Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2023 (Nº 83) CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E SATISFAÇÃO DE EXTRATORAS DE ÓLEO DE ANDIROBA ASSOCIADAS À COOPERATIVA ECOLÓGICA DAS MULHERES EXTRATIVISTAS DA ILHA DE MARAJÓ, PARÁ.
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CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E SATISFAÇÃO DE EXTRATORAS DE ÓLEO DE ANDIROBA ASSOCIADAS À COOPERATIVA ECOLÓGICA DAS MULHERES EXTRATIVISTAS DA ILHA DE MARAJÓ, PARÁ.

Maria Ludetana Araújo

Doutora em Ciências da Educação. Professora da Universidade Federal do Pará. Líder do Grupo de Estudos em Educação Ambiental na Amazônia (GEAMAZ). E-mail: ludetana@ufpa.br

Aline da Paixão Furtado

Pedagoga, mestre em Educação, Universidade Federal do Pará Belém-PA, Brasil - adpfurtado@gmail.com



Nancy soa Santos Fernandes

Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em rede para o Ensino das Ciências Ambientais (Proficiamb). E-mail: nancyfernandes1@hotmail.com



Leila Cristina Ferreira Rocha

Turismóloga, Especialista em Educação Ambiental e Uso Sustentável dos Recursos Naturais, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil leilarocha8@yahoo.com



Gilmara de Oliveira Bezerra

Pedagoga. Membro do Grupo de Estudos em Educação Ambiental na Amazônia (GEAMAZ). E-mail: gilmarabezerra73@gmail.com



Resumo

Este estudo foi realizado com 26 mulheres extratoras de óleo de andiroba a fim de determinar seu perfil socioeconômico de diferentes localidades da Ilha de Marajó. Os resultados indicaram que elas têm baixa escolaridade e a pesca artesanal é praticada paralelamente ao trabalho extrativista.

Palavras-chave: Socioeconomia de extrativistas; produto florestal não madeireiro; satisfação de cooperadas.



SOCIOECONOMIC CHARACTERISTICS AND SATISFACTION OF THE EXTRACTORS ANDIROBA OIL OF ECOLOGICAL COOPERATIVE WOMEN EXTRACTIVE MARAJÓ ISLAND, PARÁ

Abstract

This study was conducted with extractors of the andiroba oil associated with the Ecological Cooperative Women Extractive Marajó-Pará Island to determine the socioeconomic profile of these workers and the satisfaction their on the attributes of this cooperative system. The sample consisted of 26 women from different localities of Marajo Island: Jagarajó, Ponta de Pedras and Marajó Ité. The collection of data was performed using structured forms later submitted to descriptive statistics and which variables were used to calculate the Evaluation Index of Cooperative (IAC). The results indicated that these women, mostly, have low education. The artisanal fishery is practiced in parallel with the traditional job of extracting oil for most of the female employees who, along with the Bolsa Família Program contributes to the completion of monthly income of 1 minimum salary and even these women showed interest in free professional courses. None cooperative woman receives social benefits of the cooperative. Apart from that the local infrastructure, the organization of the cooperative, the revenue obtained the sale of vegetable oil and the performance of the leading cause dissatisfaction in these cooperative, while the andiroba oil extracted was evaluated positively by printing this cooperative system assessing reasonable, according to IAC (Índice de Avaliação dos Cooperados), calculated. In all, these women have shown that it is possible to earn income from forest products, but need public policies that guarantee minimum working conditions.

Keywords: Socioeconomics of the extratives workers; forest product non-timber; satisfaction of workers of the cooperative.



INTRODUÇÃO

O extrativismo teve seus primórdios com a prática de subsistência dos índios que habitavam a Amazônia, atingindo escala econômica no período da colonização sob a ação de missionários e sertanistas que catequizavam os índios e coletavam as especiarias, denotadas de drogas do sertão, para a coroa portuguesa (ROMARCO et al., 2011). Ao longo da história, a diversidade de produtos extrativos tem contribuído com a formação econômica, social e política dos povos da região amazônica (HOMMA, 2012; ARAGÓN, 2018).

