Rico é aquele que sabe ter o suficiente. Lao Tze
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 90 · Março-Maio/2025
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Relatos de Experiências
14/03/2025 (Nº 90) INÉDITOS VIÁVEIS NO ENSINO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO TEMA TRANSVERSAL: REFLEXÕES ACERCA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA EM ESCOLAS PÚBLICAS DE CUBATÃO (SP)
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INÉDITOS VIÁVEIS NO ENSINO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL A COMO TEMA TRANSVERSAL: REFLEXÕES ACERCA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA EM ESCOLAS PÚBLICAS DE CUBATÃO (SP)

Rayssa Pereira Marins1, Zysman Neiman2

1 Professora na Prefeitura Municipal de Cubatão. E-mail: marinsrayssa09@gmail.com

2 Professor Titular da Universidade Federal de São Paulo. E-mail: zneiman@gmail.com



Resumo: O presente estudo se propõe a refletir sobre a importância da Educação Ambiental (EA) como tema transversal que pode e deve ser abordado em quaisquer disciplinas da Educação Básica, especialmente nas aulas de Língua Inglesa. Usando do conceito cunhado por Paulo Freire sobre ‘inéditos viáveis’, busca-se, como objetivo geral, analisar duas aulas de inglês ministradas em duas turmas de 3º ano do Ensino Fundamental I em escolas públicas de Cubatão, as quais abordaram como conteúdo o ecossistema manguezal partindo da leitura de um capítulo do livro Children’s Amazon, versão em inglês da obra Amazônia das Crianças do fotógrafo Araquém Alcântara, com textos de Morris Kachani e Zysman Neiman. A metodologia utilizada para tal análise é qualitativa e de cunho autoetnográfico, levando em conta o relato de experiência da pesquisadora como mediadora das aulas. As linhas teóricas que tecem tal estudo são ancoradas em autores que abordam temas pedagógicos e da Educação Ambiental.

Abstract: This study aims to reflect on the importance of Environmental Education (EE) as a cross-cutting theme that can and should be addressed in any subject of Basic Education, especially in English Language classes. Using the concept coined by Paulo Freire of “untested feasibilities”, the general objective is to analyze two English lessons taught to two third-grade classes in public schools in Cubatão, which addressed the mangrove ecosystem as content, based on the reading of a chapter from the book Children’s Amazon, the English version of the work Amazônia das Crianças by photographer Araquém Alcântara, with texts by Morris Kachani and Zysman Neiman. The methodology used for this analysis is qualitative and autoethnographic, considering the researcher’s experience as a mediator of the lessons. The theoretical framework that supports this study is based on authors who discuss pedagogical and Environmental Education themes.



Introdução

Inicialmente é importante ressaltar que a autora do presente estudo atua como professora efetiva de Língua Portuguesa/Inglesa na rede pública de ensino vinculada à Prefeitura Municipal de Cubatão, localizada no Litoral do Estado de São Paulo. Ante essa oportunidade, optou por debruçar-se nas teorias trabalhadas no Curso de Especialização em Educação Socioambiental e Sustentabilidade, que cursou como aluna de pós-graduação lato sensu, para refletir em possibilidades de atuação prática no cotidiano escolar em que, concomitantemente, estava inserida.

Cubatão é uma cidade localizada no sopé da Serra do Mar (Figura 1) e, por conta disso, trata-se de uma região com abundante biodiversidade, tendo mais de 62% de seu território de Mata Atlântica e manguezais composto por áreas protegidas, de acordo com o diagnóstico situacional de indicadores ODS da Prefeitura Municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE CUBATÃO, 2023). No município há locais importantes como o Parque Ecológico Cotia-Pará, Parque Ecológico do Rio Perequê e Parque Estadual da Serra do Mar, este último fazendo parte do conjunto de espaços protegidos e declarados Reserva da Biosfera pela Unesco. Tal declaração evidencia a importância dos remanescentes do bioma Mata Atlântica como “patrimônio cultural de interesse mundial, ampliando a responsabilidade dos brasileiros na proteção deste que é considerado o terceiro ecossistema mais ameaçado do Planeta” (BEHR, CUNHA, BRITO, 2009, p.115).

