Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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O
contato com a natureza como experiência significativa de vida: análise de
entrevistas com especialistas ligados ao Meio Ambiente Zysman
Neiman[1] Resumo: Este artigo analisa a trajetória de vida e os
momentos cruciais de conversão de cinco profissionais ligados à área
ambiental, cujos depoimentos foram colhidos através de entrevistas não
direcionadas. Seus depoimentos contribuem para revelar algumas semelhanças que
parecem ser relevantes para a compreensão dessa conversão: o
contato direto com a natureza e o exemplo de outras pessoas, ou organizações. Palavras Chave:
Educação Ambiental; História de Vida; Ambientalismo. Abstract: This
article examines the trajectory of life and the key moments of conversion of
five professionals linked to the environmental area, whose testimonies were
collected through interviews not targeted. His testimonies contribute to reveal
some similarities that we seem to be relevant for the understanding of this
conversion: the direct contact with nature and the example of other people or
organizations. Key
words: Environmental
Education; Life Hystory; Environmentalism. Introdução Kramer
e Souza (1996), Minayo (1996), Thompson (1992) e Velho (1989), enfatizam o papel
fundamental da história de vida nas investigações sociais, considerando-a
como estratégia de compreensão de realidade, tendo sua aplicação vinculada a
construções biográficas e autobiográficas de pessoas, grupos e instituições.
Para Bosi (1994), o único modo
correto de compreender uma história de vida é levar o sujeito a fazer a narração
de sua autobiografia, “o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa
tem de lembrar” (p.68). As
pesquisas que usam a história de vida como método, objetivam propiciar um
campo interpretativo dos fenômenos que rompa com a noção de um determinismo
da História em relação às histórias, considerando que a valorização dos
sujeitos - atores sociais - oferece um campo de investigação no qual a relação
entre o individual e o social seja de reciprocidade, e de interconstrução
(TEIXEIRA, 2003). Utilizar
relatos numa tentativa de se melhor compreender determinado fenômeno social é
metodologia corriqueira nas ciências sociais e, com relação à questão
ambiental, vem sendo utilizada por alguns autores, como Carvalho (2001) e Urban
(2001). Não
se pode querer que os relatos, como em qualquer pesquisa
qualitativa, possam revelar uma “exatidão” dos
fatos. No
entanto, para Bosi (2003:65-66), “ser
inexato não invalida o testemunho. Diferentemente da mentira, muitas vezes
exata e detalhista. Vivemos numa sociedade a quem foi roubado o domínio do
tempo, marcada pela descontinuidade. A narrativa é sempre uma escavação
original do indivíduo, em tensão constante contra o tempo organizado pelo
sistema. Esse tempo original e interior é a maior riqueza de que dispomos. Qual
versão de um fato é a verdadeira? Nós estávamos e sempre estaremos ausentes
dele. Não temos, pois, o direito de refutar um fato contado pelo memorialista,
como se ele estivesse no banco dos réus para dizer a verdade, somente a
verdade. Ele, como todos nós, conta a sua verdade”. Velho
(1989) acredita que a narrativa de histórias de vida ("pesquisa-diálogo")
é um método privilegiado de acesso às experiências e às dificuldades
vividas por uma pessoa e ao modo como ela interpreta sua experiência frente a
um outro sujeito que, investido da função de "pesquisador-autor"
participa ativamente da construção da narrativa. O autor propõe um trabalho
de pesquisa que considere a interferência emocional do pesquisador, ressaltando
que sua marca não se coloca somente no momento da entrevista propriamente dita,
mas a antecede e é continuada com o trabalho de organização e interpretação
dos dados. Para
Carvalho (2001:30-31) “uma
maneira produtiva de compreender a experiência do educador ambiental seria tomá-lo
como um intérprete de seu contexto, ao mesmo tempo em que é um sujeito
interpretado. (...) Diferentemente de um sujeito-observador, situado fora
do tempo histórico, perseguindo os sentidos verdadeiros, reais, permanentes e
inequívocos, o sujeito-intérprete estaria diante de um mundo-texto,
mergulhado na polissemia e na aventura de produzir sentido a partir de seu
horizonte histórico”. Este
artigo optou por analisar a trajetória de vida e os momentos cruciais de
conversão de cinco profissionais ligados à área ambiental. Os depoimentos
foram colhidos de modo livre através de entrevistas não direcionadas, onde os
atores foram convidados a relembrar sua história e tentar detectar nela os
fatos marcantes que promoveram sua conversão ao ambiental. Seus depoimentos contribuem para revelar algumas semelhanças que nos
