Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2023 (Nº 83) EDUCAÇÃO AMBIENTAL E BIORREGIONALISMO: ENTRELAÇAMENTOS POSSÍVEIS PARA A CONSERVAÇÃO DO PAMPA
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E BIORREGIONALISMO: ENTRELAÇAMENTOS POSSÍVEIS PARA A CONSERVAÇÃO DO PAMPA

Juliana Corrêa Pereira Schlee & Shirlayne Silvana Umbelino de Barros 1

RESUMO: Este trabalho é resultado da pesquisa de conclusão do Curso de Especialização em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Grande Dourados (UNIGRAN), polo Arroio Grande – RS, que, através de um aprofundamento teórico foi realizada uma investigação a partir do problema de pesquisa: como a Educação Ambiental inserida no Biorregionalismo pode auxiliar gestores ambientais na preservação e conservação do Bioma Pampa? As questões ambientais que abrangem a biorregião pampeana são inúmeras como a sua descaracterização, a substituição da biodiversidade por monoculturas, a caça, o desmatamento, o uso do fogo, mais recentemente a mineração, assim como a descaracterização cultural e o êxodo rural. Esta pesquisa teve como aporte teórico pesquisadores do biorregionalismo como MacGinnis e Miller, assim como Michele Sato, entre outros. Dentre os desafios e perspectivas está em adquirir uma filosofia biorregional, contemplar o local em seus aspectos biológicos, sociais, ambientais, econômicos, políticos e históricos, assim como uma mudança de paradigma de industrio-científico para o paradigma biorregional. Desta forma, podemos considerar que é necessário a implementação de um projeto de Gestão Ambiental no entrelaçamento entre Educação Ambiental e Manejo Biorregional, ao aliar-se com as comunidades locais para a manutenção do Bioma Pampa, contribuindo assim com o equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e subsistência familiar, assim como, compreender o Pampa em todas as esferas social e ambiental. Palavras-chave: Educação Ambiental; Gestão Ambiental; Pampa; Biorregionalismo.



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este trabalho é resultado da pesquisa de conclusão do Curso de Especialização em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Grande Dourados (UNIGRAN), polo Arroio Grande – RS, através de um aprofundamento teórico foi realizada uma investigação a partir do problema de pesquisa: como a Educação Ambiental inserida no Biorregionalismo pode auxiliar gestores ambientais na preservação e conservação do Bioma Pampa? Esta pesquisa teve como aporte teórico pesquisadores do biorregionalismo como MacGinnis (1999) e Miller (1997), assim como Michele Sato (2005) que trata do entrelaçamento entre biorregionalismo e educação ambiental. A pesquisa apresentada foi tecida a partir do campo da Gestão Ambiental no entrelaçamento das temáticas: Educação Ambiental, Biorregionalismo e Pampa. A Educação Ambiental é uma análise das relações: políticas, sociais e culturais entre a sociedade e a natureza, assim como sua relação entre os seres humanos, de acordo com Reigota (2009), e desta forma a Educação Ambiental como educação política prepara os cidadãos e as cidadãs para exigir uma sociedade com justiça social, cidadania planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza. Entretanto, Sato (2005) afirmava que a mudança para uma vida ética requer instrumentos e educação ainda em plena construção local, isso não significava desprezar a cidadania planetária, mas antes instituir o desafio em construir a requerida cidadania local. Já a Gestão Ambiental pode ser entendida como um conjunto de princípios, estratégias e diretrizes de ações e procedimentos que integra o planejamento, o gerenciamento e a política ambiental para proteger a integridade dos meios físicos e bióticos, bem como grupos sociais que deles dependem (Santos, 2004; Campaner; Araújo; Costa, 2009), como um dos instrumentos para a Gestão Ambiental, a Educação Revista Gepesvida ~ 32 ~ Ambiental torna-se necessária para reflexão sobre o espaço de participação e da mobilização na constituição de uma realidade, atuando sobre unidades espaciais complexas constituídas pelas interações de diferentes elementos, fatores, atores e interesses convergentes e conflitantes (GUIMARÃES, 2012). Os principais níveis de ação da Gestão Ambiental são a recuperação e o controle do meio ambiente, a avaliação e controle da degradação futura, o planejamento ambiental, com a finalidade de promover, de forma coordenada, o inventário, uso, controle e proteção do ambiente articulada com políticas ambientais (Palermo, 2006). Sendo que o Sistema de Gestão Ambiental articula-se em torno de um ciclo de planejamento, implementação, controle em que a experiência adquirida é utilizada para promover melhorias gradativas no sistema (SÁNCHEZ, 2013). A Educação Ambiental inserida no Biorregionalismo difunde o desenvolvimento de valores comunitários de cooperação, solidariedade e reciprocidade. Assim como, a visão biorregional que nos permite contemplar o local, o que está próximo e não apenas uma noção abstrata de lugar, ou seja as particularidades de determinadas áreas, buscando a proximidade com a terra (OLIVEIRA JR.; SATO, 2005; SATO; OLIVEIRA JR., 2006; OLIVEIRA JR.; SATO, 2008). As questões que abrangem a preservação e conservação da biorregião pampeana são inúmeras como a sua descaracterização do Bioma Pampa, a substituição da biodiversidade (campo nativo e floresta) por monoculturas (principalmente eucalipto e soja), a caça, o desmatamento, o uso do fogo, mais recentemente a mineração, assim como também a falta de conhecimento sobre a biodiversidade da biorregião pela população, por professores e estudantes, além disso, a descaracterização cultural e o êxodo rural. Diferentes modelos de desenvolvimento vêm sendo propostos pelo poder público, pela iniciativa privada e pela sociedade organizada, dentre estes o modelo agroexportador baseado no latifúndio monocultor, em contraposição, se faz necessário propostas de desenvolvimento das potencialidades da paisagem local, a partir de um modelo de sustentabilidade que articule a fragilidade do meio com os saberes tradicionais envolvidos no processo histórico de apropriação do Pampa gaúcho (FIGUEIRÓ et al., 2011). Diante das considerações acima, compreendemos a importância de investigar a Educação Ambiental inserida no biorregionalismo ao olhar para o Bioma Pampa, assim como suas questões ambientais e culturais. Este trabalho foi dividido em duas seções, na primeira trataremos sobre o Pampa e seus aspectos culturais e naturais. Na segunda seção, “Biorregionalismo, Gestão Ambiental e Educação Ambiental” aprofundamos esta temática ao olhar para o Bioma Pampa.

