Rico é aquele que sabe ter o suficiente. Lao Tze
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 90 · Março-Maio/2025
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Artigos(3) Podcast(1) Dicas e Curiosidades(1) Reflexão(2) Iniciativas Empresariais Sustentáveis(7) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(5) Entrevistas(2) Culinária(2) Divulgação de Eventos(16) O que fazer para melhorar o meio ambiente(1) Sugestões bibliográficas(2) Educação(1) Breves Comunicações(1) Reportagem(3) Soluções e Inovações(2) Educação e temas emergentes(3) Ações e projetos inspiradores(17) Cidadania Ambiental(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(20) Relatos de Experiências(7)   |  Números  
Reportagem
14/03/2025 (Nº 90) OS DESAFIOS E AS CONQUISTAS QUE MARCARAM A EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM 2024
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=5172 
  

OForma1 Forma2 S DESAFIOS E AS CONQUISTAS QUE MARCARAM A EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM 2024

Entre adversidades e avanços, iniciativas inovadoras e o esforço coletivo professores, alunos e comunidades mostram que é possível construir um futuro mais inclusivo e promissor para a educação no Brasil

Em Revista Appai Educar / EdiçõesRevista Appai EducarNotíciasPublicado porAppai



Sabemos que a educação brasileira enfrentou inúmeros desafios em 2024. A falta de recursos, as desigualdades no acesso à tecnologia e as dificuldades em garantir a aprendizagem de todos os estudantes foram apenas alguns dos obstáculos pelos quais passamos. No entanto, este também foi um ano marcado por avanços significativos, com a inclusão e aperfeiçoamento de novas tecnologias, metodologias inovadoras e projetos inspiradores que, juntos ao material humano – professores, alunos e a comunidade escolar –, demonstraram que, mesmo diante das adversidades, é possível transformar a educação e construir um futuro mais inclusivo e promissor.

Nesta matéria especial vamos celebrar as conquistas alcançadas, destacar iniciativas que estão fazendo a diferença e refletir sobre os principais desafios mitigados, apontando caminhos e soluções para um sistema educacional mais equitativo e eficaz. Para nos mantermos atualizados, a Revista Appai Educar convidou Eugênio Cunha, Doutor e mestre em educação e especialista em educação especial inclusiva; Luciana Maia, mentora de professores, jornalista e escritora; Josele Teixeira da Silva, pedagoga, Especialista em Psicopedagogia e em Administração e Supervisão Escolar; Alessandra Machado, Mestranda em Neurociências, Psicóloga, Neuropsicóloga e Especialista em Neurociência aplicada à Educação e Maria Cláudia Amaro, fundadora da Rhyzos Educação, empresa que fomenta iniciativas pela educação básica no Brasil.

 Programas de alfabetização

Falar de Educação Infantil e alfabetização é tratar do alicerce da formação. E o que o ano de 2024 trouxe de avanços relacionados à ampliação do acesso e à melhoria da qualidade da educação infantil e dos programas de alfabetização? Segundo Eugênio Cunha, 2024 tem sido um ano de avanços no acesso e melhoria da qualidade da educação infantil e dos programas de alfabetização, de acordo com a região e as políticas públicas. “Isso inclui a construção de novas creches e pré-escolas. Porém, as ações não serão suficientes se as famílias mais vulneráveis socialmente não tiverem programas na área da saúde e da assistência social articulados com a educação”, atesta o Doutor em Educação.

Ainda segundo ele, outro ponto essencial é a atualização dos currículos e a adoção de abordagens pedagógicas diversificadas, como a educação socioemocional e o aprendizado baseado em projetos, que contribuem para uma educação mais rica e significativa. “Para 2025, será fundamental manter o compromisso com a melhoria e a equidade, assegurando que todas as crianças tenham a oportunidade de ingresso e permanência na escola”, ressalta.

Para Luciana Maia, os avanços ainda são insuficientes especialmente no que diz respeito à educação infantil e aos programas de alfabetização e letramento. “Houve esforços visíveis para ampliar o acesso, como o aumento de matrículas em creches e pré-escolas e a implementação de iniciativas voltadas para a alfabetização na idade certa. Em muitas regiões, vimos a adoção de metodologias inovadoras e a valorização do papel do professor alfabetizador, o que reforça a importância de investir na base da educação. No entanto, a qualidade do ensino ainda enfrenta grandes desafios”, atesta a professora.