Figura 1: Localização da cidade de Cubatão. Fonte: Raphael Lorenzeto de Abreu, CC BY 2.5, <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1076647>.

No início da década de 1980, Cubatão ganhou notoriedade ao ser chamada de "Vale da Morte" pela ONU, por ser considerada a cidade mais poluída do mundo. Esse título resultou do fato de Cubatão ter se consolidado como um polo industrial no Brasil no período pós-guerra, devido à sua localização estratégica próxima ao Porto de Santos e às condições geográficas que atendiam aos interesses econômicos da época (VERDE, 2014). No entanto, esses interesses negligenciaram os impactos socioambientais, resultando em toneladas de poluentes despejados no meio ambiente. A cidade enfrentou graves problemas, como chuvas ácidas, ar altamente poluído e um aumento significativo no número de crianças nascidas com deficiências decorrentes da poluição. Em 1992, durante a Eco-92, a ONU novamente mencionou Cubatão, mas dessa vez como um exemplo de recuperação ambiental. Esse progresso só foi possível graças à colaboração entre governo, indústrias e sociedade civil, que implementaram um plano de recuperação com base em estudos realizados pela CETESB (VERDE, 2014).

No campo educacional, apenas em 2023 foi instituída a Política Municipal de Educação Ambiental, através da Lei n° 4.244 (CUBATÃO, 2023), que aponta a necessidade de que a Educação Ambiental seja tratada de forma transversal em todas as disciplinas componentes na matriz curricular. Essa medida representa um avanço importante, mas ainda muito recente, o que revela que a formação de cidadãos críticos e conscientes em relação ao meio ambiente é uma pauta atual na agenda pública, mesmo com o longo histórico de degradação e posterior recuperação ambiental na cidade. Diante desse cenário, o objetivo da presente pesquisa é relatar a iniciativa da educadora-pesquisadora de integrar a Educação Ambiental (EA) nas aulas de Língua Inglesa de forma transversal, atendendo tanto à lei mencionada quanto à Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). Este documento orienta a inclusão de temas que impactam a vida humana, como a educação ambiental, nos currículos escolares (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218).

A primeira parte deste presente estudo discutirá a relevância do uso da contação de histórias (storytelling) no ensino de Língua Inglesa, com foco na análise do quarto capítulo da obra Amazônia das Crianças, escolhido como base para o ensino sobre o ecossistema de manguezais nas aulas de inglês. Existem alguns livros infantis sobre o mangue, mais próximos dos estudantes da região estudada, entre os quais vale citar “Meninos do mangue”, de Roger Mello (vencedor de vários prémios de literatura infantil e infanto-juvenil), “Bichos do Mangue”. De Lia Cabral, e “Conhecendo o Manguezal”, de Marlene Giraud e Carla Beatriz Barbosa, esse último escrito por uma caiçara do litoral de São Paulo, no entanto nenhum deles está escrito em língua inglesa, o que justifica a escolha feita neste estudo.

A segunda parte descreverá o planejamento e a implementação de uma sequência didática em duas escolas diferentes, buscando comparar as experiências e examinar fatores como o número de estudantes por turma e seu impacto no desenvolvimento das aulas. Por fim, serão apresentadas as considerações finais sobre a pesquisa.

Estudos realizados em Cubatão apontam o impacto positivo das ações de Educação Ambiental (EA) nas escolas da região, em especial nos anos 2000, quando iniciativas como o Programa Cubatão Verde estimularam projetos de voltados para o plantio de árvores e a recuperação de áreas verdes degradadas. Guerra (2010) analisa a incorporação das diretrizes de Educação Ambiental na rede pública de Cubatão, SP, destacando a importância de uma articulação eficaz entre a Secretaria Municipal de Educação e as escolas para enfrentar as questões socioambientais. O autor ressalta a necessidade de integrar as questões ambientais ao currículo escolar para formar cidadãos críticos e conscientes. Embora a cidade tenha passado por uma recuperação ambiental, ainda enfrenta riscos devido à presença industrial. No entanto, mesmo passados 14 anos desde o estudo de Guerra (2010), ainda restam muitas fragilidades nas iniciativas de Educação Ambiental, que não são implementadas de maneira eficaz e transversal nas escolas, nem estão suficientemente conectadas ao contexto local e histórico do município.