parecem ser relevantes para a compreensão dessa conversão. Segundo
Bosi (2003), “quando
se trata de história recente, feliz o pesquisador que se pode amparar em
testemunhos vivos e reconstruir atitudes e sensibilidades de uma época! (p.16-17)
(...) Um 'vol
d’ oiseau' sobre a evocação
biográfica nos fará ver, como numa tapeçaria, um mosaico de áreas mais ou
menos densas, mais ou menos ligadas, algumas abandonadas, outras cultivadas
amorosamente. E pontos privilegiados, como torres ou marcos, focos de atração
na paisagem (p.62)”. São
justamente alguns desses marcos que podem dar pistas sobre o processo de conversão
de cada um. Os
entrevistados foram escolhidos por se tratarem de profissionais com pelo menos
10 anos de atuação no campo ambiental (no momento da entrevista)
e terem reconhecimento pelo trabalho que realizam. Embora não se
configurem como as principais lideranças do movimento, como no caso dos
trabalhos de Carvalho (2001) e Urban (2001), têm a sua história de vida
diretamente atrelada ao movimento ambientalista, sendo, portanto, exemplaridade
no que se refere às atitudes pró-ambiente. Os entrevistados Rita
Mendonça,
Diretora do Instituto Romã de Vivências na Natureza e coordenadora do Programa
“Caminhadas Ecológicas e Filosóficas” da Associação Palas Athena, é
autora de livros, como “Como cuidar do seu meio ambiente”, “À
Sombra das Árvores” e” Conservar e Criar”. Em
entrevista concedida dia 26/06/2003, em São
Paulo, revelou que passou sua infância em uma pequena cidade no interior,
mas foi só no cursinho pré-vestibular,
em São Paulo através de um professor, que
teve pela primeira vez contato com
os conceitos de “impactos na natureza” e “ecossistemas”, e aquilo lhe
pareceu completamente fascinante. A
convivência com um namorado lhe influenciou na decisão de cursar biologia. Por
intermédio de uma colega que, em 1975 estudava no Instituto de Biociências da
USP, assistiu a algumas aulas como ouvinte, o que lhe deu a certeza de que
deveria seguir o caminho da biologia. Mas
depois que ingressou no curso, a biologia foi lhe frustrando progressivamente.
Na época Rita não tinha clareza, e só mais tarde (vinte anos, segundo
revelou) veio a compreender que sua busca é entender porque, apesar de sabermos
que estamos caminhando para a nossa destruição, somos impelidos a ser como
somos? Sua
principal frustração é que a biologia faz pouca referência sobre a questão
ambiental. Aquele que deveria ser o estudo da vida era apenas o estudo do
suporte sobre o qual a vida se processa. A vida em si, para Rita, é assunto da
filosofia, e não da biologia. Ainda
durante a faculdade, foi morou em um sítio no município de São Roque–SP.
Formada, decidiu fazer pós graduação na França (com dissertação de
mestrado sobre a Amazônia), onde ficou amiga de pessoas que eram muito
combativas na questão ambiental. Cinco
anos mais tarde, passou um período em João Pessoa - PA, onde trabalhou com
pesquisa em Ecologia Humana, e regressou para São Paulo, aonde veio a trabalhar
numa empresa de engenharia, atuando na coordenação de estudos ambientais. Anos
mais tarde, foi trabalhar no Instituto Florestal (IF) com Unidades de Conservação
do Estado de São Paulo, localizadas na região litoral-sul. Foi lá que se
aproximou mais da questão da relação homem/natureza. Para Rita, a Estação
Ecológica da Juréia-Itatins era um lugar de muitos conflitos, mas “lindo,
maravilhoso”, e durante seu trabalho na região procurou
sensibilizar o próprio IF sobre a relevância da manutenção dos
moradores na região. Fez
algumas consultorias na área ambiental e foi convidada a trabalhar no SENAC, na
implantação do curso de Especialização em Turismo Ambiental (depois,
Ecoturismo). Em 1994 viajou pela primeira vez aos Estados Unidos; foi quando
conheceu os livros do Professor Joseph Cornell e teve clareza do que de fato
queria. Na entrevista realizada para este estudo, Rita declarou a importância
que esse encontro teve na sua escolha para trabalhar diretamente com grupos nas
áreas naturais, revelando que, no seu caso, o exemplo de outras pessoas, parece
ter sido decisivo: -
“Um dia fui visitar o WWF, olhei uma estante, vi o livro do Joseph
Cornell, e comecei a folhear... Aí realmente, eu fui pirando... Acho que
foram tantos anos de um desejo interno que eu não sabia identificar, de repente
nesse momento, veio tudo de uma vez... ‘ isso aqui é tudo o que eu quero, tem
a minha cara’. E isso foi reforçado por uma frase que ele escreve logo na
introdução: ‘Não se sinta mal se você não sabe nomes’. Ele disse aquilo
logo para mim, que me sentia na obrigação de saber o nome de tudo, e não
sabia de nada... meia dúzia de coisas... se você sabe de plantas, não sabe de
crustáceos, não sabe de mamíferos. E eu... eu achava que meus colegas
entendiam tanto... eu nunca havia entrado de verdade no universo da biologia...
