Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
30/05/2023 (Nº 83) UNIDOS PARA SEMPRE
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UNIDOS PARA SEMPRE

Cláudio Loes

Os dias se passavam sem grandes novidades na mesmice dos hebdomadários. Era como se as notícias fossem sempre as mesmas e só mudavam de posição e alteração com o uso de sinônimos. Ele estava sempre muito cansado e vivia isolado num cubículo no subúrbio da cidade. Lá, havia uma vantagem: poder acordar todos os dias com o sol na única janela que abria seus horizontes para as montanhas ao longe.

De segunda a sexta-feira mergulhava em seu trabalho monótono de guarda-volumes na rodoviária. Pessoas passavam… umas com pressa; outras, querendo reclamar do serviço e, ainda, aquelas que davam um "bom dia" só de passagem.

No sábado e no domingo ele pegava sua mochila e ia para as montanhas. Tinha tudo muito organizado para as refeições, e uma barraca enorme, quase do tamanho do cubículo onde morava. Havia reservado um lugar na base da montanha que todos conheciam e respeitavam. Era um andarilho solitário daquelas matas.

Quando caminhava ficava em contato com tudo e com todos e, em silêncio, ia ouvindo tudo o que podia. Ficou perito na identificação dos pássaros. Não que soubesse o nome de cada um, mas sabia obter informações de acordo com o que ouvia. Quando os pássaros desapareciam era sinal de chuva forte, eles procuravam abrigos mais distantes. Quando chilreavam com toda vivacidade seria um dia agradabilíssimo.

Tinha também um cuidado especial de não deixar rastros, não cortava nada e não deixava nenhum lixo ou resíduo. Quando encontrava algum pegava e depois o levava para o descarte correto.

No entanto, numa de suas incursões ele tropeçou, ao atravessar um riacho, e caiu de cara na água. Não se machucou muito, só o nariz sangrou um pouco. Levou um tempo para se recuperar e pensou ter ouvido alguém falar com ele. Perguntou quem era e obteve resposta: “sou aquela que sempre te acompanha em silêncio para que possas aproveitar tudo o que tenho para oferecer. Também peço desculpas, poderia ter avisado que irias tropeçar, mas também não faria diferença”.

Ele achou que estava sonhando, levantou-se, e seguiu em frente. Um pouco mais a frente ficou estático. Tinha uma mulher sentada numa pedra, com uma mochila nas costas. Ela era muito linda, trajava roupas leves que combinavam com a estação do verão. Um detalhe que ele não compreendeu, ela parecia não perceber que ele estava lá.

Ele chamou-a, deu um "oi", e nada. Na dúvida, achou melhor não se aproximar, afinal, já fazia duas décadas que ele andava por todos aqueles cantos e ali ninguém passava, justamente por ser íngreme e de extrema dificuldade, logo no início, lá embaixo.

Resolveu sentar-se e olhar. Tudo em volta parou, ela sorriu para ele e estendeu-lhe a mão.

Passados alguns meses uma equipe de resgate chegou ao lugar e encontrou o cadáver em estado adiantado de decomposição, e já havia servido de alimento para diversos animais, aves, vermes e formigas.

Na sua barraca colocaram seus pertences pessoais, fecharam-na e deixaram-na ali. Ao lado, uma grande placa com a inscrição:



Daqui sempre partiu na esperança
De encontrar o seu grande amor.

Quando encontrou, tudo parou,

E uniram-se para sempre nestas matas.



Cláudio Loes

Ilustrações: Silvana Santos