Em Pedagogia da Autonomia, Freire (1996) salienta que docência e pesquisa devem ser práticas indissociáveis:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 32)

Diante da inquietude enquanto educadora em buscar meios de abordar EA nas aulas de Língua Inglesa, bem como da oportunidade enquanto educanda de estar inserida no meio acadêmico por meio da pós-graduação, o presente estudo analisa as ações educacionais desenvolvidas pelo ‘Projeto Coração Roxo de Biomonitoramento e Educação Ambiental’, realizado entre 2001 e 2007 em Cubatão, e que visou promover a formação crítica dos alunos sobre a realidade ambiental local, utilizando a planta Tradescantia pallida como bioindicador da qualidade do ar, Campina (2009) conduziu uma pesquisa em parceria com a Escola Estadual Prof. José da Costa. O estudo buscou envolver os alunos como protagonistas na investigação ambiental, incentivando uma postura crítica e participativa. Os resultados revelaram a predominância da Educação Ambiental Crítica, apesar de também apresentar elementos das concepções conservadora e pragmática (LAYRARGUES; LIMA, 2014).



Métodos e ferramentas

A metodologia da presente pesquisa será qualitativa e de cunho autoetnográfico, levando em conta o relato de experiência e a reflexão da práxis pedagógica realizadas. Ao estudar sobre a metodologia autoetnográfica, Santos (2017) evidencia que:

(...) a reflexividade assume um papel muito importante no modelo de investigação autoetnográfico, haja vista que a reflexividade impõe a constante conscientização, avaliação e reavaliação feita pelo pesquisador da sua própria contribuição/influência/forma da pesquisa intersubjetiva e os resultados consequentes da sua investigação” (p. 5).

Chang (2008) divide a metodologia em um modelo triádico: orientação metodológica (aspecto etnográfico e analítico), orientação cultural (aspecto interpretativo) e de fatores vividos (partindo da memória e da relação entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa). Esse modelo é fundamental na práxis pedagógica de um educador-pesquisador, contribuindo para uma contínua reflexão sobre a prática educativa e busca por embasamento teórico na atuação docente. Desse modo:

“O professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se propõe também a produzir conhecimento sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua prática. O que distingue um professor pesquisador dos demais professores é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias" (BORTONI-RICARDO, 2008, p.46, grifo nosso).

Pensando em como inserir EA nas aulas de Língua Inglesa de maneira contextualizada, Mendonça e Neiman (2003) sugerem que as aulas de línguas estrangeiras, especialmente o inglês, podem ser exploradas para ilustrar a importância de estabelecer laços mais fortes com as culturas às quais pertencem os estudantes. Em 1996, o Ministério da Educação definiu o meio ambiente como “tema transversal” nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), um tema cujo recorte é externo às disciplinas e têm um caráter social. (MENDONÇA; NEIMAN, 2003).

Diante do exposto, as ferramentas para o planejamento das aulas foram pensadas de maneira transversal. O objetivo geral era abordar o ecossistema manguezal e sua importância, levando em conta que os estudantes residem em Cubatão e a cidade é permeada por manguezais, das escolas UME Mário de Oliveira Moreira e UME Jayme João Olcese (Figura 2), portanto trata-se de um tema relacionado ao cotidiano deles.

Figura 2: Localização das escolas UME Mário de Oliveira Moreira e UME Jayme João Olcese, Cubatão-SP, onde as aulas foram ministradas. Fonte: elaboração do autor.

Partindo da leitura do quarto capítulo da obra Amazônia das Crianças, buscou-se refletir com as turmas de 3º ano do Ensino Fundamental I sobre as semelhanças e diferenças entre uma criança que reside no bioma Amazônia e eles, que residem no bioma Mata Atlântica. Siqueira e Neiman (2024), ao analisarem o quarto capítulo do livro, sugerem sequências e atividades didáticas que podem compor o estudo do tema, como a contextualização sobre as problemáticas que ameaçam o mangue (desmatamento e poluição com efluentes - esgotos -lançados na área, enchente da maré devido ao aquecimento global e derretimento das geleiras, entre outras atividades humanas que são extremamente prejudiciais); a biodiversidade local (em especial os caranguejos) e a questão cultural (a lenda da Vaca Velha citada no capítulo). Tais sugestões serviram de inspiração para o planejamento da sequência didática, bem como algumas habilidades da Base Nacional Comum Curricular (2018) específicas do público das aulas (discentes do 3º ano do Ensino Fundamental I). Buscou-se contemplar habilidades de Ciências da Natureza e Geografia (Tabela 1):

Tabela 1: Habilidades da BNCC contempladas no planejamento da sequência didática.