Aí vem esse frasezinha aqui... Então eu falei:’é com esse que eu vou!’”
Rita
traduziu o livro em 1996 e promoveu a vinda do Prof. Cornell para o seu lançamento
no Brasil. Desde então, realizou com ele cursos pelo Brasil e ampliou seu contato
com as técnicas da “Sharing Nature Foundation” - entidade
internacional voltada para o desenvolvimento de atividades de percepção da
natureza - tornando-se sua coordenadora
no Brasil. Foi este envolvimento que culminou com a criação do Instituto Romã
de Vivências na Natureza. .
. . Mônica
Pilz Borba, é Diretora e sócio-fundadora do Instituto 5 Elementos, e
Pedagoga com experiência em educação infantil. Especializou-se
em Educação Ambiental (EA) pela USP e em Teoria e Prática do Meio
Ambiente pela CETESB-SP. Coordenou vários programas e publicações de EA que
receberam o Prêmio Itaú Unicef em 1997. Em
entrevista concedida no dia 28/06/2003, em São Paulo, contou que fez um curso
de arte-educação quando ainda tinha 17 anos, tendo, durante um ano, aulas com
grandes nomes da área de educação. Foi assim que se aproximou da antroposofia
e descobriu o universo das questões orientais, da yôga, da alimentação
natural. Fez
parte de grupos de bandeirantes, entre os 17 e os 20 anos, quando então
participou de grandes viagens pelo Brasil e teve contato intenso com natureza.
Trabalhava autonomamente em épocas de natal e, com o dinheiro conquistado,
viajava com seus amigos e amigas. Chegou a “descer” o rio São Francisco e
ir até Fortaleza-CE de carona. Essas
e outras oportunidades lhe proporcionaram um grande conhecimento sobre o país e
sua realidade, não só sobre a natureza, mas sobre a população e a pobreza.
Para Mônica, vivenciar tais experiências foi fundamental para sua conversão a
questão ambiental, como declarou: -
“Quando eu era criança, queimei a minha mão e passei umas férias inteiras
com a mão queimada... Eu tinha onze anos, ou seja, já não era tão pequena.
Eu sabia muito bem, mas eu acabei queimando a mão num lampião a gás... Mas
nunca deixei de gostar de fogo por causa disso, e sim a respeitá-lo. Então
essa coisa do respeito, do medo, do prazer, acho que é só
vivenciando mesmo que se adquire... Comigo foi assim. Eu vejo assim: é
preciso que as pessoas vivenciem mais. Não acho que vamos criar pessoas que
gostem da natureza sem conviver com ela...” Decidiu
cursar pedagogia na PUC - SP, porque queria contribuir um pouco com a mudança
da “escola chata” para uma “escola prazerosa”. Logo teve
uma oportunidade de trabalhar durante dez anos numa escola particular
com uma visão de educação que lhe ensinou muito, sobre como “não
‘apertar’ os alunos”, como fazer o conhecimento realmente ser algo
dentro do ‘timing’ de cada aluno, com muito prazer envolvendo cada
atividades. Desde
que terminou a faculdade, Mônica começa a freqüentar a ONG Pró-Juréia. Lá,
participa da criação um centro de EA. Com os contatos que fez, monta,
juntamente com outros colegas, um grupo de estudos sobre EA e como esse tema
poderia ser inserido na escola. Este grupo de estudos foi o berço do Instituto
5 Elementos, fundado em 1993. Os
projetos dentro da instituição crescem no mesmo ritmo que a EA neste mesmo período.
Mônica e sua equipe passam a atuar em parques urbanos trazendo as crianças
para um aprendizado prazeroso, sobre as questões sócio-ambientais urbanas,
junto à natureza. Outros projetos, como a implantação de coleta seletiva a
partir da capacitação de professores e palestras para alunos, fizeram-na
aprender muito sobre o funcionamento de instituições do terceiro setor e a
viabilização de projetos. Porém,
como achava que os resultados eram um tanto tímido frente às questões
ambientais que enfrentamos na atualidade, colabora, a partir de 1998, com a
reconstrução e fortalecimento da REPEA – Rede Paulista de Educação
Ambiental, onde atua, desde 2003 como coordenadora da Secretaria Executiva. .