1.PAMPA E SEUS ASPECTOS AMBIENTAIS E CULTURAIS

Nesta seção buscamos compreender o Bioma Pampa e seus aspectos ambientais e culturais, assim como as inter-relações que se estabelecem historicamente entre os habitantes do pampa e o lugar, potente para uma análise biorregional. De acordo com Suertegaray e Silva (2009), o Bioma Pampa faz parte de uma extensa região natural que se estende para além do território brasileiro, são regiões pastoris nos três países da América do Sul - cerca de dois terços do Estado do Rio Grande do Sul, as províncias argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, Entreríos e Corrientes e a República Oriental do Uruguai. “O Pampa é um dos seis biomas terrestres ou grandes regiões naturais do Brasil. É o único que se estende por um só Estado, ocupando uma superfície de 178mil km², que representa 63% do território gaúcho e 2,1% do território nacional” (BENCKE; CHOMENKO; SANT’ANNA, 2016, p.17). A denominação “Pampa” foi dada pelos primeiros caminhantes humanos, aproximadamente 10.000 anos (A.P. – antes do presente) que habitavam este território e lugar. O termo de origem quíchua (ou quechua), língua aborígene da América do Sul, significa “região plana” e está associada à paisagem dominante de extensas planícies cobertas de vegetação rasteira (SUERTEGARAY; SILVA, 2009). No Brasil, o Pampa foi oficialmente reconhecido como um Bioma em 2004, essa distinção inseriu o Pampa na agenda ambiental nacional, contribuindo para ações de preservação e conservação deste rico patrimônio natural e cultural, permitindo no âmbito das legislações destacarem a importância, a singularidade e as potencialidades deste ambiente único no mundo (BENCKE; CHOMENKO; SANT’ANNA, 2016). Este bioma se torna uma formação ecopaisagística única e especial ao reunir formações ecológicas que se intercruzam, com intenso tráfego de matéria, energia e vida Revista Gepesvida ~ 34 ~ entre campos, matas ciliares, capões de mato e matas de encosta (Suertegaray; Silva, 2009). A vegetação campestre, com alta biodiversidade, há séculos tem sido utilizada como paisagem para a produção pecuária na região Sul do Brasil, este uso pastoril dos campos preserva a vegetação nativa e é essencial para manter paisagens com muitas espécies nativas de plantas e animais, formando uma complexa teia de relações que garantem a integridade das paisagens campestres e dos serviços ambientais (PILLAR; LANGE, 2015). o Pampa, para além de um território geográfico pode ser entendido como uma forma de ser, de viver. Constitui e é constituído por diversos atravessamentos culturais, geográficos, políticos, sociais, econômicos, biológicos... historicamente é um campo de saberes, lutas, disputas, chegadas e partidas (SCHLEE et al., 2015, p. 196) Nesse contexto, não basta compreender o Pampa apenas como um espaço natural, de paisagem, vegetação e biodiversidades típicas, é preciso considerar a dimensão sociocultural. O gaúcho, habitante natural desta região, completamente integrado ao seu meio, com traços culturais que se manifestam em seus costumes, na culinária, na arquitetura, nas lidas campeiras, fazendo do Pampa uma verdadeira paisagem cultural (BENCKE; CHOMENKO; SANT’ANNA, 2016). A partir deste olhar sobre o Bioma Pampa, na próxima seção trouxemos elementos importantes para compreendê-lo como uma região biorregional, entrelaçando aspectos da Gestão e da Educação Ambiental.