Disciplina

Habilidades do 3º ano do Ensino Fundamental I

Ciências da Natureza

(EF03CI04) Identificar características sobre o modo de vida (o que comem, como se reproduzem, como se deslocam etc.) dos animais mais comuns no ambiente próximo.

(EF03CI06) Comparar alguns animais e organizar grupos com base em características externas comuns (presença de penas, pelos, escamas, bico, garras, antenas, patas etc.).

Geografia

(EF03GE01) Identificar e comparar aspectos culturais dos grupos sociais de seus lugares de vivência, seja na cidade, seja no campo.



A BNCC não possui habilidades específicas de Língua Inglesa no Ensino Fundamental I, pois o ensino de Língua Inglesa é obrigatório em território nacional apenas a partir do 6º ano do Ensino Fundamental II de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), mais especificamente na Lei nº 9.394/1996. No entanto, diante da globalização e da perspectiva de educação integral, a partir de 2022, o Currículo Paulista (CP) incluiu os componentes curriculares Tecnologia, Projeto de Convivência e Língua Inglesa na matriz curricular dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (2023, p. 4). Portanto, as habilidades de Língua Inglesa foram retiradas deste documento normativo para o planejamento da sequência didática (Tabela 2):

Tabela 2: Habilidades de Língua Inglesa do CP no planejamento da sequência didática.

Disciplina

Habilidades do 3º ano do Ensino Fundamental I

Língua Inglesa

(EF03LI03) Utilizar a língua inglesa para descrever características de pessoas, animais, lugares, objetos etc.

(EF03LI04) Reconhecer o tema de uma narrativa por meio do seu título, imagens, recursos multimodais e verbo- visuais, ao acompanhar a leitura docente.

(EF03LI05) Relacionar, apontar, registrar, enumerar por meio de representações verbo-visuais, considerando o tema e o assunto.



A avaliação do êxito da sequência didática aplicada nas turmas ocorreu por meio da elaboração de exercícios que sistematizaram os assuntos abordados em sala. Tais exercícios (ver Apêndice A) foram desenvolvidos de acordo com as habilidades supracitadas, bem como com o vocabulário do capítulo 4 do livro Amazônia das Crianças, mais especificamente do arquivo em pdf de sua versão em Língua Inglesa Children 's Amazon.

Para além de abordar as questões supracitadas e realizar exercícios, os estudantes puderam observar, usando lupas, algumas mudas da espécie mangue-vermelho, uma planta presente tanto na fotografia do capítulo de Amazônia das Crianças quanto nos mangues em Cubatão. Houve também uma reflexão sobre as partes de uma planta e a experiência visual e tátil ao analisá-la de perto, afinal:

“O ato de observar requer colocar atenção no objeto observado, entrar em diálogo com ele, deter o olhar de maneira prolongada, com atitude perceptiva firme. Daí a importância de proporcionar materiais e elementos de observação ativa, em que as crianças possam reconhecer não apenas com a vista, mas também tocando, apalpando com as mãos, o volume, o contorno, a forma dos objetos, as qualidades táteis, a temperatura, o tamanho, o peso, a consistência, as semelhanças e as diferenças” (MIRANDA, 2007).

É importante citar que, nas duas escolas e nas duas turmas de 3º ano em que as aulas foram ministradas, havia lousa digital. Isso facilitou a projeção do arquivo para que, enquanto a educadora fizesse a leitura, os estudantes pudessem visualizar e ler concomitantemente. A versão física (em Língua Portuguesa) também foi usada para que as crianças pudessem manusear o livro e apreciar as fotografias de perto.