Conceituam-se extrativistas as populações que a partir do conhecimento tradicional fazem uso dos recursos naturais de forma artesanal (LIMA; POZZOBON, 2005). Neste contexto, destacam-se as comunidades tradicionais amazônicas que realizam a extração e beneficiamento de sementes oleaginosas, como é o caso da andiroba (Carapa guianensesAubl.). Produto natural que apresenta propriedades cicatrizantes, anti-inflamatórias, antissépticas e antipiréticas, possui alta importância médica e diante do crescente mercado consumidor é potencialmente comercializado, sustentando inúmeras famílias extrativistas e movimentando as economias regionais (BALZON et al., 2004; SANTOS; GUERRA, 2010; HOMMA, 2012).

As populações extrativistas vivem em condições de subdesenvolvimento, cujo esforço de trabalho é direcionado à subsistência do grupo familiar e satisfação de algumas necessidades básicas. Deste modo, o extrativismo, embora amplamente difundido na região amazônica, constitui-se em uma base de desenvolvimento frágil que se justifica mais pelo nível de pobreza das comunidades envolvidas e cuja prática tradicional tende a se extinguir à medida que a economia de mercado for sendo introduzida no processo produtivo (SOUZA, 2010).

A implementação de um sistema cooperativo surge para as famílias extrativistas como forma de administrar a estreita dependência humana em relação aos recursos naturais, como uma alternativa de ação conjunta, de divisão de tarefas e repartição de conhecimento (AZEVEDO et al., 2009; ROMARCO et al., 2011). A formação de uma cooperativa visa não apenas a valorização dos conhecimentos tradicionais de uma determinada população, mas também a agregação de valor a produtos e serviços, estimulando o uso dos recursos naturais de forma sustentável (SANTOS et al., 2014).

Neste contexto, foi implantada a Cooperativa Ecológica de Mulheres Extrativistas da Ilha de Marajó (CEMEM), que fica localizada no município de Ponta de Pedras, no Estado do Pará, formada por extratoras artesanais de óleo de andiroba, com objetivo de representação institucional da classe extrativista para prover determinados benefícios às cooperadas. Inclusive, este tipo de organização social visa valorizar a cultura artesanal da região para evitar ameaças à produção (VIEIRA; LOIOLA, 2014).

A CEMEM foi fundada no ano de 2002, por 200 andirobeiras – como são conhecidas localmente essas mulheres – nos dias atuais, o número de cooperadas reduziu drasticamente correspondendo a aproximadamente 50 indivíduos. O número atual de cooperadas é aproximado, porque a comunicação entre a liderança e elas é bastante limitada em razão das distâncias amazônicas, pois as cooperadas são oriundas de diferentes localidades de Ponta de Pedras/PA, além de que se reúnem sazonalmente, de acordo com a safra das sementes de andiroba. A CEMEM não possui prédio próprio e, desta forma, o processo produtivo é efetivado nas residências das próprias cooperadas.

Conhecer a satisfação das cooperadas é realizar um reconhecimento endógeno sobre os atributos inerentes a CEMEM a fim de identificar as fragilidades e potencialidades do sistema cooperativo, que podem influenciar no desempenho das atividades. Afinal, as organizações cooperativas se mantêm pela cooperação e articulação entre seus membros para excederem seus anseios e limitações individuais e coletivas (ROMARCO et al., 2011). O objetivo deste estudo foi determinar o perfil socioeconômico de mulheres extratoras de óleo de andiroba associadas à CEMEM e verificar a satisfação das trabalhadoras quanto aos atributos deste sistema cooperativo.

Importante ressaltar que o extrativismo é fundamental para o meio ambiente e fomenta um tipo de educação no sentido de formação humana que interfere na Amazônia enquanto território cobiçado internacionalmente, o que requer atenção para as práticas executadas nessa região em função de sua íntima relação com os processos de desenvolvimento econômico e sustentabilidade (VALE, 2022; SANTOS, 2022).



MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A Ilha de Marajó localiza-se no extremo norte do Estado do Pará (48º00’- 51º00 W e 0º00’ - 2º00 S), integra o arquipélago de Marajó, na foz do Rio Amazonas. Com área de aproximadamente 49.000 km², a ilha tem limites ao norte com o Oceano Atlântico, ao sul com o Estado do Pará, a leste com a Baía de Marajó e a oeste com o Rio Amazonas (MIRANDA, 2010). A área compreende 16 municípios que conjuntamente formam a mesorregião geográfica do Marajó (Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Ariri, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista, Soure), somando 104.606 km². A população desses municípios totaliza 487.161 habitantes, em geral com predomínio da população rural (BRASIL, 2010).



Amostra

A amostra consistiu de 26 mulheres extrativistas de óleo de andiroba associadas à CEMEM. As extrativistas entrevistadas corresponderam a 10 mulheres da zona urbana do município de Ponta de Pedras e 16 da zona rural, sendo 07 da comunidade do Jagarajó e 09 da comunidade de Marajó Ité. A amostra considerada foi formada por indivíduos acessíveis, considerando que as condições de localização geográfica das comunidades ribeirinhas amazônicas muitas vezes inviabilizam o acesso a toda população de interesse.



Coleta de dados

O procedimento ocorreu a partir da aplicação de 26 formulários com perguntas estruturadas às cooperadas da CEMEM, durante o mês de outubro de 2014. Para tanto, utilizou-se o método de amostragem não probabilística casual.

O formulário contemplava as variáveis comumente usadas em estudos dessa natureza (local de origem e de moradia, grau de instrução, atividades econômicas paralelas, renda mensal familiar, ajuda financeira do governo) e quais os benefícios advindos com a parceria. Da mesma forma, utilizou-se um grid com cursos profissionalizantes livres para verificar o interesse das cooperadas por atividades externas ao trabalho extrativo.

Buscou-se também verificar a satisfação das cooperadas entrevistadas quanto aos atributos do sistema cooperativo: infraestrutura e organização do local, qualidade do óleo de andiroba extraído, preço adquirido com a comercialização do produto, atuação da liderança e convivência entre as cooperadas. Para tal, utilizou-se os conceitos: ruim, regular, bom, ótimo e excelente.



Análise de dados

No presente estudo empregou-se estatística descritiva para obtenção de médias e frequências e como base para a elaboração de gráficos e tabelas, por meio dos programas computacionais Excel 2010 e R. Os dados de caráter qualitativo foram discutidos de forma textual.

A avaliação da forma de atuação da Cooperativa foi feita com base nos indicadores: Organização, Qualidade do óleo, Renda obtida com a extração, Liderança, Infraestrutura da cooperativa e Convivência. Estes indicadores foram registrados em uma escala Likert (MATTAR, 2001) para indicar o grau de concordância e/ou satisfação com estes indicadores por parte dos cooperados. Esta escala foi construída 1 = péssimo até 5 = excelente, sendo que a maior nota está relacionada à melhor avaliação.

Estes indicadores obtidos foram utilizados na construção do Índice de Avaliação dos Cooperados (IAC). O IAC foi construído com base em técnicas de Análise de Componentes Principais (ACP) (MINGOTI, 2005), tomando como base as componentes extraídas pelo método da raiz latente (autovalores maiores que um).

O IAC da cooperativa é dado por:

onde:

λi:

Variação explicada

CPi:

Componente obtida padronizada pelo método Range 0-1



O IAC foi classificado conforme descrito na Tabela 1.



