É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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Educação e temas emergentes
12/12/2024 (Nº 89) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS ESCOLAS BRASILEIRAS: DOS DESAFIOS AO FUTURO DA EDUCAÇÃO
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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NAS ESCOLAS BRASILEIRAS: DOS DESAFIOS AO FUTURO DA EDUCAÇÃO

Por Marcelo Vieira

A integração da Inteligência Artificial (IA) no ambiente escolar é uma tendência promissora para transformar o setor educacional brasileiro, pois oferece novas formas de aprendizagem e de personalização. Contudo, a adoção da tecnologia ainda enfrenta barreiras significativas no país, tanto no que diz respeito à infraestrutura e à formação de professores quanto às questões éticas e culturais envolvidas nesse processo.

De acordo com a pesquisa "Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil", apenas 4,8% dos professores concordam parcial ou totalmente com o uso da IA na aprendizagem, e 39,2% afirmam já utilizar a tecnologia como ferramenta pedagógica regularmente. Esses dados revelam uma lacuna considerável entre a aceitação da tecnologia e sua aplicação nos ambientes de aprendizagem.

Desafios para a comunidade escolar e as famílias

A falta de infraestrutura adequada em parte das instituições é um dos entraves para a adoção da IA. Muitas escolas não possuem equipamentos suficientes, internet de alta qualidade ou softwares que suportem o uso de ferramentas avançadas. Esse problema é especialmente visível em regiões mais carentes do país, onde a desigualdade tecnológica dificulta a integração da IA como uma ferramenta de aprendizagem. Além disso, a ausência de planejamento estratégico agrava essa situação, uma vez que a tecnologia, incluindo a IA, não está inserida em projetos pedagógicos de maneira coerente e integrada.

Outro desafio nesse cenário é a adequação dos professores. Há uma crença equivocada de que os estudantes, por serem nativos digitais, já possuem uma fluência natural em tecnologia, o que muitas vezes impede um avanço mais significativo no uso da IA como ferramenta pedagógica. No entanto, não só os estudantes como também os professores precisam de formação específica para compreender e aplicar a IA de forma positiva. Isso inclui o domínio das ferramentas e a abordagem de temas como ética no uso da IA, design thinking e criatividade no ambiente de aprendizagem.

Os educadores também precisam se familiarizar com a aprendizagem de computação presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que oferece diretrizes para a integração da tecnologia no currículo escolar. Contudo, essa familiarização por si só não basta; é necessário que os docentes recebam formação prática e contínua, que os capacite a utilizar as ferramentas de IA de maneira crítica e eficaz e a integrá-las de forma criativa, mantendo seu papel como mediador e orientador do processo de aprendizagem.

As escolas, por sua vez, devem desenvolver um projeto pedagógico que contemple a tecnologia em todos os seus segmentos, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, incluindo a IA como parte dessa proposta. Além disso, esse projeto ainda deve ser construído em conjunto com toda a comunidade escolar, envolvendo professores, estudantes e pais.

Do lado das famílias, os desafios são igualmente relevantes. Muitos pais temem que o uso da IA comprometa a privacidade e a segurança dos dados de seus filhos, além de questionarem o impacto da tecnologia no desenvolvimento emocional e social dos estudantes. Outras preocupações incluem a padronização da aprendizagem, que é marcada pela perda da individualidade no processo educativo, a possibilidade de substituição dos professores por máquinas e a diminuição da interação humana no processo. Para lidar com essas questões, é importante a adoção de uma comunicação aberta e transparente, além de garantir que a IA seja usada de forma complementar e não para substituir o papel dos educadores.

A resistência à mudança também é um desafio a ser enfrentado por parte dos gestores escolares. Muitas vezes, a introdução de ferramentas de Inteligência Artificial pode ser vista como uma ameaça à prática docente tradicional, gerando receios quanto à sua eficácia e ao seu impacto. Para mitigar essa oposição, é fundamental que as instituições adotem estratégias que promovam a adesão e o engajamento, como abordar as preocupações e mitos em torno da IA e apresentar casos concretos de sucesso do uso da tecnologia na educação, a fim de construir uma relação de confiança e colaboração.

Implicações éticas

Entre as principais implicações éticas da Inteligência Artificial na educação a serem consideradas pela comunidade escolar está a garantia da privacidade de dados e da segurança cibernética, além da equidade e inclusão. Isso, porque os algoritmos de IA podem perpetuar vieses existentes na sociedade, levando a desigualdades no acesso à educação e às oportunidades.

Ainda é de extrema importância que as escolas utilizem a IA de forma responsável, respeitando a autonomia e a criatividade dos estudantes. Embora possa ser uma ferramenta poderosa, a Inteligência Artificial não deve ditar o processo de aprendizagem, limitando a capacidade dos estudantes de explorar e pensar criticamente.

Da mesma forma, a tecnologia não deve substituir o professor, mas sim complementar seu trabalho, facilitando a personalização da aprendizagem e liberando-o para atender às necessidades individuais dos estudantes. Os educadores devem ser mediadores do conhecimento, promovendo a interação humana e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

O futuro da IA na educação

Olhando para o futuro, as tendências apontam para uma personalização avançada no processo de aprendizagem. A IA poderá oferecer roteiros de estudo adaptativos, ajustados ao comportamento e às necessidades cognitivas de cada estudante, por exemplo. Assistentes virtuais e plataformas de tutoria inteligente também desempenharão um papel relevante.

Outras inovações incluem a integração de realidade virtual e aumentada, criando experiências de aprendizagem mais imersivas e interativas que tornam os conteúdos mais engajadores e fáceis de compreender, e a IA que tornará os algoritmos mais transparentes e fáceis de auditar. A análise de dados realizada por Inteligência Artificial ainda apoiará a identificação de padrões de aprendizagem, permitindo que os professores façam ajustes pedagógicos mais precisos e eficazes.

Para ilustrar todo poder e aplicabilidade da IA, algumas ferramentas que já estão sendo utilizadas nas instituições incluem plataformas de aprendizagem adaptativa (Khan Academy, Duolingo), sistemas de tutoria inteligente (Khanmigo) e ferramentas de criação de conteúdo personalizado (Google Classroom).

No panorama atual, a realidade brasileira exige considerar os desafios específicos da educação em relação à implementação da IA, como a desigualdade digital e a falta de recursos. No entanto, também é preciso destacar as iniciativas e projetos que estão sendo desenvolvidos no país para promover a integração da IA na educação, como programas de formação, desenvolvimento de ferramentas específicas e a criação de políticas públicas para impulsionar a inclusão digital.

A adoção da IA nas escolas do país ainda é um caminho repleto de barreiras, mas também de grandes oportunidades. Para que a IA cumpra seu verdadeiro potencial na educação, é necessário um esforço conjunto entre escolas, professores, pais e governo, com investimentos em infraestrutura, formação continuada e projetos pedagógicos integrados. Só assim será possível garantir que a IA seja uma ferramenta inclusiva, ética e transformadora, capaz de preparar as novas gerações para os desafios do futuro, sem perder de vista a importância da interação humana e do desenvolvimento socioemocional.

Marcelo Vieira é Professor de Tecnologia Educacional do Colégio Santa Marcelina de São Paulo da Rede de Colégios Santa Marcelina, instituição que alia tradição à uma proposta educacional sociointeracionista e alinhada às principais tendências do mercado de educação.



Ilustrações: Silvana Santos