Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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O Eco das Vozes
14/03/2024 (Nº 86) BRINCADEIRAS DE CRIANÇA
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BRINCADEIRAS DE CRIANÇA

Adriana Backes



Acreditando na relevância do brincar, do brincar na natureza e consequentemente em ações e movimentos que oportunizem, ao mesmo tempo que conscientizem, sobre a sua importância, como o Movimento da Semana Mundial do Brincar, que ocorre desde 2009, convidei para discorrer sobre esta pauta, a Ma. em Educação e psicomotricista Rosane Romanini. A autora nos presenteou com um texto maravilhoso e significativo sobre o tema, que segue nas próximas linhas. Boa leitura a todas e a todos!



Vem pra Roda! Vem Brincar!

Rosane Romanini

Ma. em Educação e Psicomotricista

romaninirosane@gmail.com

A esperança de mundos melhores sempre nos habita, é parte de ser um educador, ativista ou militante na defesa dos Direitos das Crianças. Nos constituímos profissionais da educação, sabendo que, mesmo nas dificuldades enfrentadas pelo ofício do trabalho do professor, ter convicções de que sim, é possível desviar de rotas não desejadas e, talvez de dizer não, a direções totalmente desumanizantes, não compactuando com uma sociedade por demais veloz e hiper conectada, onde os recém-chegados ao mundo, as crianças, são impactadas em seu desenvolvimento. 

De partida lhes trago um convite, pois é nesse lugar de abertura que me coloco a estar com vocês, com coletivos, grupos que atuam na defesa do Direito de brincar, no Direito a natureza e no Direito de conviver em liberdade, de todas as crianças. 

 Desde 2009, todos os anos comemoramos a Semana Mundial do Brincar. Movimento este, iniciado pelo Aliança pela Infância, que tem como objetivo valorizar o brincar em suas múltiplas dimensões, mobilizando cidades a se engajarem nesta proposta, fortalecendo ações que promovam um grande movimento brincante durante uma semana e, que delas se fortaleçam políticas públicas para a garantia de espaços arborizados, tempos e equipamentos facilitadores do brincar na vida das crianças e de todos. 

 Este ano, somos convidados a compor uma grande roda, no chamado “Vem pra Roda”,  com destaque para a temática da  Semana Mundial do Brincar: “No Ritmo do Brincar”,  

A inspiração por trás dessa proposta nasceu da urgência em ativar a infância nos adultos, despertando uma consciência coletiva sobre a importância de criar um mundo em que as crianças possam viver o brincar livre de forma plena. “Vem pra Roda” ecoa como uma evocação, um chamado à comunidade, e às memórias da infância de cada adulto para contribuir ativamente na construção de ambientes adequados, diversificados e inclusivos para as crianças brincarem livremente. (http://aliancapelainfancia.org.br/vem-pra-roda-conheca-o-tema-que-vai-nos-reger-em-2024/)

É urgente e necessário assumirmos como adultos, que amamos as crianças, um verdadeiro engajamento na promoção de ambientes que proporcionem experiências às crianças, num convívio integrado com a natureza. A natureza como a grande “casa” para esse encontro brincante das crianças. Brincar com a natureza e brincar na natureza. Uma integração onde a liberdade e o tempo, sejam bússolas que apontam uma direção de infâncias onde a corporeidade seja plenamente contemplada e vivenciada. 

Ouvir, cheirar, perceber, sentir, movimentar o corpo, testá-lo em suas capacidades ancestrais, traz para a experiência infantil um arcabouço necessário para todo o processo de desenvolvimento saudável na primeira infância, proporcionando   ao cérebro, a construção de uma arquitetura favorável à aquisição do conhecimento. Um cérebro que é primitivo no começo da vida e que precisa das experiências motoras e sensoriais para se desenvolver, que, segundo o pediatra Ricardo Ghelman, grande defensor do brincar das crianças na natureza, é a primeira inteligência das crianças. Segundo o pesquisador Michel Desmurget, especialista em neurociência, que denuncia os efeitos nocivos das telas, diz que “o cérebro para se construir precisa de moderação sensorial, presença humana, de atividade física, de sono e de uma nutrição cognitiva favorável”. (Desmurget, 2021, p.275)  

A vida infantil exige de as crianças assumir uma posição criativa e ativa frente às experiências de viver, a partir do que familiares, cuidadores, escolas e comunidade lhes proporcionam como modos de ser e agir. Ao assumirmos esse compromisso como ativistas, militantes, profissionais da educação, familiares etc. podemos vislumbrar e assegurar, em tempos em que as crianças são aliciadas pelas tecnologias e correm o risco de facilmente renunciarem às interações presenciais e da natureza, que é preciso uma mudança de rota. 

