Rico é aquele que sabe ter o suficiente. Lao Tze
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 90 · Março-Maio/2025
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14/03/2025 (Nº 90) MATO DO JÚLIO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONSERVAÇÃO PELA ÚLTIMA FLORESTA DE CACHOEIRINHA (RS)
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MATO DO JÚLIO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONSERVAÇÃO PELA ÚLTIMA FLORESTA DE CACHOEIRINHA (RS)

Fragmento de vegetação nativa sofre impactos de atividades humanas. Pressão do setor imobiliário é grande.

Kimberly da Silva Marta

26 de dezembro de 2024

Ambientalista e educadora ambiental Natana Peres na ação do coletivo Mato do Júlio, em parceria com o grupo de escoteiros de Cachoeirinha - Foto: Ana Godoy

Sabe-se que, diante de qualquer ação do ser humano em meios naturais, são necessários estudos e pesquisas bióticas e abióticas que levem a um diagnóstico preciso sobre qualquer nível de alteração.

Em função de largas extensões de desmatamento e da fragmentação ambiental, seja por questões urbanísticas, pecuárias ou agrícolas, cada vez menos áreas nativas, com biodiversidade singular, são efetivamente conservadas e mantidas sem a interferência humana ou de maneira sustentável.

No Rio Grande do Sul, no município de Cachoeirinha, localiza-se a última floresta da cidade, denominada Mato do Júlio. Esse fragmento de floresta nativa, com 256 hectares, é uma área de proteção ambiental (Apa). A área constitui-se de duas glebas. A Gleba 1 do Mato do Júlio é delimitada ao sul pela BR-290 (Freeway), a leste pelo bairro Parque da Matriz, ao norte e noroeste pela avenida Flores da Cunha e a oeste pelo bairro Vila Cachoeirinha. Já a Gleba 2 é delimitada ao norte pela BR-290 (Freeway), a leste pela Estação de Tratamento de Efluentes da Corsan, um trecho de propriedade particular e o rio Gravataí e, ao sul e oeste, igualmente, pelo rio Gravataí (Torres & da Luz, 2022; Torres, da Costa Silva & da Luz, 2023).

O Mato do Júlio (MJ) é um ecossistema singular em Cachoeirinha e revela-se um patrimônio natural e cultural de valor inestimável (da Costa Silva, 2023). A área apresenta uma composição ambiental única e um potente acervo histórico, tornando-a um dos locais de maior relevância para a conservação ambiental e cultural da região metropolitana de Porto Alegre (da Costa Silva, 2024).

A última floresta conservada do município de Cachoeirinha (RS), a Mato do Júlio – Foto: Leonardo da Costa Silva e Alan da Costa Silva

Singularidade da área

Uma fauna ameaçada, uma ave ocorrente na última floresta da cidade de Cachoeirinha, no Mato do Júlio – Foto: Ana Godoy

Nessas áreas de Cachoeirinha, encontram-se diferentes espécies de fauna e flora, importantes tanto para a visão ecológica quanto para a conservação de ambientes que sofrem com as ações humanas, sendo a homogeneização uma das principais consequências da urbanização sobre o meio biótico. No trabalho mais recente publicado sobre esse fragmento de floresta, autores como Torres, da Costa Silva e da Luz (2023) realizaram um levantamento de fauna e flora. Foram contabilizadas para a fauna, um total de 113 espécies, sendo oito para ictiofauna, 32 de herpetofauna (agrupando anfíbios e répteis), 64 para avifauna e nove para mastofauna.

Quanto ao status de conservação dos vertebrados, das espécies mencionadas pelos autores, o gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus) encontra-se listado como vulneravelmente ameaçado.

Para os artrópodes, um estudo sobre as abelhas nativas da espécie jataí (Tetragonisca fiebrigi, Schwarz, 1938) relata a importância das interações ecológicas em redes mutualísticas entre planta-polinizadores, principalmente ligadas à produção de mel no município (Radaeski & Borger, 2024). Mesmo diante desses conhecimentos científicos, muito ainda precisa ser feito, considerando os diferentes ambientes que a área engloba e a diversidade ainda não reportada, a qual se encontra sob grande ameaça.

Garantir a conservação da última floresta da cidade promove uma cidade autossustentável, preocupada com o meio ambiente e com os desastres naturais, como as enchentes de maio de 2024 (da Costa Silva, 2024). Além disso, a utilização de recursos naturais de maneira sustentável é essencial, sabendo-se que a área está situada em ambientes sujeitos a inundações e de banhados. O sistema hídrico e do uso de solo da floresta garante drenagem natural, como aponta o autor da Costa Silva (2024).

Em termos de realocação de fauna, já foram realizados pelos biólogos Alan da Costa Silva, Izidoro Sarmento do Amaral e equipe do MJ mais de 100 resgates. Os animais resgatados e realocados no meio natural pertencem a diversas espécies, como gambás, serpentes, ouriços, tatus, entre outros.

