Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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13/09/2022 (Nº 80) QUANDO PERCEBER FAZ TODA A DIFERENÇA: REFLEXÃO SOBRE TOPOFILIA EM RELAÇÃO À PRAÇA ARLINDO LUZ, ZONA NORTE DE SÃO PAULO
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QUANDO PERCEBER FAZ TODA A DIFERENÇA: REFLEXÃO SOBRE TOPOFILIA EM RELAÇÃO À PRAÇA ARLINDO LUZ, ZONA NORTE DE SÃO PAULO



Vitória Andreassi Cardoso1, Luciana Aparecida Farias2

1 Cientista Ambiental graduada pela Universidade Federal de São Paulo (vitoriaandreassi@gmail.com).



2 Professora Associada II no Programa de Pós Graduação Análise Ambiental Integrada, Universidade Federal de São Paulo (luciana.farias@unifesp.br).





Resumo: O surgimento das praças está intrinsicamente relacionado ao surgimento das cidades. Tal como estas são diversas, existindo inúmeros tipos com diferentes usos e funções, entre as quais estéticas, sociais e ambientais. Dentro dessa perspectiva, o objetivo do presente estudo foi realizar a avaliação da percepção ambiental de frequentadores da Praça Arlindo Luz, situada na zona norte do município de São Paulo (SP), procurando identificar a existência de sentimentos topofílicos com relação à praça, os quais são fundamentais para o êxito de projetos de Educação Ambiental. O presente trabalho teve caráter qualitativo exploratório, na forma de um estudo de caso cujo levantamento dos dados foi mediante aplicação de questionário estruturado e de observação participante. Participaram do estudo 22 indivíduos, e os resultados encontrados evidenciaram que, mesmo apresentando uma percepção a respeito da importância de áreas verdes na cidade, não foi possível identificar sentimentos topofílicos com relação à Praça Arlindo Luz entre a maioria dos participantes.

Palavras-chave: Educação Ambiental, Percepção Ambiental, Praças, Topofilia.



Abstract: The emergence of squares is intrinsically related to the emergence of cities and, like these, they are diverse, with numerous types with different uses and functions, including aesthetic, social, and environmental. Within this perspective, the objective of the present study was to evaluate the environmental perception of visitors to Praça Arlindo Luz, located in the north of the city of São Paulo (SP), seeking to identify the existence of topophilia feelings to the square, which are fundamental to the success of Environmental Education projects. The present work had an exploratory qualitative character, in the form of a case study, whose data collection was through the application of a structured questionnaire and participant observation. Twenty-two individuals participated in the study and the results found showed that, even with a perception of the importance of green areas in the city, it was not possible to identify topophilia feelings regarding Praça Arlindo Luz among most participants.

Keywords: Environmental Education, Environmental Perception, Squares, Topophilia.



Introdução



O que são áreas verdes? Por que são importantes? São perguntas que costumam aparecer em reflexões que tratam da qualidade de vida no espaço urbano. Na verdade, muito se diz a respeito de áreas verdes, sobre seus usos e funções e sobre o que vem a ser uma, mas ainda falta um consenso na literatura sobre o conceito (DORIGO e col., 2015).

Oliveira (1996, apud DORIGO e col., 2015) postula que áreas verdes seriam áreas abertas e permeáveis de uso público ou privado. A cobertura vegetal de árvores e arbustos deve produzir um microclima aliviando altas temperaturas e a poluição urbana, além de outras funções que contribuem para o bem-estar humano. Também considera questões urbanas importantes a estabilidade geomorfológica, o suporte à fauna urbana e questões estéticas (paisagem). Por outro lado, os autores Cavalheiro, Nucci, Guzzo e Rocha (1999, apud DORIGO e col., 2015) dizem que é simplesmente um lugar livre e vegetado que, essencialmente, deve cumprir funções ecoambientais, estéticas e de lazer, servindo à coletividade tanto em uso quanto recreação. Dorigo e colegas (2015) discorrem ainda sobre tal conceito dizendo que este ambiente proporciona elo entre as pessoas e, consequentemente, com a natureza, contribuindo com a conservação da biodiversidade. Sem mencionar questões que são imensuráveis para cada indivíduo.

Todavia, é inegável que a crescente urbanização resulta em um aumento da população nas cidades e que a vida no ambiente urbano, além de reduzir o acesso à natureza, também favorece a exposição da população a riscos ambientais, como poluição do ar e sonora (LACERDA e col., 2005; PAES e col. 2020).

Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021) destaca que os espaços verdes e outras soluções baseadas no contato com a natureza favorecem o aumento da qualidade dos ambientes urbanos, além de aumentar a resiliência local e promover estilos de vida mais sustentáveis, o que melhora a saúde e o bem-estar dos residentes urbanos. O que inclui também a manutenção da biodiversidade urbana, a diminuição dos riscos ambientais, como poluição do ar ou ruído, e a mitigação dos impactos de eventos climáticos extremos, por exemplo, ondas de calor, chuvas extremas ou inundações. Sendo assim, serviços comuns fornecidos por uma cidade, tais como praças, parques ou vegetação em locais públicos e privados precisam ser facilmente acessíveis para todos os grupos populacionais e distribuídos de forma equitativa nas cidades.

De acordo com o ensaio feito por Lima (2008), as praças são elementos urbanos antigos, destacando que foi em praças que ocorreram as maiores e mais significativas reuniões e rebeliões na história. Assim, há um esforço em resgatar a força cívica e histórica das praças como as “ágora gregas” e os “fóruns romanos, espaços que posteriormente também foram importantes historicamente na Europa Medieval. Nas ágoras, por exemplo, Sócrates foi posto sob processo e, na sequência histórica, nasceu o Império homônimo no fórum de Roma. Podemos ainda citar a Praça de Tien-Na-Men (Praça da Paz Celestial), em Pequim, grande marco daqueles em busca de democracia e liberdade na primavera de 1989, dentre outros diversos exemplos citados por Lima (2008). Com isso, vemos que inicialmente as praças eram locais de reorganização social e discussões ou reuniões em prol da comunidade e que ao longo do tempo o seu uso foi se diversificando.

Tal como em diferentes partes do mundo, na realidade brasileira as praças também diferem em características e usos. Praças com grandes espaços são utilizadas para jogos e esportes, semelhantemente à praça São Bento, em São Paulo, que possui um tabuleiro de xadrez imenso, com peças de tamanho proporcional, ou ainda as que possuem pistas de skate. Em centros maiores, é também comum a realização de “bailes” e negócios irregulares, como tráfico de drogas, o qual comumente é relatado em notícias veiculadas em jornais ou na internet. Já em cidades do interior, é possível ainda notar que as praças são um grande ponto de encontro, onde ocorrem quermesses, feirinhas livres, entre outras atividades (LIMA, 2008). Sendo importantes áreas verdes do espaço urbano, faz-se fundamental avaliar a percepção dos usuários com relação a esses espaços, bem como as suas existências contribuem ou não para um maior vínculo com o meio ambiente.