O brincar livre em suas múltiplas dimensões, entra como um verdadeiro antídoto frente ao empobrecimento de repertórios de experiências naturais e sociais das crianças, causados pelo excesso de telas, já apontado pela da Sociedade Brasileira de Pediatria (2020), como graves fatores de risco para o desenvolvimento infantil, onde já temos na classificação nacional de doenças o “CID-11”, que correspondente a dependência digital. Doenças como miopia grave, sedentarismo, obesidade, agressividade, agitação, isolamento, dificuldade de aprendizagem, consumismo infantil, adultização etc. são apontadas como consequências da diminuição de um brincar ativo, onde as crianças passam muito tempo numa relação de imobilidade corporal e sem necessidade de modulação emocional, como por exemplo argumentar, ceder para que o brincar aconteça, impor-se através de gestos ou falas, pois a um clique podem mudar a cena, o ambiente etc. 

 Brincar é ativar o corpo que leva a vivências. As vivências no brincar permitem renovar os saberes a todo o instante. Brincar de esconde-esconde nunca é igual ao brincar de esconde-esconde do dia anterior. Brincar com areia, barro ou água, nunca é igual quando se repete a brincadeira.  Novas sensações, percepções e aprendizagens são adquiridas. Santin, (2001), diz que viver o corpo conduz a vivências, a sentir-se, a viver-se.  A vivência é uma atividade existencial. Brincar é existir. 

A 10ª edição da pesquisa TIC Kids Online Brasil entrevistou 2.704 crianças e adolescentes com idades entre 9 e 17 anos, em 2023 (março a julho), coordenado pelo Unicef e com a rede Kids Online América Latina, apresentando resultados que revelam que as crianças brasileiras estão se conectando à internet cada vez mais cedo e, que cresceu de 11% (2015), para 24% (2023) dos entrevistados, começaram a se conectar antes dos 6 anos de idade. A pesquisa também contou com entrevista de familiares e responsáveis.  Dados que apontam para uma infância que se constitui a partir de uma relação intensa desde cedo com telas e mídias sociais e, que delas resultam modos de ser criança. A defesa do brincar com interações sociais, corporais e em ambientes naturais em espaços públicos de qualidade, estão na direção de nossas reflexões. 

Diante de tamanha urgência e das pressões ambientais insalubres, no qual vivem as crianças, volto ao convite, a realizarem uma mobilização em seus espaços de trabalho e em suas comunidades, na   Semana Mundial do Brincar, juntando-se a esta grande festa do brincar que ocorre em  nosso país no  dia 25 de maio a 02 de junho, onde  estaremos numa grande  constelação de rodas, a brincar. 

A OMEP (organização mundial para a educação pré-escolar), de Novo Hamburgo/RS, realiza um trabalho de apoio e incentivo às comemorações da Semana do Brincar, desde 2016.  Atuou junto a vários municípios na construção das leis que instituíram as Semanas Municipais do Brincar, como Novo Hamburgo, São Leopoldo, Campo Bom, Estância Velha, Morro Reuter, Ijuí, Capão da Canoa, Portão, Parobé, Esteio e Veranópolis. Essas cidades realizam um amplo movimento de valorização do brincar durante o mês de maio, tornando as cidades mais amigáveis, brincantes, alegres e saudáveis para as crianças.  Adentram parques e praças, fecham ruas, mobilizam as escolas, clubes, grupos de idosos, realizando um trabalho colaborativo e intersetorial, onde as diversas secretarias que compõem a gestão, promovem ações integradas. Algumas cidades fazem um chamamento através diferentes órgãos de comunicação para a formação de uma comissão com diferentes atores públicos, comunitários e privados, onde juntos realizam importantes ações abordando as múltiplas dimensões do brincar, como saúde, integração, aprendizagem, arte, meio ambiente, mobilidade, segurança, cultura, turismo, patrimônio etc. Planejar com as crianças a semana do brincar e ceder a visão adultocêntrica, trará muitas aprendizagens a todos. Participar das temáticas que lhe dizem respeito, é um dos direitos das crianças, citados em várias legislações como o ECA/1990 e o Marco legal da Primeira Infância/2016. 

Neste contexto, dedicar uma semana em ações de valorização do brincar, integrando brincadeiras que compõem o patrimônio lúdico regional e universal, traz às crianças de hoje, o direito de conhecê-las, cultivando e enriquecendo a cultura lúdica.  

O movimento Aliança pela Infância nos oferece uma pista, ao propor “Vem pra Roda – No Ritmo do Brincar”, dizendo: “É na roda que se aprende a dar as mãos, nela a vida se organiza organicamente, e a humanidade exercita sua capacidade de compartilhar e, assim, preparar o futuro sustentável para as próximas gerações. É mais do que um tema, é um convite para que todas as pessoas participem ativamente na construção de um mundo mais acolhedor e amoroso para as crianças, reconhecendo o brincar como um direito fundamental e essencial para uma infância plena e digna em um mundo lúdico, equitativo e afetuoso.”

Finalizo com alegria e esperança, pois o caminho se faz caminhando e, é neste percurso que vamos construindo comunidades brincantes, que por um fluxo de ações lúdicas, fazem das crianças e adultos, desejantes de encontros para brincar. E a natureza nos aguarda para o abraço!



Ilustrações: Silvana Santos