2.BIORREGIONALISMO, GESTÃO AMBIENTAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A análise biorregional do Pampa gaúcho se torna especialmente rico e oportuno ao recuperarmos a história do lugar para desenvolver as relações entre a comunidade e o ambiente biofísico que habitam. Historicamente, o biorregionalismo nasce nos Estados Unidos no contexto das comunidades alternativas da Califórnia, que buscavam uma mudança de estilo de vida, menos consumista, ligada a Ecologia Profunda (Sato, 2005; Silva; Jaber; Sato, 2009), surge, entre outros, no movimento de retorno à terra depois das desilusões com a industrialização e massiva urbanização (SAUVÉ, 2005). Dentro das vertentes ambientalistas no contexto internacional é reconhecido o Revista Gepesvida ~ 35 ~ biorregionalismo de Gary Snyder (antropólogo norte-americano), para ele mais do que apenas relevo e textura, o lugar tem a densidade das culturas, do tempo, da história, dos mitos que contam sua origem, o lugar é mais do que espaço, ele é o que constitui por dentro – como uma de suas condições de possibilidade – a própria experiência do homem, enquanto homem (FARHI NETO, 2006). Segundo Sauvé (2005), o conceito de biorregião possui dois elementos essenciais que se entrecruzam: um espaço geográfico definido mais por suas características naturais do que fronteiras políticas e um sentimento de identidade entre as comunidades que ali vivem, assim como a relação com o conhecimento deste meio e o desejo de adotar modos de vida que contribuam para a valorização da comunidade natural da região. Para Miller (1997), a biorregião era um espaço geográfico que abrigava integramente um ou vários ecossistemas, caracterizava-se por sua topografia, cobertura vegetal, cultura, história humana, refletia uma percepção da comunidade humana, através do senso de territorialidade ou de “terra natal”. Além disso, implicava numa análise ecológica, social, econômica, além de abordagens participativas para estabelecer metas e implementação de planos. Assim, a biorregião tem pelo menos esses dois aspectos: o de território vinculado a uma cultura, traçado por critérios naturais, não unívocos nem artificiais, que seguem os contornos imprecisos de uma espécie de planta ou de uma condição climática, compatíveis, portanto, com uma percepção humana; e o aspecto de uma unidade política descentralizada, eventualmente federada em grupos mais abrangentes (FARHI NETO, 2006). O Biorregionalismo pode ser considerado a tentativa de restabelecer uma conexão entre as comunidades humanas de uma determinada região com seu ambiente natural, não se deve contemplar apenas a biodiversidade, mas aprofundar-se em estudos sobre a historicidade local e a cultura, assim como suas projeções socioeconômicas (Oliveira Jr.; Sato, 2005). Assim como para Reigota (2010), que nos alerta sobre o desafio da Educação Ambiental contemporânea está em incorporar principalmente os aspectos antropológicos, culturais, econômicos e políticos. Ao trazer a Educação Ambiental inscrita no biorregionalismo, Sato (2005) Revista Gepesvida ~ 36 ~ “reforça que a experiência social é variada e múltipla, e para além do veredicto das ciências, do controle econômico ou da exclusão social, pretende buscar alternativas que possibilitem o não desperdício das vivências locais”. De acordo com Sauvé (2005), o biorregionalismo trata-se de um movimento socioecológico que busca a dimensão eco-nômica da gestão deste lar de vida compartilhada. Ao abordar o manejo biorregional os gestores e educadores ambientais precisam conhecer e agir de modo a proteger melhor e recuperar a biodiversidade e os recursos biológicos, assim como para promover seu uso cuidadoso através de ajustes de escala dos programas de manejo, de modo a englobar ecossistemas inteiros (Miller, 1997).