Já Josele Teixeira da Silva diz que investir na formação de professores é essencial para garantir a qualidade da educação. A pedagoga pontua que este ano ocorreu um avanço na reflexão sobre a importância das atividades de leitura e escrita na Educação Infantil. “Historicamente, essas práticas estiveram associadas ao início do Ensino Fundamental, relegando a Educação Infantil ao papel de etapa preparatória. Entretanto, um novo paradigma destaca a necessidade de proporcionar às crianças experiências diversificadas de leitura e escrita desde cedo, criando oportunidades para interagir com textos e registrar aprendizagens por meio de diferentes formas de linguagem”, realça.

Josele continua pontuando que esse enfoque está alinhado às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que rompem com a visão tradicional da etapa como apenas preparatória. O objetivo, afiança a especialista, “não é a simples decodificação de letras, mas a inserção das crianças na cultura do escrito de forma significativa e contextualizada. Em 2024, o programa Leitura e Escrita na Educação Infantil (Leei), parte do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, teve um impacto significativo. Por meio dele foram ofertadas formações a 295 mil docentes, reforçando um esforço nacional para implementar ações estratégicas que garantam o sucesso no processo de alfabetização de todas as crianças brasileiras. Dessa forma, a Educação Infantil se reafirma como uma etapa fundamental da educação básica, contribuindo para a inclusão da criança no universo da escrita, respeitando suas especificidades e potencialidades”, frisa.

 Um ano de inovações

 

Se tem algo que toda a comunidade escolar compartilha é a de que as inovações ganharam muita força no uso de metodologias ativas e do ensino híbrido este ano. Mas será que o resultado de como essas abordagens têm transformado o aprendizado dos estudantes está suprindo as expectativas da vida real? Mesmo reconhecendo o potencial transformador das metodologias ativas, ainda não há consenso a respeito dos resultados, como afirma Luciana Maia, ao comentar que o avanço das metodologias ativas e do ensino híbrido em 2024 trouxe transformações importantes para o aprendizado, mas ainda está longe de suprir completamente as expectativas da vida real. Segundo ela, essas abordagens têm potencial para tornar o processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico, participativo e centrado no aluno, mas sua implementação enfrenta desafios significativos, principalmente em contextos educacionais mais vulneráveis.

As metodologias ativas, como a sala de aula invertida, o ensino por projetos e a aprendizagem colaborativa, têm o mérito de incentivar o protagonismo dos estudantes. Em alfabetização, por exemplo, essas estratégias permitem que as crianças explorem mais ativamente a leitura e a escrita, o que estimula a autonomia e a construção do conhecimento de forma significativa. Por outro lado, percebo que muitos professores ainda enfrentam dificuldades para adotar essas práticas, seja pela falta de formação específica, pela sobrecarga de trabalho ou pela resistência a mudanças metodológicas”, destaca.

Em relação ao ensino híbrido, Luciana diz que combinar recursos presenciais e digitais tem se mostrado eficaz para personalizar o ritmo de aprendizagem e diversificar as estratégias pedagógicas. No entanto, sua eficiência depende diretamente do acesso à tecnologia e internet de qualidade, o que nem sempre é uma realidade em escolas públicas. “Em contextos em que faltam dispositivos e conectividade, essa abordagem pode acentuar desigualdades, em vez de reduzi-las. Além disso, a transição para essas práticas exige mudanças profundas na cultura escolar. Muitos alunos e famílias ainda não compreendem ou não se adaptam facilmente ao novo papel ativo que lhes é atribuído, enquanto professores precisam de apoio contínuo para planejar e executar atividades alinhadas a essas metodologias”, avalia acrescentando que as metodologias ativas e ensino híbrido têm potencializado a aprendizagem, mas, para garantir seu sucesso, é preciso investir em formação de professores, infraestrutura e diálogo com a comunidade escolar. Assim, a educação se torna mais inclusiva e eficiente, atendendo às demandas do século XXI.

