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Para a ganância, toda a natureza é insuficiente. Sêneca
ISSN 1678-0701 · Volume XXIII, Número 91 · Junho-Agosto/2025
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EXTREMOS CLIMÁTICOS MARCARÃO A VIDA DE CRIANÇAS EM TODO O MUNDO Redação
Estudo global revela que nova geração será a mais afetada por ondas de calor, secas, enchentes, ciclones e falhas de safra Pesquisa mostra que 1,69 bilhão de crianças entre 5 e 18 anos viverão mais eventos climáticos extremos do que qualquer geração anterior, com impactos mais severos sobre populações vulneráveis e países tropicais; cientistas alertam para urgência de limitar o aquecimento global a 1,5°C antes da COP30 no Brasil. Ondas de calor, perdas agrícolas, enchentes fluviais, ciclones tropicais, incêndios florestais e secas tendem a se intensificar com o avanço do aquecimento global. As crianças de hoje enfrentarão mais eventos climáticos extremos do que qualquer geração anterior. “Em 2021, mostramos que as crianças viverão um aumento desproporcional na exposição a eventos extremos – especialmente em países de baixa renda. Agora, identificamos onde a exposição acumulada ao longo da vida será muito maior do que teria sido em um clima pré-industrial”, afirma Wim Thiery, professor de ciência do clima na Universidade Livre de Bruxelas (VUB) e autor sênior do estudo publicado na revista Nature. “Viver uma vida sem precedentes, neste contexto, significa que, sem as mudanças climáticas provocadas pelo homem, haveria menos de 1 chance em 10 mil de se experimentar tantos extremos climáticos ao longo da vida”, explica o cientista climático Dr. Luke Grant, autor principal da pesquisa e pesquisador da VUB e do órgão canadense Environment and Climate Change Canada (ECCC). Esse limite rigoroso define populações expostas a extremos climáticos muito além do que se esperaria em um mundo sem alterações antrópicas no clima. O estudo mostra que a gravidade da exposição varia de acordo com o local e o tipo de evento extremo. Combinando dados demográficos e projeções climáticas para cada região do planeta, os pesquisadores calcularam o percentual de pessoas nascidas entre 1960 e 2020 que enfrentarão níveis inéditos de exposição a extremos climáticos ao longo da vida. Impacto geracional da mudança climática Quanto mais jovem a pessoa, maior a probabilidade de enfrentar uma vida marcada por eventos climáticos extremos sem precedentes. Mesmo que o aquecimento global seja limitado a 1,5°C, 52% das crianças nascidas em 2020 enfrentarão um número sem precedentes de ondas de calor durante a vida – contra apenas 16% das nascidas em 1960. Esse efeito é especialmente acentuado para quem nasceu após 1980, período em que as mudanças climáticas passaram a influenciar fortemente os níveis de exposição. “Se estabilizarmos o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, cerca de metade das crianças de hoje viverá um número inédito de ondas de calor. Já em um cenário de 3,5°C, mais de 90% delas enfrentarão esse tipo de exposição”, alerta Grant. O mesmo padrão se aplica a outros eventos extremos, como secas, incêndios e enchentes, embora com percentuais um pouco menores. Ainda assim, o estudo evidencia uma clara e injusta disparidade geracional. Em um cenário de aquecimento de 1,5°C, crianças de países tropicais serão as mais afetadas. Mas, sob trajetórias de altas emissões, quase todas as crianças do mundo terão uma vida exposta a extremos sem precedentes. Vulnerabilidade climática e injustiça social A pesquisa também ressalta as desigualdades sociais na crise climática. Sob as políticas climáticas atuais, 95% das crianças nascidas em 2020 em situação socioeconômica mais vulnerável enfrentarão exposição inédita a ondas de calor ao longo da vida – em comparação com 78% das crianças mais privilegiadas. “São justamente as crianças mais vulneráveis que sofrem a pior escalada dos eventos climáticos extremos. Com poucos recursos e opções de adaptação, enfrentam riscos desproporcionais”, observa Thiery. Urgência de ação global Às vésperas da COP30, que será realizada no Brasil, os países precisam apresentar compromissos climáticos mais ambiciosos. Com as políticas atuais, estima-se que o aquecimento global ultrapasse 2,7°C até o fim do século. O estudo e o relatório relacionado da organização Save the Children reforçam a urgência de limitar o aquecimento a 1,5°C para proteger as gerações atuais e futuras. “Crianças em todo o mundo estão sendo forçadas a suportar o peso de uma crise pela qual não são responsáveis: calor perigoso que prejudica sua saúde e aprendizado, ciclones que destroem suas casas e escolas, secas que arrasam colheitas e esvaziam seus pratos”, afirma Inger Ashing, CEO da Save the Children International. “Diante dessa sequência diária de desastres, as crianças nos imploram para não virarmos as costas. A pesquisa mostra que ainda há esperança – mas apenas se agirmos com urgência e ambição para limitar rapidamente o aquecimento global a 1,5°C, colocando de fato as crianças no centro da resposta climática.” Com as emissões globais ainda em alta e a temperatura média do planeta a apenas 0,2°C do limite de 1,5°C, “os líderes mundiais devem agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aliviar o fardo climático imposto à juventude atual”, conclui Thiery. Impacto por tipo de evento climático extremo em crianças de 5 a 18 anos Ondas de calor Cenário 1,5°C: 855 milhões de crianças expostas Cenário 2,7°C: 1,353 bilhão de crianças expostas Cenário 3,5°C: 1,509 bilhão de crianças expostas Perdas agrícolas Cenário 1,5°C: 316 milhões Cenário 2,7°C: 400 milhões Cenário 3,5°C: 431 milhões Incêndios florestais Cenário 1,5°C: 119 milhões Cenário 2,7°C: 134 milhões Cenário 3,5°C: 147 milhões Secas Cenário 1,5°C: 89 milhões Cenário 2,7°C: 111 milhões Cenário 3,5°C: 116 milhões Enchentes fluviais Cenário 1,5°C: 132 milhões Cenário 2,7°C: 188 milhões Cenário 3,5°C: 191 milhões Ciclones tropicais Cenário 1,5°C: 101 milhões Cenário 2,7°C: 163 milhões Cenário 3,5°C: 163 milhões Fonte: Free University of Brussels Referência: Grant, L., Vanderkelen, I., Gudmundsson, L. et al. Global emergence of unprecedented lifetime exposure to climate extremes. Nature 641, 374–379 (2025). https://doi.org/10.1038/s41586-025-08907-1
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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