Tabela 1: Classificação do IAC

Nível

Classificação

IAC≤ 0,8

Excelente

0,6 ≤ IAC< 0,8

Bom

0,4 ≤ IAC< 0,6

Razoável

0,2 ≤ IAC< 0,4

Ruim

IAC< 0,2

Péssimo

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil educacional da amostra se configura em 20 (76,9%) extrativistas não concluintes do ensino básico, haja vista que 14 (54,0%) dessas possuem o ensino fundamental incompleto e 6 (23,1%) não concluíram o ensino médio; enquanto as concluintes correspondem a 2 (7,7%) e 1 (3,8%) da amostra, respectivamente. Nesse viés, destaca-se que existem mulheres na atividade que apresentam o ensino superior incompleto 2 (7,7%) e completo 1 (3,8%).

As mulheres com maior grau de instrução 3 (11,5%) – as de ensino superior completo e incompleto – e detentoras dos saberes tradicionais para a extração de óleo de andiroba encontram também no ofício uma alternativa de complementar a renda mensal, visto que a maioria são servidoras públicas em exercício da docência. Já o baixo grau de instrução das populações extrativistas é um fator preponderante para um menor nível de remuneração dessas populações (ALVES; NISHIDA, 2003).

Ao analisar outras fontes geradoras de renda das cooperadas, verificou-se que a maior parte, 23 (88,5%), apresenta atividades paralelas para a complementação da renda mensal do grupo familiar, principalmente em períodos de entressafra da produção de sementes de andiroba; as demais, 3 (11,5%), mencionaram ter neste segmento do extrativismo vegetal a alternativa exclusiva de obtenção de finanças. Dessas atividades paralelas, as práticas pesqueiras ocorrem com maior frequência – 12 (46,2%), conforme indica a Tabela 2. Nota-se que nesses ambientes extrativistas, as mulheres estão muito envolvidas à pesca, embora esta atividade seja tradicional e predominantemente masculina (DI CIOMMO, 2007).

Tabela 2. Atividades das mulheres extrativistas da amostra.

Atividades

Número de entrevistadas

%

Extração do óleo e pesca

12

46,2

Extração do óleo e comércio

6

23,1

Extração do óleo e docência

3

11,5

Extração do óleo e agricultura

2

7,7

Somente extração do óleo

3

11,5

Total

26

100,0

Fonte: Pesquisa de campo.



Na maioria dos casos estudados, 23 (88,5%), a renda mensal da família corresponde a um valor inferior a 01 salário mínimo, enquanto que para os demais, 3 (11,5%), a renda varia entre 01 a 02 salários. Diante desses resultados, essas mulheres emancipadas assumem muitas vezes a função de provedoras do sustento das famílias (FLECK; WAGNER, 2003; PERUCCHI; BEIRÃO, 2007). Nas comunidades marajoaras, como é o caso de Ponta de Pedras, as atividades desenvolvidas são destinadas à subsistência do grupo familiar e ao fluxo econômico extrativista local, cuja produção de alimentos e produtos é advinda do rio e da floresta (SILVA et al., 2010).

Do mesmo modo, verificou-se que grande parte das extrativistas entrevistadas, 22 (84,6%), possui membros familiares envolvidos na produção de óleo de andiroba, principalmente de forma autônoma; nos demais casos, 4 (15,4%), isto não ocorre. Neste primeiro, supõe-se que o caráter tradicional do ofício, de base familiar, é o principal motivo de vínculo a esse processo de extrativismo vegetal, conforme mencionado por 15 (57,7%) extrativistas da amostra. Estes saberes empíricos que contemplam os ciclos naturais, manejo e conservação de recursos naturais, as manifestações culturais e as relações com o meio ambiente, são transmitidas de geração em geração, caracterizando a comunidade tradicional (PROST, 2007; ROMARCO et al., 2011). Os demais motivos mencionados correspondem à complementação de renda familiar para 7 (26,9%) entrevistadas e a extração do óleo de andiroba como única alternativa de trabalho na região para 4 (15,4%) componentes da amostra.