Em relação à caracterização sociocultural das escolas estudadas, pode-se afirmar que em ambas há estudantes em situação de vulnerabilidade social. De acordo com o Diagnóstico ODS da Prefeitura, o município em si apresenta “uma proporção de crianças extremamente pobres - renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais - acima do patamar estadual” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CUBATÃO, 2023, p.51)



A importância do storytelling nas aulas de Língua Inglesa e da produção de obras bilíngues sobre a cultura brasileira

Dentre as concepções de aprendizagem de línguas existentes, esta pesquisa defende uma visão sociocultural. Vygotsky (2001) salienta que o indivíduo é um ser que age no mundo social, histórico e culturalmente construído e essa relação dele com o meio ambiente não é unilateral, pois o ser humano se forma e interage com seus semelhantes e seu mundo numa relação intercomplementar de troca. Diante disso, a sequência didática pensada nas aulas de inglês buscou abordar o ecossistema manguezal de forma significativa e contextualizada, partindo de uma contação de história sobre o tema, numa perspectiva bilíngue de ensino, de forma que as crianças “estudem na língua alvo e não a língua alvo” (ALVES; FINGER, 2023).

Uma das formas de abordar temas transversais de forma contextualizada e significativa é partindo da contação de histórias (storytelling). Usar a leitura de uma história como fio condutor de aprendizagem permite com que o estudante seja capaz de internalizar estruturas linguísticas, expressões, vocabulário e pronúncia, tornando-se mais fluente e eloquente de maneira lúdica, subjetiva e atrativa (CAMARGO; PLETSCH, 2010).

Bakhtin (2000) defende que linguagem e ideologia são termos indissociáveis. Portanto, a escolha da obra Amazônia das Crianças foi intencional para abordar e valorizar a cultura brasileira por meio do relato de uma criança residente do Pará. É importante salientar que isso só foi possível porque os autores da obra disponibilizaram uma versão em Língua Inglesa - LI, mas nem sempre há textos ou obras bilíngues feitas por autores brasileiros e sobre a cultura local. Portanto, o investimento em obras bilíngues sobre temáticas culturais brasileiras é imprescindível no mundo globalizado em que estamos, para que as aulas de inglês nas escolas deixem de limitar-se a enaltecer a cultura estadunidense e abordem temas plurais e representativos sob uma perspectiva decolonial. Desse modo, alcançaremos inéditos viáveis (FREIRE, 1997), especialmente na escola pública, superando as situações-limites da falta de recursos, desvalorização da cultura brasileira e imposição de ideais imperialistas no ensino.



Práxis pedagógica: análise autoetnográfica das aulas na UME Mário de Oliveira Moreira

As aulas mediadas na UME Mário de Oliveira Moreira aconteceram numa turma multisseriada com crianças especificamente do 3º ano do Ensino Fundamental I. Trata-se de uma escola com número de estudantes por turma menor do que as outras da rede municipal, isso se justifica por estar localizada num bairro isolado da cidade. As crianças atendidas na escola são residentes do bairro Vale Verde e Vale Novo.

A duração da sequência didática foi de 2h/a, sendo cada aula composta por 45 minutos. Iniciou-se com a leitura do quarto capítulo do livro Amazônia das Crianças em língua inglesa e, nesse momento, as crianças demonstraram concentração com a contação da história, algumas até pedindo para fazer a leitura de alguns trechos. Mesmo que o texto estivesse em outro idioma, elas já estão acostumadas com a leitura de obras em língua inglesa, portanto não foi algo isolado e a parte do que já acontece nas aulas.

Após a leitura, fiz algumas traduções e contextualização geral em língua portuguesa sobre o conteúdo do capítulo. As crianças então compartilharam experiências vividas nos mangues de Cubatão parecidas com as do relato de Marco, a criança do quarto capítulo do livro. Aproveitei para explicar sobre características de espécies do mangue como o mangue-vermelho e o mangue-preto, e as crianças puderam observar mudas de mangue-vermelho com lupas após a explicação (Figura 3). O uso da lupa para a observação das mudas foi empolgante para as crianças, pois elas até então não tinham a prática de usar tal objeto em sala.

Figura 3: estudante daUME Mário de Oliveira Moreira observando uma muda da espécie mangue-vermelho com o uso da lupa. Fonte: elaboração do autor.

Ainda sobre a leitura realizada, perguntei se elas já conheciam a lenda da Vaca Velha e nenhuma relatou conhecer, mas se interessaram pela história e em pesquisar outras lendas de outras regiões brasileiras, especialmente da região Sudeste.

