Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Dinâmicas e Recursos Pedagógicos
14/03/2024 (Nº 86) CAÇA: IDEIAS DE COMO ABORDAR O TEMA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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CAÇA: IDEIAS DE COMO ABORDAR O TEMA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Atividades educativas podem sensibilizar as pessoas sobre os problemas ligados à caça por prazer.

Suzana Padua

08 DE FEVEREIRO DE 2024

Sou filha de caçador (Alberto Lobo Machado, conhecido como Tola) e por isso convivi de perto com o desafio de tentar sensibilizar alguém aficionado por essa atividade, que para mim sempre soou surreal. Tentei levar meu pai a refletir sobre o que sempre me pareceu inadmissível: matar um animal em pleno vigor sem qualquer razão plausível.

Na época, há uns 50 ou 60 anos, meu pai era um herói e reconhecido como tal no Brasil e no exterior. Caçou em muitas partes do mundo e em diversas regiões do Brasil, sempre em busca de animais raros e grandes o suficiente para se tornarem “troféus”, empalhados e expostos em uma sala que recebia visitantes de toda parte.

Os tempos mudaram e a realidade do planeta não comporta mais algo tão agressivo. Mas a caça por entretenimento, chamada de esportiva, perdura, o que é surpreendente na conjuntura atual. A natureza pede socorro e ainda assim existem caçadores que se recusam a reconhecer a insustentabilidade dessa prática, mesmo havendo dados que mostram que muitas espécies estão em vias de extinção.

Em menos de 40-50 anos, quem caça por “esporte” passou de herói a vilão. Meu pai já não está entre nós para ser tratado como tal e só conheceu a glória de sua “coragem indomável”. Mas, mesmo em final de sua vida, seu espaço como ídolo foi nitidamente se reduzindo.

Pode parecer paradoxal, mas era preocupado e ligado à natureza, como são muitos caçadores. Por conta dessa sua ligação com o mundo natural, acabou por fazer um grande favor aos filhos, quando nos levou a lugares onde as belezas naturais são exuberantes, como Pantanal e Mata Atlântica. Esse legado foi fundamental para despertar o amor que sinto pela natureza e devo a ele, meu pai caçador, essa paixão que sinto pelas riquezas naturais, pela biodiversidade encontrada em nosso país e a vontade de protegê-las.

Hoje, não creio que meu pai faria o sucesso que fez em sua época. Mas mesmo com a caça sendo proibida e com todas as evidências de ser uma prática insustentável, ainda recebemos notícias de animais em extinção sendo abatidos, como o caso recente de uma onça-pintada abatida em Mato Grosso do Sul. E esse é apenas um exemplo de muitos relatos em diferentes regiões que aparecem em mídias no Brasil e no mundo.

O foco desse artigo é a caça, tema tão controverso, mas de grande importância para a proteção de espécies e de sistemas ecológicos. Importante compreender que cada indivíduo abatido ajudaria a manter o equilíbrio da natureza e é preciso chamar a atenção para as consequências de atos que agridem o meio natural, apenas pelo capricho de uma minoria inconsequente.

Sugestões de atividades adaptadas ao tema “caça”

O que pode ser sugerido como atividades desenvolvidas na educação ambiental para sensibilizar as pessoas sobre a caça “esportiva”? A seguir, algumas ideias do que é possível oferecer, sendo que não foi pensado para qual faixa etária seriam mais apropriadas. Jogos em geral são apreciados por todas as idades, mas cada atividade pode adotar linguagens mais ou menos sofisticadas, de acordo com o público participante.

Importante ressaltar que para se averiguar o efeito e a eficácia de cada iniciativa proposta, seria necessário mensurar seu impacto em curto, médio e longo prazos, a fim de ajustar, melhorar ou abandonar o que se elabora.  Avaliar se torna cada vez mais importante e deve ser etapa incluída em projetos de educação ambiental, uma vez que ajuda a economizar tempo, energia e recursos para se chegar com maior qualidade onde se quer. Além disso, informações obtidas em um processo de coleta de dados consistente ajudam a elevar a credibilidade do campo da educação ambiental como um todo.

Encenação sobre caça

Proponha uma encenação com participantes, na qual um será o caçador e os restantes animais que cada um escolhe qual quer ser. Os animais poderão ser ilustrados em papéis e colocados no peito e nas costas de quem os escolheu. Por exemplo, quem quis ser onça pode pintar uma onça no papel para que o caçador reconheça o animal que está caçando. O animador pode rapidamente buscar na internet algo sobre a onça e ler em voz alta para todos antes da atividade começar. Assim, o conhecimento, mesmo que superficial, é repassado a todos.