Tendo em vista que a comercialização do óleo de andiroba não garante estabilidade financeira do grupo familiar e mesmo diante de atividades paralelas já mencionadas pela maioria das cooperadas, outros ofícios poderiam ser desenvolvidos a fim de complementar renda, qualificar mão de obra familiar e impulsionar o acesso ao mercado de trabalho desses indivíduos, sem desconsiderar a atividade tradicional. Se fossem disponibilizados cursos profissionalizantes livres todas as mulheres extrativistas manifestaram interesse, em mais de um, de acordo com o grid proposto, tendo maior frequência o curso sobre a produção artesanal de sabão, 19 (24,4%); seguida de cultivo de horta orgânica, 15 (19,2%), e de produção de bijuterias, num total também de 15 (19,2%), conforme indica a Tabela 3. Neste caso, as extrativistas tinham a opção de escolher mais de um curso.

Tabela 3. Frequência de interesse das cooperadas por cursos profissionalizantes livres sugeridos no grid.

Cursos profissionalizantes livres

Número de interessadas pelos cursos

%

Reaproveitamento de materiais pós-consumo

5

6,4

Horta orgânica

15

19,2

Produção de sabão artesanal

19

24,4

Bijuterias

15

19,2

Corte e costura

9

11,6

Culinária

12

15,4

Curso de cabeleireiro

3

3,8

Total

78

100,0

Fonte: Pesquisa de campo

Tratando-se de apoio financeiro às famílias de baixa renda, os grupos familiares nessas condições socioeconômicas participam do Programa Bolsa Família do governo federal, recebendo renda mensal para suprir suas necessidades básicas. Na amostra, 16 (61,5%) entrevistadas informaram ser beneficiadas pelo referido programa; enquanto 9 (34,6%) não eram contempladas com o Programa Bolsa Família. Neste contexto, somente 1 (3,9%) entrevistada da amostra recebia assistência financeira por meio do Seguro Defeso, em período de paralisação da atividade pesqueira em função da reprodução de espécies marinhas.

Em relação à satisfação das cooperadas, verificou-se que as piores avaliações dizem respeito à infraestrutura da cooperativa, organização da cooperativa e atuação da liderança. Neste quesito, o conceito ruim foi atribuído por 17 (65,4%) extrativistas à infraestrutura local. A problemática supracitada atrela-se às questões institucionais que não correspondem às devidas condições de cooperativismo, principalmente em virtude da ausência de um espaço fixo para o desenvolvimento da atividade de extração de óleo vegetal – a CEMEM ainda não possui sede própria. As cooperadas informaram também que não há outro benefício por parte da cooperativa, além da divisão igualitária dos recursos auferidos pela cooperativa com a comercialização do óleo de andiroba. A Figura 1 apresenta o nível de satisfação das cooperadas.

Figura 1 – Satisfação das cooperadas entrevistadas em relação aos atributos da Cooperativa Ecológica das Mulheres Extrativistas da Ilha de Marajó.

Fonte: Pesquisa de campo.

De acordo com a Figura 1, a maior satisfação para 24 (92,3%) cooperadas corresponde ao atributo qualidade do óleo extraído das sementes de andiroba. O óleo de andiroba comercializado pela CEMEM, sob a ótica de grande parte das cooperadas, é o atributo com maior potencialidade. Neste aspecto, considerando o interesse dos consumidores pelo óleo de andiroba, apreciado principalmente na medicina natural e indústria de cosméticos, melhores condições socioeconômicas podem ser alcançadas, haja vista que o diferencial deste processo é a técnica artesanal de extração e beneficiamento de sementes, de caráter ecologicamente correto e que garante a manutenção de trabalho e renda às extrativistas (BALZON et al., 2004; FERRAZ et al., 2002; MENDONÇA; FERRAZ, 2006; MENDONÇA; FERRAZ, 2007).

A Análise de Componentes Principais (ACP) extraiu três elementos fundamentais, os quais conseguiram explicar 68,8% da variação total, que segundo Hair et al. (2009) é considerado razoável nas Ciências Sociais, a nível de primeiros estudos.