A especialista em Psicopedagogia e em Administração e Supervisão Escolar Josele Teixeira concorda com a opinião de Luciana Maia. Há um consenso sobre o impacto positivo das metodologias ativas e do ensino híbrido na potencialização da aprendizagem. “As inovações na realidade precisam ser compreendidas como estratégias de ensino centradas na participação dos discentes em seu processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada, híbrida, enquanto as metodologias ativas se expressam através de modelos de ensino híbridos, com muitas possíveis combinações.

Nesse formato, o aluno é exposto ao conteúdo que será abordado antes da aula com o professor, muitas vezes com videoaulas ou leituras prévias. O que incentiva que cada discente busque sua estratégia metacognitiva e desenvolva a sua autonomia. Pensando na nossa realidade educacional, vale ressaltar que no Brasil o acesso às instituições de ensino à tecnologia ainda é um desafio para ser consolidado”, garante Josele Teixeira da Silva, especialista em Psicopedagogia e em Administração e Supervisão Escolar.

 Inteligência artificial e seus desafios

Se tem algo que foi discutido, noticiado, debatido e propagado em todas as áreas do conhecimento, inclusive na educação, foi o uso da Inteligência Artificial, sobretudo com a chegada do ChatGPT. Marcado, sobretudo, pelo uso das IAs generativas no ensino, o ano de 2024 gerou oportunidades, mas trouxe com ele inúmeros desafios enfrentados pelas escolas ao integrar essas tecnologias nas práticas pedagógicas. De acordo com o Doutor e Mestre em educação Eugênio Cunha, há um intenso debate acerca do efeito das tecnologias digitais na capacidade cognitiva das nossas crianças e adolescentes. As discussões passam pelo aumento das dificuldades de engajamento na leitura, na elaboração de pensamento crítico, conteúdos superficiais, dentre outros aspectos da aprendizagem escolar. O consumo exagerado de informações, conteúdos extremamente rápidos e rasos, dificultam a elaboração de funções cognitivas mais complexas.

Em outras palavras, parece que ‘atrofiam’ a criatividade do cérebro, inibindo a iniciativa e até as questões da afetividade. De certa forma, perdemos o controle da situação. A Inteligência Artificial veio incrementar mais ainda esse debate. São consequências do progresso da humanidade. Acredito, no entanto, que ela pode ser muito útil, mas devemos estar preparados para todo tipo de tecnologia. Na educação, principalmente, educando nossos jovens e crianças para, desde cedo, aprenderem a lidar com ela”, adverte.

Ainda segundo Cunha, essas ações passam pela formação de educadores, que podem não estar preparados para integrar a IA em suas práticas pedagógicas, utilizando-as de maneira eficaz e crítica. O uso de ferramentas desse tipo levanta também o debate acerca da personalização do aprendizado, pois é isso que a tecnologia faz no cotidiano das pessoas. “Todos nós personalizamos nossa vida com ferramentas tecnológicas, e a escola não pode esquecer que essa demanda precisa chegar aos espaços de aprendizagem. Para tanto, precisamos ensinar aos nossos educandos a ética e o pensamento crítico. É essencial garantir a lisura e o respeito no manejo da IA. Ademais, devemos trabalhar para que os aprendentes desenvolvam habilidades críticas e de resolução de problemas, uma vez que essa tecnologia pode fornecer respostas rápidas e soluções”, sublinha.

Ao falar sobre o tema, Luciana Maia também concorda que 2024 foi um ano em que as inteligências artificiais generativas se tornaram uma ferramenta poderosa para enriquecer as práticas pedagógicas. E que essas tecnologias trouxeram oportunidades que transformaram o trabalho dos professores e o aprendizado dos alunos, mas também apresentaram desafios que exigem reflexão e adaptação.

Entre as principais oportunidades, destaco o potencial da IA para personalizar o ensino. No processo de alfabetização, por exemplo, ferramentas desse tipo ajudaram a criar atividades adaptadas às necessidades de cada aluno, permitindo que ele avançasse no próprio ritmo. Além disso, a IA automatizou tarefas como correção de exercícios, organização de materiais e até a elaboração de planos de aula, liberando os professores para se dedicarem mais ao acompanhamento pedagógico individualizado. Outro aspecto positivo foi a criação de conteúdos interativos e dinâmicos, que tornaram o aprendizado mais atraente e acessível. Recursos como jogos educativos baseados em IA e assistentes de leitura ajudaram a engajar alunos em diferentes níveis de desenvolvimento. Em termos de inclusão, a IA possibilitou a adaptação de materiais para estudantes com deficiência, como geração automática de conteúdos em Libras ou recursos de leitura acessível”, comemora Luciana Maia.