De qualquer modo, devemos ver as cidades também como um espaço somado ao ambiente natural, para que seus processos e dinâmicas sejam vistos como as partes de um todo, aumentando a percepção ambiental do indivíduo com relação às áreas verdes. Sendo assim, é importante levar em consideração que na interação ser humano-natureza ocorre mútua transformação, e cada interação (humana) reflete uma natureza modificada, pois nela se somam pré-criações antes inexistentes, repercutindo também em um ser humano já modificado. Nas palavras de Sauvé (2005, pág. 36): “o meio ambiente nos forma, nos deforma e nos transforma, pelo menos tanto quanto nós o forçamos, o deformamos e, o transformamos”.

Trata-se, deste modo, de termos no horizonte da nossa percepção uma visão integrada dos fatores biofísicos, econômicos, culturais e sociais que formam o ambiente para além somente da dimensão natural. Para melhor entender a dinâmica de transformação desses lugares, um importante caminho é o da paisagem urbana, que além de contemplar o aspecto geológico e biológico, também é o registro histórico das ações antrópicas e do desenvolvimento das sociedades humanas.

É nesse sentido que estudos de percepção ambiental vêm contribuindo, pois é preciso, antes de tudo, percebermos para fazermos diferente. Todavia, vale destacar que alguns autores defendem que a percepção humana, apesar de ser dirigida pelos sentidos, também possui relação direta com o contexto sociocultural, sendo, portanto, fundamental incluir na avaliação da percepção a relação do ser humano com o ambiente a partir do que o indivíduo considera como sendo o mundo ao seu redor (DORIGO e col., 2015).

Neste contexto, um referencial teórico muito utilizado em estudos de percepção ambiental, e que pode contribuir no entendimento do fenômeno que o presente trabalho se propõe a discutir, é do conceito de Topofilia de Tuan (1983). Nele, o autor argumenta que a origem da questão estaria provavelmente na falta de um vínculo afetivo maior da comunidade com relação a um determinado local, o que pode também levar à população a não se sentir responsável pelo espaço público, que no presente estudo seriam as praças.

Contudo, compreender a nossa filia com relação à natureza/meio ambiente ou, como no caso do presente estudo, a tofilia com relação a uma praça de São Paulo, não é algo simples. A dificuldade começa no estabelecimento de uma compreensão comum com relação ao sentido de expressões ou palavras que nos ajudam a comunicar a nossa relação com este “entorno”. Para Tuan (1983), por exemplo, há diferenças entre o significado de lugar e espaço, apesar de serem termos comumente utilizados como sinônimos no senso comum. Para o autor, o conceito de “lugar” é mais complexo do que espaço, pois envolve valores afetivos desenvolvidos pelos indivíduos com relação ao seu entorno. Ou seja, lugar é muito mais do que suas modificações ao longo do tempo e geografia, é a história somada às suas modificações e acontecimentos e os significados construídos a partir disso: um lugar é um núcleo de acepções arquitetados pela experiência (TUAN, 1983). Sendo assim, ao serem também associads à localidade memórias afetivas relacionadas com a história do indivíduo, o “espaço” possibilita o surgimento do “lugar”, pois são intensificados os sentimentos de pertencimento (TUAN, 1983). A este processo, o autor denominou de topofilia. Segundo Tuan (1983) portanto, o conceito de topofilia se refere a percepção, atitudes e valores com relação ao meio ambiente.

Logo, para além dos aspectos cognitivos e racionais, também deve-se levar em consideração a sensibilidade afetiva e criatividade, pois é disso que trata o conceito de topofilia (TUAN, 1983). Contudo, para Tuan (1983), os opostos topofilia e topofobia existem e coexistem, como tudo no mundo: prótons e elétrons, bem e mal e assim por diante. Em sua abrangência, a topofilia une laços afetivos na relação ser humano e matéria, e ao agregar isso a tradições culturais e a um plano de fundo, a paisagem, cria memorias, estabelecendo uma ligação. Logo, o ser, ao se lembrar de um acontecimento, ou ritual tradicional, ligará o lugar àquela memoria, gerando, assim, sentimentos de pertença. O mesmo ocorre com relação à topofobia, porém com memórias negativas.

Para Tuan (1983), toda ação ou comportamento do ser humano também tem origem na sua percepção de mundo, causando um impacto no meio e vice-versa. Assim, ao observamos a realidade atual urbana, particularmente no que se refere a espaços verdes, ela também pode ser entendida como sendo um reflexo da percepção que os indivíduos possuem sobre áreas verdes. Portanto, o modo como o indivíduo se relacionará com estes locais, atribuindo um sentido de “espaço” ou de “lugar”, vai depender da inter-relação que se estabelecerá entre a percepção e a topofilia.

Ainda de acordo com Tuan (1983), quando estudamos a vinculação a um determinado local, devemos levar em consideração a existência de dois grupos que se distinguem e que podem ser classificados como o visitante e o nativo, os quais percebem o mesmo ambiente de formas diferentes. Para o autor, a percepção do visitante e do nativo possuem importância dada a alta mobilidade social.

De forma geral, o visitante apresenta uma percepção mais simplista, prática e estética, como se compusesse um quadro onde é facilmente anunciado seu ponto de vista, julgando pela aparência e beleza do local, podendo destacar seu ponto de vista pelo que mais chamou atenção ou causou incômodo. Em contrapartida, o nativo, que, no caso da praça, seriam os moradores, possui uma percepção mais complexa que se origina da sua imersão e vivência cotidiana no local. Essa complexidade da percepção do nativo também envolve os filtros que estão relacionados ao estilo de vida e comportamento do indivíduo, seu conhecimento, suas crenças ou mitos e, ainda, por seu emocional.

Contudo, se existe um elevado grau de violência, depredação, resíduos sólidos e, atualmente, a pandemia, outro vínculo pode se estabelecer, o da topofobia. No caso de uma praça, por exemplo, para o nativo, podem também existir sentimentos de posse envolvidos, como se a praça fosse uma extensão de sua casa. A partir disso, dependendo da maneira que as situações ocorrem e são percebidas, com aprovação ou desaprovação, o nativo pode gerar e nutrir sentimentos de topofilia ou topofobia, podendo passar essas percepções e sentimentos para seus filhos também. Desta maneira, a partir do entendimento que as praças públicas são espaços verdes fundamentais nas cidades, devemos ter em mente a importância de uma Educação Ambiental que também eduque a percepção do indivíduo, de maneira a instrumentalizar a população com recursos que a faça perceber os problemas relacionados ao meio ambiente como um todo, mas também com relação ao seu entorno, formando ecocidadãos (BRUGUER, 1994; LOUREIRO, 2015, FARIAS e col., 2017).

Assim sendo, o objetivo do presente estudo foi identificar o uso a que se destina uma praça pública na zona norte de São Paulo, por meio da avaliação da percepção ambiental da população usuária do espaço e, dessa maneira, avaliar de que modo possíveis sentimentos topofílicos ou topofóbicos na população do entorno da praça Arlindo Luz podem impactar na efetividade de futuros projetos de Educação Ambiental. Para tanto, buscou-se responder à seguinte questão de investigação: caso existam sentimentos topofílicos com relação à praça Arlindo Luz entre a população que mora na região, serão predominantes entre os participantes do estudo?