Em se tratando da realização dos exercícios elaborados para o planejamento didático em questão, as crianças não demonstraram dificuldade em encontrar o vocabulário pedido no texto.

Diante do exposto, o livro Amazônia das Crianças foi uma boa escolha como fio condutor de aprendizagem sobre o ecossistema manguezal. As fotografias da obra contribuíram para engajar os estudantes na leitura e interessá-los em prestar atenção.



Análise autoetnográfica das aulas na UME Jayme João Olcese

As aulas mediadas na UME Jayme João Olcese aconteceram na turma de 3º ano B. A escola possui três turmas de terceiros anos, mas a escolha de ministrar o planejamento especialmente no 3º ano B se deu pelo fato de a turma já estar estudando sobre questões ambientais em Língua Inglesa e por se engajar bastante nessa temática.

Por se tratar de uma escola integral, as turmas são superlotadas (atingindo 30 alunos por sala), um número consideravelmente maior do que a escola relatada anteriormente. A aplicação do planejamento não foi prejudicado devido a esse fator, no entanto, o tempo de disponibilidade para ouvir o relato de cada criança, suas experiências no mangue e suas dúvidas foi comprometido devido a quantidade de estudantes. Durante a realização dos exercícios elaborados, foi possível tirar as dúvidas nas de maneira coletiva, não tão individualizada como na outra unidade.

Após a contação da história, o livro físico passou pelas carteiras para que as crianças pudessem folhear e observar de perto as ilustrações. Ao observar as ilustrações do mangue retratado no capítulo, muitas crianças relataram de maneira espontânea suas experiências nos mangues de Cubatão. Uma das crianças comentou entusiasmada “eu também já peguei um caranguejo desse tamanhão” (Figura 4).

Figura 4: estudantes da UME Jayme João Olcese observando as ilustrações do livro e compartilhando suas experiências em pegar caranguejo no mangue de Cubatão.

Fonte: elaboração do autor.

Desse modo, conclui-se que a quantidade de estudantes por turma impacta consideravelmente na plena atenção aos estudantes no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, o livro utilizado foi bem-sucedido em ambas as experiências. As ilustrações da obra foram fio condutoras de memórias afetivas por parte dos estudantes, que se conectaram com o relato da criança da obra e lembraram de suas próprias experiências.



Considerações finais

A presente pesquisa buscou relatar de maneira autoetnográfica a práxis pedagógica do tema transversal EA em aulas de Língua Inglesa, em duas turmas do 3º ano do Ensino Fundamental I de escolas públicas no município de Cubatão. Na primeira parte, abordou sobre a relevância da cidade para a história ambiental no Brasil, bem como a importância do ecossistema manguezal ali presente para justificar a relevância de abordar esse tema nas aulas. Na seção de metodologias e ferramentas, citou documentos norteadores como a Base Nacional Comum Curricular e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o planejamento didático, bem como a importância da contação de histórias (storytelling) e da escolha específica do livro Amazônia das Crianças para ser o fio condutor de aprendizagem. A terceira e última parte relatou a experiência prática da leitura da obra, da roda de conversa e dos exercícios realizados pelas crianças em duas escolas diferentes, comparando a quantidade de alunos por turma e citando as semelhanças e diferenças na aplicação do mesmo planejamento em cada escola.

Diante do exposto, conclui-se que o livro Amazônia das Crianças foi uma escolha viável para alcançar os objetivos pretendidos no planejamento didático. Salienta-se que a produção de obras bilíngues sobre a cultura brasileira é importante para abordar temas transversais nas aulas de inglês, bem como para promover uma perspectiva decolonial no ensino de idiomas. A práxis pedagógica em duas escolas diferentes demonstrou que a quantidade de estudantes por turma interferiu na dinâmica das aulas, sendo que a sala de aula com menos crianças proporcionou maior tempo de escuta de opiniões dos estudantes e maior dedicação individual a cada um. O fato de as crianças terem se maravilhado ao poder observar uma muda da espécie de planta mangue-vermelho com lupas demonstrou a importância de proporcionar experiências táteis e visuais no ensino de Educação Ambiental.



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Ilustrações: Silvana Santos