Entretanto, por outro lado, ela reconhece que os desafios foram significativos, citando, entre muitos, a desigualdade no acesso às tecnologias. “Em muitas escolas, principalmente em áreas de maior vulnerabilidade, a falta de infraestrutura e conectividade limitou a aplicação dessas ferramentas, aumentando ainda mais o abismo educacional. Além disso, muitos professores encontraram dificuldades para se capacitar no uso da IA, seja pela falta de formação específica ou pela resistência a integrar essas ferramentas ao planejamento pedagógico. Isso sem falar na questão do uso ético e seguro dessas tecnologias na educação, o que exige atenção a questões como privacidade de dados, plágio e a dependência excessiva, sem substituir o papel insubstituível do educador no desenvolvimento socioemocional e na mediação de conflitos”, frisa. Opina que, em 2024, a IA avançou significativamente na educação, mas sua plena integração requer investimentos em formação docente, infraestrutura e conscientização. Com equilíbrio, a IA pode ser uma aliada poderosa para tornar o ensino mais acessível, significativo e conectado às demandas do mundo atual.

 Formação continuada e competências socioemocionais

Em todas as falas, há um alinhamento quanto à necessidade de investimentos na formação decente, independente do tema ou temática abordada na educação. Na avaliação de Eugênio Cunha, sempre foi consenso que os cursos de formação de professores precisam priorizar aspectos práticos da carreira docente. A ênfase na práxis durante a formação inicial, como estágios, observações em sala de aula e estudos de caso, por exemplo, permite que os educadores desenvolvam competências essenciais para lidar com a diversidade de estudantes em diferentes contextos.

Porém, os currículos ainda estão centrados mais em aspectos ideológicos (que são importantes) e têm outorgado pouco espaço a situações cotidianas da escola. Acredito que o professor formador também precisa ser formado, já que ele é um elemento chave nesse processo. É preciso reconhecer, no entanto, que houve avanços em questões sociais importantes. Muitas instituições têm revisado seus currículos para incluir temas relevantes, como educação inclusiva, tecnologias educacionais e metodologias ativas. Isso ajuda os futuros professores a se familiarizarem com as demandas atuais da sala de aula. Por outro lado, alguns educadores têm dificuldades em adaptar suas práticas a novas metodologias e tecnologias. Por isso, acho que as mudanças para 2025 passam pela capacitação do professor formador. Nesse sentido, o compromisso contínuo com a formação e a adaptação às necessidades de crianças e estudantes da sociedade contemporânea são essenciais”, argumenta o mestre Eugênio Cunha.

Além da concordância quando o tema é formação continuada dos professores, uma outra temática atravessa esse mesmo entendimento de unanimidade: a promoção da saúde mental e das competências socioemocionais. Quem fala sobre o tema é Alessandra Machado, psicóloga, neuropsicóloga, pedagoga, Especialista em Neurociência Aplicada à Educação e Mestranda em Neurociências. Também é autora, com Mariana Fenta, do livro “Cérebro e afetividade – potencializando uma aprendizagem significativa”. Olhando de uma forma direta, sobretudo pós-pandemia, quais foram os avanços significativos na abordagem desses temas nas escolas?

Na interpretação de Alessandra Machado, pode-se dizer que houve avanços no sentido de compreender mais sobre os benefícios em desenvolver trabalhos socioemocionais nas escolas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, bem como dos adultos que fazem parte do EJA. “Falar de saúde mental e principalmente realizar atividades no cotidiano escolar que possam dialogar com o currículo pedagógico é justamente entender que precisamos olhar para todos os estudantes como seres biopsicossociais e oportunizar uma aprendizagem que não seja fragmentada, mas que tenha uma escuta ativa e um olhar acolhedor. Não basta inserir na grade curricular um tema referente ao socioemocional, é preciso vivenciar na íntegra com projetos de qualidade e funcionais para cada faixa etária e pensando em cada contexto. Isso inclui também não só um olhar para os educandos, mas também para os familiares, educadores e demais pessoas que fazem parte da dinâmica escolar”, contextualiza.