Metodologia

O presente trabalho teve caráter qualitativo exploratório, na forma de um estudo de caso, e visou avaliar o grau de percepção e sentimentos topofílicos da população do entorno da Praça Arlindo Luz, no bairro Jardim Brasil, na zona norte do município de São Paulo (SP). Para Godoy (1995), a pesquisa qualitativa tem como fonte de dados o ambiente natural, e como instrumento de coleta de dados o pesquisador. O foco fundamental é o estudo e a análise do mundo empírico e seu ambiente natural. É valorizado o contato direto e prolongado do pesquisador com a questão de investigação e o ambiente estudado, pois, para ele, é mais válido observar e compreender o fenômeno no contexto do qual faz parte.

O estudo teve a aprovação do Comitê de Ética, tendo como número CAAE – 44331521.0.0000.5505/ Número do Parecer: 4.697.113, e todos os participantes antes responderem o questionário, leram, consentiram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.



Da Escolha do Local

A Praça Arlindo Luz possui um diâmetro de 50 metros e está localizada no bairro Jardim Brasil (Zona Norte), distrito Vila Maria, pertencendo ao município de São Paulo (Figura 1). Na região, existem empresas e estabelecimentos comerciais de diversos ramos de atividade, sendo que a praça recebe muitos frequentadores de diferentes faixas etárias e abriga muitas árvores e pássaros.

A história do bairro Jardim Brasil teve início na década de 1910, sendo que o processo de urbanização se acelerou a partir da década de 1940. Em seu aniversário de 102 anos de fundação, realizaram-se inúmeras atividades de comemoração, dentre elas a revitalização de quatro praças da região que estavam bastante degradadas, sendo uma delas a Arlindo Luz.



Figura 1 -- Localização da praça Arlindo Luz na zona norte de São Paulo. Fonte: Adaptado do Googlemap.



Do Instrumento e Coleta de Dados

Para a coleta de dados foram adotados dois métodos, sendo o primeiro relativo a um questionário estruturado, dividido em Bloco I (perfil dos participantes) e Bloco II (percepção ambiental e relação com a Praça Arlindo Luz). O questionário estruturado foi aplicado via on-line e ficou disponível no período de 17 de maio a 20 de junho de 2021 no Google Forms.

Para a coleta de dados e fonte de informações, foi criado um perfil na mídia social Facebook, com a temática “O que te leva à praça Arlindo Luz?”. O Facebook foi eleito por ser mais amplamente utilizado na vizinhança do entorno da praça, e para manter o distanciamento social exigido devido ao período da pandemia pelo coronavírus. Contudo, para atingir o máximo de participantes possível, usou-se também outras redes sociais de escolha do entrevistado, como WhatsApp, através do qual houve compartilhamento do link do formulário. Foram convidados moradores da região, e pessoas que utilizam a praça (com diversas finalidades). Também foram realizadas publicações periódicas nas redes sociais com a intenção de atrair mais pessoas do entorno da praça ou que a frequentam, bem como incentivando a responder os questionários on-line, que foram uma das fontes da coleta de dados.

O segundo método adotado para a coleta de dados foi a observação participante, com o objetivo de avaliar os usos da praça e de facilitar o entendimento do comportamento social dos frequentadores do local. Assim, a localidade Praça Arlindo Luz foi observada em horários e períodos aleatórios ao longo do dia, inclusive de madrugada, por um mês.

A observação participante permitiu registrar os eventos em um diário de campo, deixando o observador livre para mudar o foco das observações e comparar sem tirar conclusões precipitadas (SILVA e col., 2015), sendo realizada no período de 24 de maio a 30 de junho de 2021.



Análise dos Resultados

Para análise dos resultados usou-se estatística descritiva no formato de tabelas e gráficos, e para as perguntas dissertativas foram feitas análises de conteúdo conforme propõe Bardin (1995), com o objetivo avaliar o material sobrepondo resultados das categorias em cada análise, ressaltando semelhanças e diferenças, sendo que o desenvolvimento de uma análise de conteúdo é dividida em três etapas, confome segue.

A primeira etapa diz respeito à pré-análise, na qual se faz um levantamento do referencial teórico, com uma leitura fluente acerca do tema, e são definidas metas, hipóteses e objetivos, seguindo regras rigorosas de exaustividade, em que o pesquisador deve garantir a leitura do maior número possível de material buscando representatividade e homogeneidade no número de amostra; os documentos escolhidos seguem um critério pré-definido e, por fim, a pertinência no que se refere à coerência com o estudo proposto. A segunda fase é a exploratória, na qual o material adquirido a partir do texto dos entrevistados é categorizado de acordo com o tema e a abordagem, para depois ser resumido e originar a categorização final, em que são destacadas palavras-chave a fim de se obter um sentido à fala ou uma outra mensagem que os entrevistados possam querer passar. Nesta pesquisa, foram utilizados resumos para facilitar a descrição dos resultados posteriormente realocados para a tabela com determinadas categorizações. Dessa maneira, foi possível condensar informações que mereciam destaque das mais triviais, possibilitando uma análise objetiva. Na última etapa, faz-se o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, tendo como objetivo apreender os conteúdos de todo o material coletado (entrevistas, documentos e observação).

Por fim, também foi elaborado um gráfico no formato de uma “Nuvem de Palavras”, no qual as palavras são agrupadas e organizadas graficamente em função da sua frequência. Para Camargo & Justo (2013), é uma forma lexical simples, mas que graficamente fornece informações que destacam palavras comumente associadas ao objeto de estudo, o que no presente trabalho facilitou apreender os possíveis sentidos atribuídos à praça Arlindo Luz. O gráfico da “Nuvem de Palavras” apresentado por este estudo foi elaborado a partir do software online WordClouds.



Resultados

O quadro 1 apresenta uma caracterização do perfil dos participantes, além trazer algumas percepções com relação à praça Arlindo Luz e o seu uso.



Quadro 1 – Caracterização dos participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.

Participantes Usuários/Frequentadores/Passantes da Praça Arlindo Luz

Idade Média

Grupo Feminino

Grupo Masculino

26 anos

28%

72 %

Nível de Escolaridade

Fundamental

I e II

Ensino Médio

(completo/incompleto)

Ensino Superior (completo/incompleto)

4%

30%

66%

Frequentador(a) da Praça

Há quanto tempo frequenta a Praça

Sim

Não

1 – 2 anos

3 a 5 anos

Mais de 5 anos

Não Frequenta

91%

9%

9%

30%

48%

13%

Observação: formação e atuação profissional em diferentes áreas.

A Praça tem condição de uso

Periodicidade com que frequenta a Praça

Sim

Não

Todos os Dias

De 1 a 2 vezes por semana

Finais de Semana

41%

59%

9%

30%

61%

Interação da Comunidade com a Praça

Participação em um Provável Mutirão para Revitalização

Inexistente

Moderado

Altamente Envolvido(a)

Pouco
Provável

Moderadamente Provável

Altamente
Provável

32%

64%

4%

19%

54%

27%





Percepção ambiental dos participantes

Partindo do entendimento que estudos sobre a percepção ambiental podem nos revelar as características da relação que se estabelece entre o indivíduo e o seu entorno, além de permitir também estabelecer quais os valores que estão embasando o agir humano em sua interação com o meio ambiente (OLIVEIRA; CORONA, 2008), algumas questões do questionário buscavam avaliar qual a percepção ambiental dos frequentadores da Praça Arlindo Luz.