Os participantes (animais) devem se esconder, o animador conta até 20 para que o caçador busque suas presas, segurando uma arma preparada previamente com tubo de papelão. Quando atirar em voz alta, o animal cai e aguarda até que os demais sejam abatidos.

Daí, pode haver uma troca de ideias sobre o que se passou. Como se sentiram os caçados e também o caçador? O que acharam de toda a atividade e, na vida real, o que pode ser feito com base no que vivenciaram. Se fosse para levar adiante as ideias propostas, o que seria necessário e como chegar lá.

Outra forma de abranger o assunto caça é por meio de uma atividade que chamamos de “simulação”, em que papeis são atribuídos a cada grupo após se ler uma história que, nesse caso, deve envolver a caça. Mais detalhes podem ser lidos no artigo publicado aqui no Fauna News. Outras atividades também publicadas neste portal (junho de 2020 e agosto de 2023) incluem atividades que podem ser adaptadas ao tema caça.

Desenhos ou poesias

Conte uma história sobre um animal caçado, que pode ser até retirada de um jornal ou revista, e peça que todos opinem sobre o que aconteceu; o que soa certo ou o que parece errado. Depois peça que escrevam ou desenhem o que ficou dessa história.

Todos podem colar seus desenhos ou poesias nas paredes do recinto onde estiverem e, de um em um, terão a chance de expor o que produziram. Provoque uma troca de ideias à medida que os participantes apresentem seus produtos finais. Todos devem expor suas ideias, para que a troca aconteça sem deixar ninguém de fora.

Anote as palavras que mais aparecem e os sentimentos citados com maior frequência durante a exposição e discuta com os participantes o que observou. Pergunte se essas palavras expressam as emoções que sentiram e quais outras podem ser adicionadas.

Cadeia alimentar com jogo de varetas

Explique o que é uma cadeia alimentar na natureza e como cada espécie tem um valor próprio, mesmo que se desconheça. Quando se tira algum indivíduo da teia de vida existente naturalmente, algo acontece, ou ao seu predador (que ficará com fome) ou a quem serve de alimento ao animal caçado, que pode se tornar numeroso demais, causando um desequilíbrio ecológico.

Pegue um jogo de varetas e assinale que cada cor corresponde a um animal específico, sendo o preto o topo da cadeia, como uma onça, um gavião, uma cobra ou um tubarão. Assim, as varetas de cor vermelha podem representar quem é alimento para essa espécie, as de cor verde os que são buscados por quem é de cor vermelha e assim por diante. Um exemplo concreto pode ser a onça (preto), que caça veados (vermelhos), que comem folhas e frutos nas demais cores. Ou a cobra que se alimenta de sapos, que por sua vez devora insetos. Crie a cadeia alimentar de acordo com as escolhas dos participantes e defina que cor representa qual espécie.

Quando o jogo começa, ficará fácil perceber a interconexão entre as espécies e como cada uma depende das demais. Essa é a mensagem principal, mas se qualquer animal for caçado, ao sair do jogo, fica claro o desequilíbrio causado pela sua ausência, sobrando cores (animais) de uma espécie que acabará sem alimento.

O mesmo princípio pode ser testado com blocos em equilíbrio. Se os animais (blocos) de baixo forem retirados (caçados), a construção desmorona. Assim, a ideia da interdependência que existe na natureza é compartilhada, pois quando se mexe em uma espécie ou mesmo indivíduo, todos no sistema são afetados.

Reflexão sobre a caça

Seja qual for o jogo escolhido é importante compartilhar que a caça dita “esportiva” é diferente da caça de subsistência, praticada por populações tradicionais. As etnias indígenas, por exemplo, desenvolveram cosmovisões diferentes, mas todas de alguma maneira respeitam as espécies caçadas. Os animais são muitas vezes interligados à vida humana e, por isso, sempre admirados, mesmo que caçados. Muitos pedem licença antes da caça, que em geral é em pequena escala. Vários antropólogos estudaram diferentes etnias e muitas práticas de caça são descritas em trabalhos publicados.

Sendo assim, muitas culturas protegem os animais contra a caça em demasia de uma só espécie e todas parecem ter ritos de respeito aos animais abatidos. Só essa atitude já é diametralmente oposta à caça “esportiva”, que desrespeita a vida daquele animal, morto apenas para saciar o desejo do caçador.

Que pena que meu pai não fez parte dessas culturas!  Mas, a época era outra e não posso julgá-lo fora de seu contexto, apesar de questioná-lo nesse quesito desde pequena e nunca ter aprovado a ideia de que matar animais por prazer era uma prática aceitável.

Fonte: Caça: ideias de como abordar o tema na educação ambiental (faunanews.com.br)

Ilustrações: Silvana Santos