Ainda na avaliação de Alessandra, é preciso cuidar de quem cuida. Por isso, compreender o conceito de Competências Socioemocionais envolve o conhecimento e o estudo contínuo sobre as emoções e reconhecer a importância desse processo afetivo nas relações sociais, adaptativas e pedagógicas. “É fato que a inteligência emocional e o desenvolvimento das competências socioemocionais serão um grande diferencial daqui para a frente. Não basta, por exemplo, saber executar muitas tarefas ao mesmo tempo se o indivíduo não consegue se organizar internamente e se ele se desregula facilmente diante de uma adversidade. Sabemos que estamos ainda num processo de caminhada

nesse sentido e que muito mais podemos fazer nas escolas, na verdade precisamos fazer, até porque estamos lidando com vidas em desenvolvimento. Por isso, ter um trabalho socioemocional de qualidade, que valoriza as diferentes potencialidades e que contribui para o desenvolvimento humano em sua plenitude, faz toda a diferença para promover o bem-estar físico, emocional e mental.

Não há processo de ensino e aprendizagem com qualidade se não houver o cuidado com o outro, um cuidado vai além do que os olhos podem ver. Por isso é preciso educar as emoções para que cada um possa saber gerenciar e regular seus comportamentos, sentimentos e pensamentos em prol de uma funcionalidade mental e cerebral. Por isso, é de suma importância que cada vez mais projetos socioemocionais sejam consolidados nas escolas, assim como é necessário construir uma ponte com os demais ambientes que são experienciados pelos estudantes”, revela Alessandra Machado.

Recomposição da aprendizagem pós-pandemia

Mesmo já passado alguns anos da fatídica pandemia, seus efeitos ainda podem ser vistos até os dias atuais, sobretudo na educação. Com o impacto continuado da pandemia na educação, muitas estratégias de recomposição da aprendizagem se destacaram em 2024.

Perguntamos para a Especialista em Neurociência aplicada à Educação e Mestranda em Neurociências, Alessandra Machado, o que na sua visão deu certo e o que ainda precisa ser melhorado. “Muitas estratégias têm sido funcionais, como a utilização de metodologias ativas, o aumento de atividades práticas e saídas de campo, a oportunidade dos educandos se tornarem de fato protagonistas nas ações do dia a dia e a capacitação contínua dos professores diante de uma nova realidade. Isso trouxe maior segurança para suprir as lacunas pedagógicas e emocionais deixadas pelo período pandêmico. Sabemos que ainda é um processo e, se não tivermos esse olhar diferenciado para as singularidades de cada sujeito que está inserido em uma pluralidade que é a sala de aula e o contexto escolar, não será possível pensar em estratégias diferenciadas que realmente sejam funcionais, mesmo porque essas elas precisam ser planejadas e reavaliadas de acordo com cada público e cenário”, avalia.

Alessandra aponta que o processo educacional não pode ser imutável. Destaca que tivemos que reaprender a lidar com o outro no espaço escolar, participar das aulas de maneira cinestésica e, mais do que isso, tivemos que voltar a valorizar o processo de interação social, tão importante para a construção da personalidade e do amadurecimento cerebral. “Voltar a conversar olhando nos olhos, percebendo a expressão de cada sujeito e suas respostas emocionais. As habilidades sociais voltaram a ganhar forma e consistência e, com isso, voltamos a perceber a importância que o outro tem na nossa vida e o quanto nossa vida dialoga com a história de vida do outro. Então, pensando num ambiente escolar, cada um de nós está construindo uma história e dentro dessas histórias existem várias novas histórias sendo contadas. Sobre o que ainda precisa melhorar pensando na vida escolar? Eu diria que a segurança de se sentir conectado em uma relação que não é mais virtual, mas sim real, onde medos, angústias e ansiedades se fazem presentes, ainda como consequências de um período pandêmico, mas eles precisam ser ressignificados e para isso é necessário que um ajude o outro, alcançando a resiliência”, pontua.