A questão sete solicitava aos participantes que definissem o que é meio ambiente. Nesse sentido, é importante destacar que termos como “meio ambiente” e “natureza” são normalmente utilizados como sinônimos pelo senso comum, mas, na verdade, são polissêmicos, possuindo diferentes conceituações, que vão desde as mais ecológicas até as mais amplas, como termos socialmente construídos (LIMA e OLIVEIRA, 2011). Essa diversidade de interpretações pode ser observada nos resultados. Além disso, no presente estudo, as conceituações trazidas pelos participantes puderam ser categorizadas em três representações de meio ambiente, segundo Reigota (2007), conforme destacado na Tabela 1.



Tabela 1 – Categorias para a definição de meio ambiente, segundo os participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.

Categorias

Frequência absoluta

1

Naturalista

13

Exemplo: “Preservação animal” (N.M., 25 anos).

2

Antropocêntrica

1

Exemplo: “Algo necessário, e que é dever de todos cuidar” (L., 26 anos).

3

Globalizante

8

Exemplo: “Meio ambiente é o local onde todos estamos inseridos. Um local “emprestado” pela vida, compartilhado, do qual temos o dever de cuidar e manter” (C.B., 27 anos).



O predomínio foi de uma visão naturalista de natureza/meio ambiente, considerada ingênua na classificação de Reigota (2007). Contudo, ainda que não tenham sido respostas mais elaboradas conforme a conceituação dada pelo autor, 41% dos participantes deram respostas que se aproximaram de uma representação mais globalizante de meio ambiente, na qual o ser humano é parte integrada ao ambiente.

Por sua vez, partindo de um entendimento mais integral de meio ambiente, no qual este, seja em seu estado natural ou transformado, precisa oferecer as condições necessárias para uma convivência mais harmoniosa entre todos os elementos que o compõem, foi perguntado aos participantes como eles definiriam um meio ambiente saudável (questão oito).

Foram obtidas 22 respostas, das quais foi possível extrair três categorias (Tabela 2), conforme preconizado por Bardin (1995).



Tabela 2 – Categorias para a definição de meio ambiente saudável, segundo os participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.

Categorias

Frequência absoluta

1

Sem resíduos/poluição

15

Exemplo: “Sem sujeira sem bagunça e todo mundo se respeita” (P., 21 anos).

2

Estético

1

Exemplo: “Ambiente colorido” (R.C., 25 anos).

3

Conexão com a natureza

6

Exemplo: “Um lugar com vegetação farta, com animais podendo circular sem interferência do homem” (L., 26 anos).



Os elementos norteadores para a categorização das respostas foram:

  1. Os participantes deram destaque para as questões de resíduos e poluição de uma forma geral.

  2. Os participantes deram destaque para uma provável harmonia estética.

  3. Respostas nas quais foi possível perceber que os participantes destacaram aspectos ecológicos e conexão com a natureza.



Por sua vez, da questão em que se buscava o entendimento a respeito da responsabilidade socioambiental, também extraiu-se três categorias (Tabela 3).



Tabela 3 – Categorias para definição de responsabilidade socioambiental, segundo os participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.

Categorias

Frequência absoluta

1

Cuidado e respeito para com outro (vivo e não vivo)

6

Exemplo: “Sempre tratar as pessoas bem e nunca bagunçar o ambiente” (P., 21 anos).

2

Visão comportamentalista

12

Exemplo: “Cuidar da própria sujeira a descartando em local adequado, colaborar com projetos socioambientais e não apenas apoiá-los” (D.G.J., 24 anos).

3

Coletividade e sustentabilidade

4

Exemplo: “É cuidar do patrimônio dessa e de gerações futuras” (J.S.S, 28 anos).

.

Os elementos norteadores para a escolha dessas categorias foram:

  1. Os participantes deram destaque para uma convivência mais harmoniosa e respeitosa entre todos e o meio.

  2. Os participantes deram destaque a comportamentos específicos, notadamente o descarte correto de resíduos.

  3. Respostas nas quais foi possível perceber que os participantes também destacaram a responsabilidade com as futuras gerações.



Representações e sentidos da Praça Arlindo Luz

Todo espaço social traz associado a si imagens e narrativas; portanto, conhecer os sentidos sociais construídos e compartilhados de um espaço, que ao longo da sua história se transforma em lugar, pode fornecer informações importantes para que se compreenda os possíveis sentimentos topofílicos associados a ele, bem como as narrativas construídas em torno dele (TUAN, 1983). Sendo assim, na Figura 2 é possível observar as principais palavras associadas à Praça Arlindo Luz, que podem ajudar na elucidação dos sentidos atribuídos ao local.

De uma maneira geral, os termos se dividiram em dois grupos predominantes de palavras, que se aproximam de um mesmo sentido social entre si e que, basicamente, estão relacionadas com as questões 13 (usos da praça) e 15 (condições de uso) do questionário. De um lado, temos palavras que remetem à função de integração, sociabilidade e contato com o “verde”, tais como “jogos”, “recreação” e “natureza”. De outro lado, palavras que remetem a um espaço “abandonado”, tais como “descaso”, “resíduos” e “drogas”.



Figura 2 – Palavras evocadas pelos participantes da pesquisa a partir do termo indutor “Arlindo Luz”. Fonte: Elaboração própria.





Na Tabela 4, que trata da categorização das respostas à questão 18 – que solicitava aos participantes para descreverem a praça Arlindo Luz e seu entorno –, pode-se confirmar os sentidos atribuídos às palavras evocadas a partir da solicitação trazida pela questão 16, representadas na Figura 2.



Tabela 4 – Categorias para a descrição da Praça Arlindo Luz, segundo os participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.

Categorias

Frequência absoluta

1

Aspectos utilitários/descritivos

6

Exemplo: “Ela é perto de um depósito de gás, um mercadinho de bairro, casas e muitas ruas” (L., 26 anos).

2

Coexistência entre diferentes grupos

5

Exemplo: “Bastante Noia e fim de semana crianças e famílias utilizando o espaço” (R.C., 25 anos).

3

Aspectos estéticos

8

Exemplo: “Uma praça bonita, bem arborizada, com poucas lixeiras, muito lixo no chão, um visível descaso dos moradores e visitantes” (J.F., 26 anos).

4

Aspectos de segurança

3

Exemplo: “Acho um ambiente pouco seguro, certamente barulhento por conta da movimentação de carros e ônibus. Mas a praça tem alto potencial pra se tornar um ponto equilibrado.” (C.B., 27 anos).



Os elementos norteadores para a escolha dessas categorias foram:

  1. Os participantes elaboraram somente uma descrição dos elementos que compõem a praça e seu entorno e/ou destacaram a utilidade que o lugar tem.

  2. Os participantes deram destaque aos diferentes grupos de indivíduos que frequentam a Praça Arlindo Luz.

  3. Há uma descrição dos elementos que compõem a praça, mas trazendo adjetivos.

  4. Respostas que deram destaque ao aspecto de segurança do lugar, para além da descrição dos elementos que compõem a praça e região.