A primeira componente reteve 28,8% da variação total e é caracterizada pelos indicadores Organização, Liderança e Convivência sendo denotada por Gestão, e estão contribuindo positivamente com esta componente, pois há uma boa avaliação desses indicadores pelas cooperadas. A segunda componente foi caracterizada pelos indicadores Infraestrutura da Cooperativa e Qualidade do Óleo retendo 21,4% da variação total, denominada de Serviços e Produtos. Neste caso, estes indicadores estão atuando em sentido contrário na composição da componente, sendo que a Qualidade do óleo está contribuindo de forma positiva enquanto a Infraestrutura de forma negativa (Figura 2), revelando assim que a infraestrutura da cooperativa é uma fragilidade a ser superada enquanto que a qualidade do óleo vegetal apresenta excelente avaliação pelas cooperadas. Por fim, o indicador Renda, apresentando 18,6% da variação total, designado de componente Renda, revelou que o rendimento obtido com a extração do produto não está satisfatório para as cooperadas, implicando em mais uma fragilidade do sistema cooperativo, haja vista que este é um indicador que influencia fortemente a permanência do cooperado na atividade extrativista.

Figura 2 – Correlação entre os indicadores e as duas primeiras componentes




Caracterizada e rotulada as componentes, obteve-se o valor do IAC, o qual indicou que a cooperativa é avaliada como razoável (IAC = 0,4108), os pesos determinados revelam que Serviços e Produtos estão contribuindo mais fortemente para o IAC, isto é, devido ao indicador qualidade do óleo vegetal que está com uma boa avaliação por parte dos cooperados, enquanto Renda e Gestão estão ponderando praticamente de forma equânime (Figura 3).

Figura 3 – Biograma das dimensões Gestão, Renda e Produção pertinentes a CEMEM.

Fonte: Pesquisa de campo.



CONCLUSÕES

As mulheres extrativistas estudadas são oriundas de diferentes localidades da Ilha de Marajó, reunindo-se em períodos de safras de sementes de andiroba para efetivar o processo extrativo do óleo vegetal, tido como tradição familiar. Predominantemente, estas trabalhadoras apresentam baixo grau de instrução, embora algumas almejem melhores condições de ensino. O baixo poder aquisitivo decorre principalmente da pesca artesanal e pela renda do Programa Bolsa Família. A pesquisa demonstrou que as extrativistas têm interesse em cursos profissionalizantes para fins de complementação de orçamento familiar.

O sistema cooperativo como um todo é avaliado conjuntamente como razoável, segundo o IAC, devido a excelente avaliação do indicador Qualidade do Óleo extraído pelas cooperadas, como potencial produto de comercialização, considerando também a demanda do mercado e sua disposição, principalmente nas feiras livres. Em contrapartida, os atributos: infraestrutura local, organização da cooperativa, atuação da liderança e renda obtida pela comercialização do produto são as causas de insatisfação da maioria dessas trabalhadoras, implicando em fragilidades da CEMEM.

Além da repartição dos ganhos auferidos pela CEMEM, as extrativistas estão em busca de outros benefícios sociais e econômicos que poderiam advir das esferas do governo municipal, estadual e federal, na forma de políticas públicas. As mulheres andirobeiras de Ponta de Pedras/PA têm mostrado que é possível auferir renda com produtos da floresta, mas precisam de condições mínimas para continuar lutando por uma Amazônia sustentável. Registra-se a necessidade de capacitação permanente para que o trabalho flua de forma mais segura e qualificada, atendendo as exigências do mercado quando disponibiliza seus produtos. O armazenamento, a validade e a credibilidade na apresentação e durabilidade de conservação do produto, pois não falta mercado. Além de diminuir os atravessadores que se utilizam de suas facilidades e adquirem o produto das andiroeiras pelo um baixo preço.



REFERÊNCIAS

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Ilustrações: Silvana Santos