Ainda de acordo com sua observação, talvez seja importante construir o movimento de saber esperar, saber ouvir, saber se relacionar e saber ser feliz por se sentir pertencente nas relações e não somente porque conquistou mais seguidores no ambiente virtual ou, ainda, entender a importância em acalmar os corações e as mentes imediatistas que desejam satisfazer inquietações que foram sendo potencializadas por meio do afastamento social. “É preciso construir mais ‘pontes’ com as relações e derrubar os ‘muros’ que foram sendo erguidos desde alguns anos atrás. É possível? Sim, mas para isso precisamos também de adultos que sejam favoráveis e saudáveis nas relações e nesse processo de reconstrução das interações sociais. Por isso, é de extrema importância oportunizar o trabalho socioemocional e associá-lo às competências esperadas para cada fase do desenvolvimento, promovendo um caminho mais saudável para a organização de nossa sociedade”, afirma Alessandra Machado.

 Educação ambiental e financeira

O ano de 2024 trouxe importantes avanços no campo da educação ambiental, destacando iniciativas que integraram aos currículos escolares temas como mudanças climáticas, biodiversidade e sustentabilidade. Um marco significativo foi a sanção da Lei 14.926/24, que atualizou a Política Nacional de Educação Ambiental, exigindo que instituições de ensino incorporem práticas e conteúdos voltados para a preservação ambiental, além de atividades práticas como o plantio de árvores e o desenvolvimento de hortas escolares.

Diante desse cenário, a crescente inserção de projetos e ações ambientais nas escolas evidencia um esforço para formar cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios do século XXI. E para contextualizar, ouvimos a opinião e a avaliação de Maria Cláudia Amaro, fundadora da Rhyzos Educação, empresa que fomenta projetos de educação básica no Brasil, acerca das atividades de 2024, e se, na sua opinião, houve iniciativas marcantes nas escolas públicas e privadas para promover a conscientização e ações sustentáveis efetivas.

Maria Cláudia é categórica ao afirmar. “Estamos certos de que sim, pois esse tema tem sido cada vez mais integrado no dia a dia das escolas públicas e privadas, dada a necessidade de formar cidadãos cada vez mais conscientes e comprometidos com a preservação ambiental. Temos acompanhado alguns movimentos nas escolas, como projetos interdisciplinares integrados à educação ambiental em diversas disciplinas, tais como geografia, história, artes e não só mais em ciências, tratando do assunto de maneira mais holística. O cultivo de hortas nas escolas tem se tornado cada vez mais comum, tanto em escolas públicas quanto privadas, incentivando os alunos a aprenderem sobre a produção de alimentos e o consumo consciente”, enfatiza.

Conforme expõe a fundadora da Rhyzos Educação, também há ações de sustentabilidade no dia a dia da escola, como programas de reciclagem com separação de lixo, utilização de materiais recicláveis, criação de pontos de coleta para pilhas e outros itens que precisam de descarte correto e, quando possível, substituição de plásticos por alternativas ecológicas, além do incentivo ao uso consciente de recursos como água e energia. “Algumas escolas organizam eventos como feiras de sustentabilidade, palestras com especialistas e até ações de conservação e preservação em praças públicas nas proximidades da escola buscando promover a educação para a cidadania global e incentivar os alunos a se tornarem agentes de mudança”, observa.

E quando o assunto é Educação Financeira, Maria Cláudia Amaro esclarece que a inserção de programas desse tipo nas escolas tem um grande potencial para formar cidadãos mais conscientes, responsáveis e preparados financeiramente, sendo um passo importante para que a sociedade saiba lidar melhor com suas finanças e construa um futuro mais seguro e sustentável.

O ideal é que esses programas, além de despertarem essa consciência, também sirvam para orientar os alunos como administrar o orçamento pessoal, a fazer investimentos e planejamento para o futuro estimulando uma mentalidade empreendedora. Além disso, que eles possam entender, desde cedo, como funcionam as taxas de juros, crédito, dívidas e poupança, para evitar que caiam em armadilhas financeiras no futuro, como empréstimos com altas taxas de juros que levem à contração de dívidas. Dessa forma, poderão desenvolver uma mentalidade mais estratégica em relação ao seu próprio dinheiro, podendo apoiar inclusive seus familiares, pois estarão melhor preparados para lidar com imprevistos financeiros e planejar a longo prazo”, assegura Maria Cláudia Amaro.