Por fim, a experiência de tornar um espaço em lugar, conforme preconiza Tuan (1983), pode ser incentivada pela imaginação, que comumente tem associada a si emoções e sentimentos, de maneira a orientar como os indivíduos circulam e sentem um determinado lugar, que no caso do presente trabalho é a praça Arlindo Luz. Nesse sentido, na questão 19 foi solicitado aos participantes que descrevessem a praça ideal (Tabela 5).



Tabela 5 – Categorias para a descrição da Praça Arlindo Luz ideal, segundo os participantes da pesquisa (n = 22). Fonte: Elaboração própria.



Categorias

Frequência absoluta

1

Praça limpa e coexistência pacífica

2

Exemplo: “Sem brigas sem sujeira no chão e todo mundo conversando” (P., 21 anos).

2

Aspectos de segurança reforçados

4

Exemplo: “Policiamento mais frequente, placas de ciencia que o espaço é público e deve ser mantida a ordem, em geral.” (R.C., 25 anos).

3

Aspectos estéticos e naturais positivos

16

Exemplo: “Uma praça limpa, iluminada, com sinalização sobre preservação e consciência de consumo.” (J.R, 26 anos).



Os elementos norteadores da escolha dessas categorias foram:

  1. Os participantes deram destaque para a harmonia que deveria existir entre os diferentes grupos que frequentam a praça.

  2. Os participantes deram destaque também para aspectos de segurança, como policiamento.

  3. As respostas focaram somente nos aspectos estéticos e naturais.



Observação participante

Das condições físicas da praça

A Praça Arlindo Luz se localiza entre duas grandes avenidas, Avenida Roland Garros e Avenida Basílio Alves Morango. Possui quatro equipamentos de ginástica para idosos, em bom estado de funcionamento e um pouco enferrujados; um pequeno playground para as crianças, com balanço, gira-gira e gangorra; dez bancos espalhados pela praça, quase todos em boas condições; e quatro mesas que estão dispostas em apenas em uma extremidade. Há duas passagens principais que cruzam a praça, uma no sentido da Av. Jardim Japão/Av. Edu Chaves e outra no sentido da Av. Roland Garros/Vila Sabrina (Figura 3).

Figura 3 - Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP): A) Passagem no sentido da Avenida Jardim Japão; B) Passagem no sentido da Avenida Edu Chaves; C) Passagem no sentido da Avenida Roland Garros; D) Passagem sentido Vila Sabrina. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Para melhor entendimento e visualização das descrições, a praça foi dividida em cinco quadrantes. O primeiro é o que se nomeou como a área mais iluminada da praça (Figura 4 A), que possui duas mesas localizadas debaixo de postes de iluminação e alguns bancos próximos. Logo atrás fica a área central da praça, onde estão localizados os equipamentos da academia da terceira idade (ATIs), alguns bancos, ao redor de um poste de iluminação (Figura 4B). Essas duas áreas são as mais claras da praça, como adiantado sobre uma delas, sendo onde se observou maior presença de pessoas; além dos postes de iluminação para a noite, possuem maior clareira, o que permite maior incidência de sol, fazendo com que sejam as áreas mais procuradas em dias mais frios. A terceira área, definida como “a área dos usuários de Cannabis spp”, conforme constatado na observação participante (Figura 4C), possui duas mesas, alguns bancos próximos e postes de iluminação em que nem todas as lâmpadas apresentam bom funcionamento, o que deixa essa área mais escura quando cai a noite. É bastante frequentada pelos usuários de entorpecentes, provavelmente por estar mais distante da área de playground. À frente dessa área, há a área de fogueira (Figura 4D), que possui apenas um banco e abriga várias árvores, com menor área de clareira; não possui postes de luz e é mais utilizada em dias frios, quando os jovens fazem fogueira, e por pessoas que levam seus cachorros para passear. A última área é a do playground (Figura 4E), que fica em frente à área da fogueira e da área mais iluminada da praça.



Figura 4 - Praça Arlindo Luz: A) Área mais iluminada da praça; B) Área central da praça; C) Área de usuários de Cannabis; D) Área de fogueira; E) Área de playground. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



O solo é quase que completamente exposto em toda a praça; algumas partes possuem certa cobertura por grama e o caminho para pedestres é pavimentado. Possui várias árvores e arbustos. Em uma pequena parte da praça, onde o solo é completamente exposto, há pneus com mudas de árvores de um antigo programa do governo Municipal que tinha o intuito de acabar com o descarte irregular de pneus (Figura 5).

Figura 5 - Canteiro com pneus e mudas na Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP). Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Ao redor da praça, há muitas moradias e três comércios: um mercadinho, uma empresa de distribuição de gás e uma pequena loja de móveis usados. Durante o período de observação direta, destacou-se também o volume de resíduos sólidos espalhados pelas localidades da praça e ao seu redor. Na área central e nas áreas que possuem mesas, o volume de resíduos é maior, especialmente aos finais de semana (Figura 6A e 6B). Os resíduos incluem copos, garrafas e sacos plásticos, entulhos e bitucas de cigarros, sobretudo nas duas passagens principais, que atravessam a praça, por serem caminhos muito usados no trânsito de pedestres ao longo do dia. Na área de playground, as crianças brincam em meio aos resíduos como se não os notassem ou não soubessem dos riscos que oferecem, e próximo ao balanço ou à gangorra é possível ver bastantes bitucas de cigarro.

Figura 6 - Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP). A) Resíduos sólidos na área central; B) Área de usuários. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).





A poluição sonora ganha destaque entre 11h e 13h e no de final da tarde, entre 17h e 20h. Há bastante movimento de veículos ao redor da praça durante todo o dia; contudo, apenas um ônibus tem a praça em seu itinerário; os veículos são, majoritariamente, carros e caminhões de médio e pequeno porte da empresa de distribuição de gás localizada perto da praça, que fazem retiradas e entregas ao longo do dia.

Durante a noite, a iluminação é irregular dentro da praça, tendo algumas áreas mais iluminadas (Figura 7A e 7B), outras com luminosidade moderada, nas passagens principais da praça e no playground (Figura 7C e 7D), bem como áreas com menor iluminação, próximas às árvores (Figura 7E). Todavia, ao redor da praça há bastante postes de luz que a iluminamde uma maneira geral.



Figura 7 - Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP): A) Área mais iluminada da praça; B) Área central da praça, bastante iluminada; C) Luminosidade na passagem de pedestres; D) Luminosidade na área de playground; E) Baixa luminosidade, em áreas próximas às árvores. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Como foi possível observar a partir da análise das respostas dadas aos questionários, a maior parte dos moradores e frequentadores da praça não possui envolvimento na manutenção da mesma. Contudo, durante o período da observação participante, conheceu-se um morador, recém-chegado ao bairro Jardim Brasil, – o senhor Snow (nome fictício, 38 anos) –, que faz limpezas em praças e serviços de jardinagem em locais próximos à sua residência. Como mudou recentemente para a região, havia iniciado o trabalho de coleta de resíduos na Praça Arlindo Luz. A primeira coleta realizada por ele gerou, aproximadamente, quinze sacos de resíduos, constituídos, em sua maioria, por materiais plásticos (garrafas, copos e sacolas), bitucas de cigarro e matéria orgânica (folhas secas e restos de alimentos) (Figura 8A). O morador ainda reclamou das fezes de animais que estavam espalhadas, e dos frequentadores que, aos finais de semana, deixam muitos resíduos pela praça, em especial copos e latas de bebidas. Enquanto realizava a limpeza havia pessoas observando; entretanto, nenhuma se dispôs a participar. Após a limpeza da praça, os resíduos foram reduzidos a quase zero e o ambiente limpo se manteve até o final de semana seguinte.