No pampa assim como outros ecossistemas e biomas, segundo Oliveira Jr e Sato (2005; 2009) a perda da biodiversidade não está restrita ao ambiente biológico, mas também ao ambiente social, apesar de serem diferentes, tanto a diversidade biológica como a cultural, fazem parte de um só mecanismo. Nesta perspectiva, Carvalho (2012) considerava que o respeito aos processos vitais da capacidade de regeneração e suporte da natureza seria balizador das decisões sociais e o orientador dos estilos de vida coletivos e individuais. Conforme Reigota (2009), a Educação Ambiental tem como objetivo favorecer e estimular, coletivamente, uma “nova aliança” entre os seres humanos e a natureza e entre nós mesmos, que possibilite a todas as espécies biológicas (inclusive a humana) a sua convivência e sobrevivência com dignidade. Sendo assim, a educação, e particularmente a ambiental, é potencialmente um instrumento de gestão, por sua capacidade intrínseca de intervir no processo de construção social da realidade ou para conservá-la ou para transformá-la. A garantia dos espaços, da participação e da mobilização e a luta permanente pela ampliação desses espaços, o que permitirá a explicitação dos conflitos geradores dos problemas ambientais e estruturantes da realidade socioambiental faz com que a Gestão Ambiental ocorra numa abordagem complexa (GUIMARÃES, 2012). Revista Gepesvida ~ 37 ~ 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O Bioma Pampa têm sofrido alterações significativas, estimativas de perda deste hábitat em 2002 eram de 41,33% e, em 2008, restavam apenas 36,03% da vegetação nativa, esta diminuição da biodiversidade está associada à progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens com espécies exóticas, resultando numa rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais (Amaral et al., 2016). Portanto, a conservação e preservação do Bioma Pampa através da Educação Ambiental inserida no Biorregionalismo torna-se um desafio para os gestores e educadores ambientais. Dentre os desafios, está de continuar progredindo e nos desenvolvendo, mas com uma nova sensibilidade, um novo sentido humano de partilha, de gratuidade, de generosidade, de solidariedade, de cooperação crítica e criativa e de uma amorosa co-responsabilidade para com Nós mesmos, para com a Vida, para com o Pampa, para com o Mundo (BRANDÃO, 2005). Dentro da Educação Ambiental, há três esferas multidimensionais – o indivíduo, a sociedade, e a natureza, portando a Educação Ambiental não é somente o estudo antropológico do ser humano, nem apenas o estudo sociológico da sociedade onde vive e nem só das relações dos seres vivos com seu ambiente, ela é um diálogo aberto, um passaporte livre que circunda diversas fronteiras entre eu, o outro e o mundo (SATO; PASSOS, 2005). Ainda Sato e Passos (2008) reconhecia que para o processo educativo era necessária uma nova filosofia, uma filosofia biorregional, que dissolva as forças locais estimulando as criações, fortalecendo os talentos e sendo capazes da ação ética dos territórios e, que, simultaneamente, aceite uma filosofia planetária que conceba a ligação na emaranhada teia cósmica de todas as estrelas. Para aumentar as perspectivas de conservação da sociobiodiversidade por meio do manejo biorregional, Miller (1997) assegurava que é preciso encontrar respostas para três perguntas fundamentais: como criar a capacidade de administrar programas mais complexos e integrados? Como envolver efetivamente todos os grupos de interventores ambientais? E como fortalecer e vincular instituições já estabelecidas ou, se necessário, criar novas? Nesta perspectiva podemos citar a importância de mudança de paradigma Revista Gepesvida ~ 38 ~ industrio-científico para o paradigma biorregional. Paradigma biorregional Paradigma Industrio-científico Escala Regional Comunitária Estado Nação Mundo Economia Conservação Estabilidade Auto-suficiência Cooperação Exploração Mudança/Progresso Economia Mundial Competição Política Descentralização Complementária Diversificada Centralizada Hierárquica Uniformizada Sociedade Simbiose Evolução Divisão das tarefas Agrobiodiversidade Polarização Crescimento Violência Monocultura Tabela 1. Paradigma Biorregional versus paradigma Industrio-científico (baseado em McGinnis, 1999). Segundo Sato (2005), era necessário romper com a tradicional visão determinista e tentar perceber um local com características geográficas e biológicas inscrita numa história de vida, de construir identidades fora de centros hegemônicos, na relevância das lutas políticas em locais e territórios singulares. Para além da mudança de paradigma, há outros caminhos para percorrer para a conservação e preservação da biorregião pampeana, como a elaboração