 Inclusão e diversidade no currículo escolar

Levando-se em conta a inclusão e a diversidade entre os temas mais debatidos nas salas de aula, projetos e ações têm buscado promover a inserção de estudantes com deficiência e valorizar a diversidade cultural e étnica nas escolas. Diante desse cenário, perguntamos ao Doutor e Mestre em Educação Eugênio Cunh se podemos considerar essas iniciativas o caminho para alcançar a tão almejada equidade. “Sim, certamente. Projetos e ações em favor da inclusão não apenas beneficiam estudantes com deficiência, mas também enriquecem o ambiente escolar, promovendo uma cultura de respeito e valorização das diferenças”, diz ele.

Sob a perspectiva de Eugênio Cunha, é essencial eliminar as atitudes capacitistas e discriminatórias que se imbricaram na história social e na vida das pessoas. A escola também recebeu reflexos disso. Podemos, por exemplo, pensar no desenho universal para a aprendizagem, trazendo, desde o planejamento, a inclusão de conteúdos que contemplem a diversidade e a equidade cognitiva, para que todos os estudantes e crianças se sintam representados e valorizados.

Isso ajuda a construir uma escola colaborativa, estabelecendo atividades que promovam o diálogo entre diferentes grupos sociais, que incentivem a empatia e o respeito entre os alunos, preparando-os para viver em uma sociedade inclusiva. Não podemos falar apenas de adaptações curriculares, mas também de personalização da aprendizagem. Pessoas são mais importantes que vertentes pedagógicas. A educação para a diversidade ajuda a combater preconceitos e estereótipos, formando cidadãos mais críticos e conscientes de suas responsabilidades sociais”, argumenta Cunha, acrescentando que “a aprendizagem se refere em sua essência e legitimidade à apropriação de práticas sociais e bens culturais, ao desenvolvimento da criança em seus aspectos biológicos, sociais e afetivos. Refere-se à perene e indelével busca pela superação da incompletude humana. Só se faz isso com amorosidade. Nas palavras de Freire: ‘Não existe educação sem amor. Quem não ama os seres inacabados não pode educar’. Conjugamos, então, três palavrinhas fundamentais: Diferença: a partir da concepção ética do ensino, sempre haverá o outro; Heterogeneidade: conjunto de singularidades nos espaços pedagógicos; e Diversidade: práticas que contemplem o universo colaborativo e participativo da aprendizagem”, reforça Eugênio Cunha, Doutor e Mestre em Educação, professor da Educação Básica e do Ensino Superior, Especialista em educação especial inclusiva.



Por Antônia Figueiredo

 

Fontes:

Maria Cláudia Amaro é fundadora da Rhyzos Educação, empresa que fomenta iniciativas pela educação básica no Brasil.

Luciana Maia é professora, mentora de professores, jornalista e escritora. É coautora do “Guia de Letramento e Alfabetização”, pela WAK Editora, além de especialista em Alfabetização, Avaliação Educacional e Neurociências aplicadas à Educação Inclusiva.

Josele Teixeira da Silva é pedagoga, Especialista em Psicopedagogia e em Administração e Supervisão Escolar.

Eugênio Cunha é Doutor é Mestre em Educação, pedagogo da Fundação Municipal de Educação de Niterói, psicopedagogo, professor da Educação Básica e do Ensino Superior, especialista em educação especial inclusiva. Entre os livros lançados estão “Afetividade na prática pedagógica”, “Autismo e inclusão”, “Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade” e “Educação na família e na escola”.

Alessandra Machado é psicóloga, neuropsicóloga, pedagoga, especialista em Neurociência Aplicada à Educação e Mestranda em Neurociências.



Fonte: https://www.appai.org.br/appai-educacao-revista-appai-educar-edicao-170-os-desafios-e-as-conquistas-que-marcaram-a-educacao-brasileira-em-2024-2/





Ilustrações: Silvana Santos