Passados quinze dias, o mesmo morador realizou outra limpeza e, desta vez, havia dois senhores que conversavam com ele. O morador fez pequenas pilhas com os resíduos e as incinerou (Figura 8B), formando fumaça. A justificativa para o ato foi a chuva que se formava no horizonte. Snow continua a fazer limpezas na praça e, às vezes, conta com a ajuda de catadores (Figura 8C); tem a expectativa de que os resultados obtidos no presente estudo, quando apresentados para a população, despertem consciência coletiva nos moradores e frequentadores da praça.



Figura 8 - Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP). A) Volume dos resíduos coletados; B) Queima dos resíduos coletados; C) Carrinho do catador de resíduos sólidos. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Ao iniciar este estudo, foi requisitado à subprefeitura da Vila Maria, por meio do Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão (e-SIC - http://esic.prefeitura.sp.gov.br), um esclarecimento sobre o uso/função inicial destinados à Praça Arlindo Luz. Após o prazo estimado de trinta dias, o Sr. Coordenador de obras respondeu (ANEXO B), por meio do chefe de gabinete, esclarecendo que, pelo fato de a praça se localizar em uma zona mais árida (inexistência de vegetação) da região do perímetro da subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme, trata-se de uma ilha de calor dentro de uma ilha de calor, de acordo com o Atlas Ambiental da Cidade de São Paulo. A princípio, a praça tinha como função ser um catalisador da fauna (a prefeitura não especificou a que tipo de fauna se referia), por meio da sua flora, e aproximar a população para a convivência social e lazer. Completou a informação dizendo que, em função dos sentimentos topofílicos, por praticamente não existirem praças no setor, a população local adere cem por cento ao local, principalmente aos finais de semana. Também trouxe mais informações sobre o processo de revitalização, que ocorreu há dois anos, informando que foram instalados ATIs para uso de pessoas da terceira idade e playground para crianças.

Todavia, a partir dos resultados obtidos no presente estudo, constatou-se uma divergência de informações, pois há duas praças próximas à Praça Arlindo Luz, com cobertura vegetal arbórea e arbustiva, sendo que uma delas pode ser vista da Arlindo Luz e a outra fica a apenas quatro quarteirões (de 5 a 7 minutos a pé) de distância. Além dessas que estão realmente próximas, há mais duas praças na região que ajudam a amenizar o clima da capital. Em relação aos sentimentos topofílicos, estes não podem ser definidos pela existência de uma ou mais praças. Isso mostra que a própria prefeitura possui dados desatualizados da situação atual das praças na região.

Durante o período de observação, viu-se uma praça movimentada, quase nunca com ausência de pessoas. Mesmo em noite frias, dias chuvosos e nos períodos iniciais do dia (1 às 5 horas da manhã), havia pessoas. Somente em três momentos no período de um mês encontrou-se a praça vazia: em uma manhã chuvosa (6 horas), de madrugada (4 horas) e à noite (22 horas), em dias diferentes, destacando-se que eram noites também chuvosas e de frio. Os períodos menos movimentados observados foram pela manhã, durante a semana, sempre com poucas pessoas (duas a quatro, no máximo), sendo que algumas faziam exercícios nos aparelhos de ginástica para idosos, enquanto outras mexiam no telefone celular e alguns idosos apenas estavam sentados observando o movimento ou conversando com alguém. Sabe-se, ainda, que no período pré-pandemia havia grupos de idosos que se encontravam para fazer caminhada e aulas de zumba na praça.

A partir da hora do almoço (das 11h às 14 horas), o movimento sobe, principalmente compost por crianças e usuários de Cannabis. Ao observar as vestimentas (uniformes e roupa social), percebe-se que alguns usam a praça no intervalo de almoço de seus trabalhos. O playground é muito utilizado pelas crianças nos dias da semana, com ênfase no período da tarde; contudo, no início da noite (em menor número), também há crianças brincando, sendo que a grande maioria fica no playground e algumas andam de bicicleta.

Já no fim da tarde, há aumento substancial do número de pessoas (das 18 horas à zero hora), sendo o período mais frequentado durante os dias úteis da semana. Os grupos se espalham pela praça, os que possuem filhos sempre estão na área de playground ou nas mesas da parte mais iluminada da praça. Os usuários de Cannabis costumam ocupar a área de equipamentos de idosos e as mesas da parte menos iluminada da praça. Os mais jovens (16-18 anos) usam a praça para se encontrar, conversar, jogar jogos no celular ou fumar maconha.

Essa relação entre usuários de Cannabis e os demais frequentadores da praça, incluindo os pais das crianças, aparenta ser tranquila, o que parece se confirmar também a partir das respostas obtidas por meio do questionário, pois somente um participante reclamou do mal cheiro.

À noite, o movimento é reduzido, prevalecendo os jovens adultos (20-30 anos), que fazem fogueira, jogam ao celular ou com cartas, consomem bebidas e entorpecentes. Ao entrar a madrugada (foram observados, durante o mês, três dias em horários diferentes da madrugada), o movimento é praticamente inexistente. Há muitos casais que vão à praça, sendo que, em todos os períodos, há pelo menos um casal no local. Em uma das observações durante a madrugada (aproximadamente às 4h30min) foi avistado um casal sozinho na praça, consumindo bebida alcoólica e conversando.

Por outro lado, os finais de semana são os mais movimentados e com maior número de pessoas na praça (Figura 9). Logo pela manhã, já se observa um número muito maior de pessoas do que em dias da semana, especialmente de crianças (Figura 10). Muitas destas brincam no playground, mesmo havendo apenas três brinquedos; há também aquelas que andam de bicicleta e patins e, ainda, as que empinam pipas. São vistos também muitos animais com seus donos; às vezes, soltos, outras vezes, com coleira.

Figura 9 - Volume de frequentadores da Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP) nos sábados à tarde. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Figura 10 - Volume de crianças na Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP) em um sábado à tarde. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Quando chega o anoitecer aos finais de semana, o movimento de jovens e jovens adultos aumenta, conforme também foi observado nos dias da semana (Figura 11), mas a frequência e o tamanho dos grupos de amigos são maiores. Durante a semana, observam-se grupos de até seis pessoas, já nos finais de semana os grupos são de oito até dez pessoas. Alguns usam a praça como ponto de encontro para saírem para outros locais; outros usam a praça como o próprio evento de saída, reunindo-se em torno de bancos e mesas. Levam caixinhas de som, bebidas, jogos, e ficam por lá até o meio da madrugada ou amanhecer. Nesses momentos, a fogueira é o centro das reuniões. Todavia, esse movimento é mais visto aos sábados. Nos domingos à noite, o movimento da praça se limita ao da fogueira, com um grupo de amigos e alguns usuários de Cannabis frequentes na praça.



