínimo e
até a saúde vira mercadoria, a atenção em
saúde começa a ser privatizado por meio da
terceirização, passando a administração
para empresas, consórcio público e as Organizações
Sociais (OSs) e entre elas a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (EBSERH) criada em 2011. Embora, em seu pano de fundo,
as OSs tenham sido criadas para gerir os serviços públicos,
elas representam a privatização em várias áreas,
em especial da saúde. Dessa forma o Estado tira a sua mão
de áreas essenciais como a saúde, educação
e segurança.
A
terceirização que vem ocorrendo no serviço
público de saúde é exemplar para indicar a
renúncia do Estado à sua responsabilidade social e, ao
mesmo tempo, revelar a promiscuidade das relações
público—privado, com a transferência de altas
somas de recursos públicos para instituições
privadas, sem qualquer avaliação, planejamento,
supervisão ou controle de como esse recurso é utilizado
e de quais serviços e por quem e em quais condições
estão sendo prestados [...] (DRUCK, 20016, p.20).
Além
disso, a terceirização dos serviços de saúde
impõe a precarização
do trabalho traduzido na falta de vínculos permanentes, alta
rotatividade pessoal, alta jornada de trabalho, subjornadas, perdas
de direitos com contratos temporários e baixos salários,
levando à dupla jornada para complementar a renda. Por outro
lado, os funcionários públicos são vistos como
onerosos e fardos para o governo e contribuintes, sendo
desvalorizados e atacados em seus direitos e com perda salarial.
Estudo
realizado por SOUZA et al (2017) em hospital universitário no
ano de 2013, com a participação de 34 profissionais da
enfermagem, evidenciou a escassez quantitativa e qualitativa de
trabalhadores, falta de materiais médico-hospitalar, planta
física inadequada e falta de equipamentos, comprometendo a
segurança do paciente e do profissional, extenso ritmo de
trabalho salários, baixos e redução de pessoal,
gerando adoecimento e riscos de iatrogenias para o usuário.
Se
essa realidade estava presente antes da pandemia do coronavírus,
tanto pior se tornou após os primeiros casos da COVID-19 no
Brasil. As denúncias de profissionais da enfermagem sobre a
falta e atraso de pagamento de salário, da suspensão e
falta de contrato empregatício, as péssimas condições
de trabalho, a falta de EPI e extensas jornadas de trabalho e, ainda
trabalhadores do grupo de risco que não foram afastados.
Soma-se cenário as evidências de corrupção
e desvio do dinheiro público no seio das OSS, enquanto o
profissional tem seu trabalho precarizado e sua vida perdida. Neste
sentido, A presidenta da Federação Nacional dos
Enfermeiros, Shirley Marshal afirma:
[...]
descumprimento de direitos é outra grande reclamação
que temos recebido, além de muitos casos de excesso de
jornada, algumas instituições têm alterado
contratos e reduzido jornada e salários sem diálogo com
os sindicatos e impedindo que os profissionais de enfermagem tirem
férias e licenças, o que tem levado estes profissionais
ao adoecimento (MARSHAL, 2020)
Assim,
a pandemia revela o que estava encoberto e traz à tona a
desvalorização e a precarização do
trabalho em enfermagem, e ao mesmo tempo, evidencia a importância
deste trabalho, não só no momento atual, mas em todos
os momentos dos ciclos de vida dos sujeitos. A enfermagem cuida das
pessoas, antes do nascimento, durante o nascimento, durante toda a
vida e cuida no momento da morte.
Considerações
finais
A
saúde é um bem inalienável e direito de todos
independentemente de classe social ou etnia, e, não é
mercadoria. Diante do contexto atual, no qual o sistema econômico
baseado no neoliberalismo produz profundas mudanças e atinge
áreas essenciais como a saúde, segurança,
trabalho e educação e aumenta o fosso da desigualdade
social. Quando o Estado tira a sua mão de seguimentos
essenciais e repassa para a iniciativa privada, a população
mais pobre é a mais afetada. Assim, a lógica da
produtividade e do lucro não pode ser inserida em áreas
tão essenciais como saúde e educação.
Essas duas áreas se tornam a base para a condição
da cidadania, para que os sujeitos reconheçam seus direitos à
uma vida digna, sendo dessa forma primordial
a formação de técnicos e enfermeiro para além
do modelo biomédico de atenção à saúde,
mas que atuem com os demais profissionais de forma integrada a partir
dos condicionantes e determinantes de saúde e a participação
dos sujeitos.
Desse
modo, se torna importante que a formação não
privilegie somente a dimensão técnica e científica,
mas a dimensão ética que baliza a valorização
do trabalho em enfermagem, a dimensão política
questionando as bases que mantém e sustentam as péssimas
condições de trabalho e não possibilita
à transformação social e a defesa do SUS.
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