de um projeto Gestão Ambiental Biorregional, que prepara um inventário dos recursos, mapa, lista de empreendimentos econômicos locais e de opções de produção de alimentos, também estabelece grupos de trabalho entre os moradores para atender os aspectos de equidade social e questões de gênero; além disso, o uso do solo é planejado e gerenciado para obter uma paisagem diversificada e proteger águas, solos e biodiversidade (MILLER, 1997). Segundo Guimarães (2012), a Gestão Ambiental é um processo de negociação entre forças convergentes e divergentes e que podem se manifestar no espaço de participação, potencializando a superação dos problemas ambientais que só se viabiliza se a participação de todos os atores sociais envolvidos, que compõem a realidade enfocada, explicitando conflitos e viabilizando consensos negociados e não impostos. Assim, um projeto de Gestão Ambiental Biorregional tem os mesmos princípios orientadores do Biorregionalismo: a escala espacial é mais adequada; a governabilidade na biorregião deve ser democrática prezando a qualidade de vida e a justiça sócioambiental; o desenvolvimento econômico regulado localmente enfatizando a autosuficiência e a manutenção do ecossistema; a interdependência política e econômica deveria ser institucionalizada nas esferas municipal, estadual, federal e global (MILLER, 1997). Segundo Primack e Rodrigues (2001), os argumentos econômicos são frequentemente usados pra preservação da biodiversidade, mas muitas vezes são inadequados e pouco convincentes, em contraposição vários argumentos éticos podem ser apresentados para preservação de todas as espécies, são eles: toda espécie tem o direito de existir; todas as espécies são interdependentes; os humanos devem viver dentro das mesmas limitações em que vivem outras espécies; a sociedade tem a responsabilidade de proteger a Terra; o respeito pela vida e diversidade humana é compatível com o respeito pela diversidade biológica; a natureza tem um valor estético e espiritual que transcende seu valor econômico; a diversidade biológica é necessária para determinar a origem da vida. Muitas culturas tradicionais têm co-existido com sucesso com seu ambiente à milhares de anos, devido a ética que encoraja a responsabilidade pessoal e uso eficiente de recursos, para além da conservação da biodiversidade a etnoconservação baseada em critérios decorrentes de paisagens criadas pelas populações tradicionais, busca a existência de áreas de alta biodiversidade decorrentes do conhecimento e manejo tradicional realizada pelas populações tradicionais, a biodiversidade pertence tanto ao domínio do natural e do cultural, no lugar em que vivem, as populações humanas produzem relações sociais e simbólicas (Primack; Rodrigues, 2001; Diegues, 2005), assim a experiência do lugar é um dos fundamentos do biorregionalismo, o lugar faz parte do nosso ser (FARHI NETO, 2006). Segundo Grün (2008), talvez possamos dar os primeiros passos na revalorização da localidade e do conhecimento local, ao “estar em um lugar” e ter a “noção de lugar” como um modo de pertença ao mundo, importante para nossa percepção primária e interconexões com o mundo não-humano, cabe a Educação Ambiental promover uma volta aos lugares em direção a uma compreensão renovada do nosso lugar-no-mundo. Portanto, segundo Oliveira Jr. e Sato (2005), a Educação ambiental deve se preocupar com a diversidade cultural através da apropriação do conhecimento e das sabedorias mantendo valores nas comunidades como resistência à homogeneização. Vivemos da e na natureza, como seres naturais que somos, mas em um Mundo de Natureza coletiva socialmente transformado em um Mundo de Cultura (BRANDÃO, 2005), assim, “somos seres historicamente construídos e capturamos a realidade na medida em que somos capazes de concebermos em nossos próprios mundos” (SATO; PASSOS, 2005). Desta forma, podemos considerar que é necessário a implementação de um projeto de Gestão Ambiental, no entrelaçamento entre Educação Ambiental e Manejo Biorregional, ao aliar-se com as comunidades locais para a manutenção do Bioma Pampa, contribuído assim com o equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e subsistência familiar, assim como, compreender o Pampa em todas as esferas social e ambiental, e indagar como foi se transformando e quais as formas que desejamos construir e reconstruir este nosso lugar no mundo.

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1 Doutorandas e Mestres  em Educação Ambiental - PPGEA/FURG –. E-mail julianaschlee@gmail.com. Nota: esse artigo foi publicado pela Revista Gepesvida v.6,n.15 (2020) e as autoras autorizaram sua publicação na EAEA tendo em vista a importância e abrangência do mesmo.


Ilustrações: Silvana Santos