Educação ambiental

A educação ambiental, em um mundo marcado pelo sistema de exploração dos recursos naturais, torna-se cada vez mais necessária. Para assegurar que a comunidade, as escolas, o público e o poder político compreendam agravamentos e desastres do meio natural e se desenvolvam de maneira sustentável, é fundamental integrar esses valores no meio social. Vários estudos defendem essa integração educacional (Alves, 2014; Gonçalves et al., 2022; da Costa Lima et al., 2022). Esse é também um dos valores do coletivo Mato do Júlio.

Como forma prática e didática desses valores, em novembro de 2024, uma ação de educação ambiental foi liderada pela diretora do coletivo, Natana Peres (estudante de zootecnia), em conjunto com a equipe, na região conhecida como Banhadinho, no município de Cachoeirinha. Nessa ação, foram promovidos minicursos com profissionais especializados, juntamente com um grupo de escoteiros da região. Pela primeira vez também ocorreu uma palestra sobre artrópodes de importância médica. Nesse seminário, relatei as espécies de aracnídeos que ocorrem na região, exemplificando as de importância médica e como identificá-las, além de curiosidades sobre outros animais peçonhentos.

Olhares atentos na ação do coletivo Mato do Júlio, em parceria com o grupo de escoteiros de Cachoeirinha, que incluiu palestra sobre artrópodes de importância médica, focado em aracnídeos – Foto: Ana GodoyCard em defesa a preservação do meio ambiente, da última floresta da cidade que sofre com especulações imobiliária – Imagem: Equipe Mato do Júlio

Trilhas ecológicas foram realizadas juntamente com o biólogo Izidoro e equipes de escoteiros de distintas idades (de 7 a 14 anos). Ambos destacamos a importância da conservação desses ambientes e os serviços ecossistêmicos que as áreas naturais proporcionam. Também foram realizados registros fotográficos da araneofauna presente, assim como da árvore símbolo de Cachoeirinha: a paineira-espinho (Chorisia speciosa).

Nessa mesma ação de educação ambiental, foram realizadas palestras sobre a importância da floresta, oficinas de plantio de mudas nativas e compostagem. O plantio de mudas é considerado pela equipe do coletivo um projeto que tem o objetivo de instalar pomares com frutas nativas em locais públicos. Todas essas atividades são voltadas à conservação do meio ambiente, especialmente da última floresta da cidade, a Mato do Júlio, que sofre com a degradação ambiental, principalmente pela pressão imobiliária.

A conservação da floresta é um lembrete de que somos parte da natureza e não superiores a ela. Adotar um pensamento biocêntrico é essencial para garantir um futuro sustentável, em que todos os seres vivos têm seu valor e a harmonia é a chave para a sobrevivência.

Referências

ALVES, S. (2014). Educação Ambiental e interdisciplinaridade: da explicitação de conceitos nos pcns e dcnem à prática pedagógica no ensino médio. 2014. 216 p. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática) – Programa de Centro de Ciências, Universidade Federal do Ceará, CE.

da Costa Lima, G. F., Torres, M. B. R., & Rebouças, J. P. P. (2022). A Educação Ambiental crítica brasileira frente às crises contemporâneas: desafios e potencialidades. Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), 17(5), 117-131.

Gonçalves, J., de Oliveira, T., & Gonçalves, M. (2022). Educação Ambiental e seus desdobramentos hoje no Brasil: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), 17(4), 247-260.

Radaeski, J. N., & Borger, J. (2024). Bee–plant interactions identified by pollen analysis of honey from the stingless bee Tetragonisca fiebrigi (Schwarz, 1938) in southern Brazil. Palynology, 2411229.

Silva, L. D. C. (2023). Floresta Mato do Júlio: uma proposta de Patrimônio Cultural em Cachoeirinha/RS. Trabalho de conclusão de curso em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, RS.

Silva, A. D. C. (2024). Análise do uso e cobertura da terra do Mato do Júlio (Cachoeirinha-RS) e seu papel na minimização do impacto das inundações de maio de 2024. Trabalho de conclusão de curso em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, RS.

Torres, V. S., & da Luz, V. O. (2022). Análise ambiental (flora, fauna e ecologia) da área conhecida como Mato do Júlio, no município de Cachoeirinha, RS. Unisanta BioScience, 11(2), 73-96.

Torres, V. S., da Costa Silva, A., & da Luz, V. O. (2023). Análise ambiental (flora, fauna e ecologia) da área conhecida como Mato do Júlio, no município de Cachoeirinha, RS, II-novos registros para a fauna. Unisanta BioScience, 12(3), 147-158.

Fonte: https://faunanews.com.br/mato-do-julio-educacao-ambiental-e-conservacao-pela-ultima-floresta-de-cachoeirinha-rs/



Ilustrações: Silvana Santos