Figura 11 - Frequência na Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP), aos sábados à noite. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



O clima pareceu ser a mais importante variável, se não a única, que influenciou diretamente nos horários e locais de maior frequência de pessoas na praça. Dentre os finais de semana observados, em dois domingos, quando o dia era frio e nublado, com garoa ou chuva, a praça ficava mais vazia, exceto por algumas pessoas que passavam por lá, e uma ou outra que se sentava nos bancos, mesmo com chuva. Já aos domingos de sol, observa-se durante o dia um número muito maior de pessoas, mais até que os sábados à tarde. Algumas pessoas até levam seus próprios bancos para a praça e tomam sol.

A divisão de frequentadores por faixa etária também ficou evidente, sendo a praça no fim de tarde e noite (em todos os dias) mais frequentada por jovens entre 20-40 anos, e as manhãs e tardes por crianças e adolescentes entre 4-15 anos, além de pessoas acima de 40 anos.

Durante a observação alguns eventos e cenários também chamaram a atenção. O policiamento é diário; em diferentes períodos da observação, viu-se uma viatura da polícia passando, sendo que, nos questionários, algumas respostas mencionaram “enquadro” e haver “segurança em todos os horários” (contudo, durante as visitas na madrugada, nenhum policiamento foi observado).

Uma ocorrência que merece destaque foi o apagamento de luz na praça durante uma observação. Nesse dia, aproximadamente às 19 horas, viu-se a praça totalmente escura (Figura 12A), apenas com as luzes da rua em funcionamento. Todavia, o movimento na praça continuou bastante dinâmico, com pessoas espalhadas nas cinco áreas dela, incluindo crianças. No dia seguinte, o gira-gira estava quebrado (Figura 12B) e encostado nas árvores na parte mais vegetada da praça. Demorou cerca de cinco dias para arrumarem o quadro de luz da praça.



Figura 12 - Praça Arlindo Luz (São Paulo – SP). A) Praça na ausência de iluminação; B) Gira-gira vandalizado. Fonte: Elaboração própria a partir da observação direta (2021).



Conforme observado, chegou-se à conclusão de que, aos finais de semana, o período da tarde (a partir das 14 horas) é o momento mais frequentado da praça, com maior fluxo de pessoas, observação condizente com a resposta do chefe de gabinete. Durante os dias de semana, o horário de maior movimento é o fim da tarde (entre 17h e 19 horas). Ainda, os perfis de frequentadores foram diversos; contudo, houve maior incidência de crianças e jovens na praça no período da tarde.



Discussão



Pensar a praça pública enquanto lugar fundamental para manutenção da qualidade de vida em centros urbanos é também pensar suas contradições, disputas, sentidos e ressignificações em uma dinâmica dialógica, também constituída de fluxos vivos e não vivos no que antes era somente espaço. Isso nos leva a perguntar: quando um espaço se torna um lugar? Para Tuan (1983), lugar é a segurança do familiar e as memórias afetivas, podendo ser o nosso bairro antigo, a cidade na qual morávamos quando criança ou a praça na qual íamos brincar, paquerar, conversar com os amigos ou somente observar os transeuntes. Por sua vez, espaço é o que ainda não foi internalizado, sentido ou explorado, mesmo que os nossos passos tenham percorrido um determinado local.

Dentro dessa perspectiva, o que seria a Praça Arlindo Luz para os participantes do presente estudo: um espaço ou um lugar? Para responder a esta questão é necessário antes entendermos a dinâmica que se estabelece no cotidiano entre a praça e seus frequentadores. Sendo assim, foi possível constatar que dentre os participantes, 91% frequentavam a praça com regularidade há pelo menos três anos ou mais (78%), particularmente aos finais de semana (61%), o que foi posteriormente confirmado a partir da observação participante, durante a qual se constatou aumento considerável de frequentadores aos finais de semana.

Contudo, quando questionados se havia uma interação da comunidade com a praça, 64% responderam que percebiam essa interação como sendo moderada. Neste sentido, se entendermos comunidade a partir de um ponto de vista mais ampliado, ou seja, como sendo um grupo de indivíduos que compartilham algo, seja uma história, um objetivo ou lugar; o resultado obtido parece se aproximar do que Whyte (1980) definiu como sendo um espaço público, isto é, o local onde estranhos desfrutam de uma experiência compartilhada. Esse resultado pode indicar também uma possível dificuldade de adesão a um futuro projeto de Educação Ambiental, o que no presente estudo ficou evidente nas respostas dadas à questão “Qual seria a probabilidade de você participar de mutirões para a revitalização e manutenção da praça Arlindo Luz?”, para qual 54% responderam que a probabilidade seria moderada. Resultado posteriormente confirmado na observação participante, a partir do olhar do frequentador Snow, que fazia a limpeza da praça de forma solitária, contando apenas com a ajuda esporádica de catadores.

Nessa perspectiva, faz-se importante resgatar o conceito de topofilia de Tuan (1983), para o qual sentimentos topofílicos envolvem os laços afetivos entre seres humanos com o meio ambiente material, contudo, diferindo de um indivíduo para o outro em intensidade, sutileza e modo de expressão. No presente estudo, os resultados obtidos não evidenciaram a presença de sentimentos topofílicos com relação à Praça Arlindo Luz, e o comportamento dos frequentadores se aproximou do que o Tuan (1983) chamou de “visitantes”, o quais apresentam uma percepção mais simplista, prática e estética do local.

Isto ficou evidente a partir das respostas dadas para as questões “descreva a Praça Arlindo Luz e o seu entorno” e “como seria a praça Arlindo Luz ideal para você?”. Não há memórias afetivas, somente descrições cognitivas do momento atual, sugerindo que a praça ainda é um espaço para a maioria dos participantes. Isso também responde à questão de investigação do presente estudo: “caso existam sentimentos topofílicos com relação à praça Arlindo Luz e a população que mora na região, estes serão predominantes entre os participantes do estudo?”. Ficou evidente que não.

Sendo assim, os resultados obtidos podem ser refletidos a partir de duas dimensões diferentes: a coletiva/políticas públicas e a individual. Na primeira, tendo-se o entendimento de que as praças são componentes importantes nos espaços urbanos, estas não podem ser pensadas de forma desarticulada do espaço público, ou seja, do seu entorno. Para Pacheco (2017), por exemplo, existem dez princípios para conectar indivíduos e ruas, destacando que a atratividade pública depende da vitalidade dos espaços públicos, incluindo os seguintes fatores: a) diversidade de usos; b) fachadas ativas; c) dimensão social e vitalidade urbana; d) escala humana; e) iluminação; f) estímulo à economia local; g) identidade local; h) ruas completas; i) áreas verdes; k) participação social.

Tirando o fato de que as praças fazem parte do princípio “áreas verdes”, quatro outros princípios, dentre os dez listados por Pacheco (2017), podem estar afetando no desenvolvimento de sentimentos topofílicos com relação à Praça Arlindo Luz. O primeiro deles seria a “diversidade de usos”, a qual combinaria áreas residenciais, de escritórios e comerciais, como bares, restaurantes, cafés e comércio local, o que atrairia pessoas e tornaria o meio ambiente mais seguro e amigável. De fato, no entorno da Praça Arlindo Luz existem empresas e estabelecimentos comerciais de diversos ramos de atividade, mas talvez não atrativos o suficiente, o que ficou evidente em algumas respostas que apareceram para a questão que solicitava descrever a praça e seu entorno.

Outro princípio que parece estar impactando na percepção que os frequentadores têm da praça é o princípio da “identidade local”. Os espaços públicos devem ser planejados para os pequenos negócios que caracterizam o bairro. Grandes empreendimentos (como supermercados ou outras redes) podem contribuir para a economia em geral, mas não traduzem a identidade da região. Nessa perspectiva, pareceu haver uma impessoalidade nas descrições da Praça Arlindo Luz e seu entorno, não aparecendo nos registros afetivas que envolvessem a região ou elementos que favorecessem o processo identificatório.

Por sua vez, o princípio da “iluminação” preconiza que uma iluminação eficiente e orientada para as pessoas facilita a ocupação dos espaços públicos à noite, passando uma sensação de segurança. Nesse sentido, apesar de poucos relatos com relação à Praça Arlindo Luz ser um ambiente pouco seguro, durante a observação participante foi constatado que havia uma iluminação irregular no local, o que pode passar uma sensação de pouca segurança e que esta precisava ser mantida pelo policiamento na região.

Por último, há que se considerar ainda o princípio da participação social, o qual, para Pacheco (2017), significa envolver os moradores da região na concepção, planejamento e administração dos espaços públicos urbanos ou dos bairros em que vivem, pois, segundo o autor, isso seria fundamental para se conseguir manter a qualidade desses espaços. Isto posto, é importante também destacar que os espaços públicos têm diferentes usos e significados em cada bairro e comunidade. Caso um espaço não reflita as demandas e desejos da população local, ele não será usado ou mantido. Isso pode explicar o fato de que a revitalização, feita quando da comemoração dos 102 anos da Praça Arlindo Luz, tenha se perdido.

Por outra perspectiva, apesar da dimensão coletiva/políticas públicas ser fundamental, é também necessário levar em consideração a dimensão individual, para que haja uma compreensão mais integrada e profunda do fenômeno estudado. Pois, conforme reflete Sodré (2015), as dimensões individual e social interpenetram-se e constituem-se dialeticamente, distinguindo-se no tempo oportuno enquanto função. Isso vale para grupos e indivíduos de qualquer latitude civilizatória. Esse processo, que é dinâmico, vai ter impacto em duas dimensões principais: na constituição identitária e no sentimento de pertencimento do indivíduo, pois este retira do grupo as bases de sustentação da vida psíquica individual; mas também na manutenção do status quo, ao localizar o mesmo indivíduo em uma espécie de “lugar”, num território ao mesmo tempo singular e social.

Neste caso, os resultados obtidos no presente estudo que tratam da dimensão subjetiva dos participantes revelaram a coexistência de duas visões predominantes de meio ambiente: a naturalista e a globalizante, com predomínio da primeira (59%). Nesse tipo de visão, segundo Reigota (2007), tem-se uma perspectiva mais ecologizada e romantizada de meio ambiente, na qual a natureza (fauna e flora) deve ser preservada sem a presença do ser humano. Por sua vez, na visão globalizante, tem-se o entendimento mais ampliado e crítico, bem como a compreensão das diferentes inter-relações que se estabelecem entre os seres vivos e não vivos, entre o ambiente natural ou transformado, sendo o ser humano parte integrante desse processo dinâmico.

Apesar de ambas valorizarem o meio ambiente/natureza, a visão naturalista predispõe a uma atuação mais ingênua e comportamentalista dos indivíduos, não havendo um protagonismo transformador e crítico que se espera de um ecocidadão, que responsabiliza, mas também se co-responsabiliza.

Nesse sentido, o impacto do predomínio dessa visão mais ingênua/romantizada pode ser visto nos resultados obtidos para as questões “defina meio ambiente saudável” e “definição de responsabilidade socioambiental”. Para a maioria, meio ambiente saudável é aquele sem resíduo e poluição, bem como responsabilidade socioambiental refere-se principalmente a atitudes comportamentalistas, tais como cuidar dos próprios resíduos, descartando-os em locais adequados. Não há a reflexão integrada expressiva da questão nem autopercepção, pois é grande o volume de resíduos jogados na praça, além de vandalismo, o que levou 59% dos participantes responderem que a Praça Arlindo Luz não apresenta condições de uso.

Esse resultados, somado aos anteriores já citados, podem estar dificultando o surgimento de sentimentos topofílicos, o que também dificultaria a transição de espaço para lugar da praça, enquanto dimensão simbólica, destacando-se que, para Tuan (1983), os lugares são locais aos quais atribuímos valor, onde são atendidas necessidades diversas, entre as quais as afetivas, relacionais ou de conexão. Portanto, a Praça Arlindo Luz não sendo um lugar, também não é lhe atribuído um valor que levaria ao cuidado por parte dos frequentadores.

Parece haver uma percepção dicotômica com relação à Praça Arlindo Luz, expressa na Figura 2, pois, de um lado aparecem associações, tais como contato com a natureza, lazer, recreação, mas e outro lado uma associação com descaso, compreendendo-a como um espaço “abandonado”, de resíduos e drogas, sugerindo que possíveis sentimentos topofóbicos podem vir a se desenvolver.

Por fim, essa percepção dicotômica parece também se subdividir em demarcações territoriais identificadas durante a observação participante e registradas na Figura 4, como sendo: a área mais iluminada da praça, a área de ginástica dos idosos, a área dos usuários de Cannabis, a área da fogueira e a área de playground das crianças. Essas demarcações revelam a coexistência (aparentemente pacífica) de diferentes grupos que compartilham a experiência da Praça Arlindo Luz, a qual medeia as diferentes atividades sociais: do passeio com o animal de estimação ao uso de entorpecentes, passando pela brincadeira das crianças, pela ginástica do idoso, pela cantoria dos jovens ou pelos passos apressados do simples transeunte. Esse aspecto merece atenção e detalhamento em estudos futuros.



Considerações finais



Por meio do presente estudo foi possível constatar que a praça cumpre com sua função incialmente pensada, ela de fato é utilizada para diversos fins recreativos, auxilia na amenização do microclima local e ainda abriga alguns animais urbanos, como pássaros, pombas e cachorros de rua. Não foi possível constatar a presença de sentimentos topofílicos com relação à praça entre os entrevistados, tendo estes mais o perfil de “visitantes”. Nessa perspectiva, por haver espaços para plantio na praça e na rua em sua volta, uma ação que poderia despertar pertencimento e aproximação das pessoas seria o plantio de mudas, arbóreas principalmente com crianças. Os resultados obtidos evidenciam a necessidade de uma Educação Ambiental que, para além dos aspectos de cidadania, também favoreça os aspectos afetivos, tornando o espaço “praça Arlindo Luz” um lugar de memórias, história e identidade.





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Ilustrações: Silvana Santos