. . Maria
Cecília Wey de Brito, a Ciça,
foi Diretora do Instituto Florestal de São Paulo, e já exerceu a função de
Coordenadora do Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, do
Programa Estadual para Conservação da Biodiversidade – PROBIO, e da Aliança
para a Conservação da Biodiversidade (IUCN). Em
entrevista concedida em 24/06/2003, em São Paulo, relembrou que desde criança
freqüentava, com seus pais, as pequenas fazendas de criação de gado em Mato
Grosso do Sul, nas quais os próprios donos são também os empregados. Durante
o curso fundamental se lembra de que ficava muito impressionada pelos comentários
dos professores sobre o sol deixar de existir daqui a cinco milhões de anos, e
isso provocava nela um sentimento de que alguma coisa precisava ser feita. Seu
pai manteve com os filhos uma formação muito conservadora. Assim, as coisas
tradicionais, o “como era bom antes”, foram muito marcantes nas
experiências da infância de Ciça nas fazendas. Havia um contraste cultural
muito grande entre o que era a sua vida urbana, e a vida cotidiana daqueles
fazendeiros, fato que lhe proporcionou muito aprendizado. Como seu pai contava
muitas histórias da sua vida, Ciça ficou apegada a um tempo histórico que,
mesmo não vivido, se tornou seu próprio. Em
1979 ingressa no curso de agronomia da Escola Superior de Agricultura "Luiz
de Queiróz" (ESALQ). Nesta época, Ciça sabia que gostava muito de
biologia, mas acreditava que a profissão de “professor”, a única
possibilidade que lhe parecia destinada a esses profissionais, era muito pouco
para ela. A agronomia parecia juntar sua vivência na fazenda com o seu
interesse pela biologia. Quando
concluiu o curso, em 1982, Ciça foi visitar no Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT), uma equipe que trabalhava com geologia aplicada e tinha um projeto de
irrigação e módulos agrícolas no Nordeste. Mesmo sem remuneração começou
a trabalhar como estagiária nessa área, fazendo cálculos sobre a boa composição
de ração para aqueles animais do semi-árido. Por
indicação de técnicos do IPT, Ciça vai trabalhar, ainda sem remuneração,
na SUDELPA, (Superintendência para Desenvolvimento do Litoral Paulista), órgão
que na ocasião cuidava de uma área no Estado de São Paulo, com apoio aos
agricultores locais, principalmente bananicultores, numa região muito
conservada. Na
ocasião, já tinha sido viabilizado pelo Governo um projeto que se chamava
“Grupo de Resolução de Conflito de Terra”. Ciça é então contratada e
teve que trabalhar com agricultores em conflitos de terra, dispensar técnicas
agrícolas que havia aprendido na faculdade (tecnicidade, mecanização etc.),
uma vez que a realidade ali não tinha nada a ver com aquilo. Era uma região
que, sabidamente, com aquela tecnologia empregada pelos moradores, não havia
como fazer melhor. Por
ter ficado incongruente a sua participação no projeto, em 1986 Ciça escreve
um documento para os seus coordenadores, solicitando autorização para só
trabalhar com a temática ambiental. As
áreas de conflito com as quais ela trabalhava eram quase todas dentro de
Unidades de Conservação, já estabelecidas naquela época. Assim, esses temas
começaram a ser, na verdade, necessário para o seu trabalho. Dentro daquele
contexto que estava vivendo é que começa, de fato, a trabalhar com a questão
do meio ambiente, pesquisando de forma autodidata. Apesar do contato com
natureza que acompanhou sua infância na fazenda, esse trabalho parece ter sido
o fato mais significativo na sua conversão, como declara: -
“Esse trabalho nosso de conflito de terra, nos fez andar muito a pé,
literalmente, no Vale do Ribeira e litoral. Muito! E ao fazer isso, obviamente
você toma contato com essas áreas naturais, com rio, com cachoeiras e com
matas que têm sua conservação já bastante bem resolvida. E isso, cria em você
um certo prazer, uma certa necessidade até de ter que ir a esses lugares, de
ter que vivenciar aquilo com mais freqüência. E aí, para você poder fazer
isso, e talvez isso seja um ponto interessante, vem aquela história de você
vivenciar para poder saber como é legal, como eu devo querer ter isso sempre e
ter isso sempre significa conservá-lo de alguma forma. Então, por ter que
fazer essas andanças eu passei a ter muito mais acesso a isso, gostar de fazer
isso, era diferente de quando eu ia à fazendas, mesmo aquelas de áreas ainda
bastante bem conservada do Mato Grosso do Sul. O ecossistema era totalmente
diferente. No cerrado, eu tinha contato com seriema, cobra, arara, sei lá, e
outros bichos mais específicos do cerrado, e de repente eu vou para um outro
sistema que era até mais (ou deveria ter sido) particular meu, a Mata Atlântica,
mas com o qual eu tinha pouco contato. Foi então que se juntaram essas duas
leituras e ai eu acho que a coisa deflagrou.” Em
1987 a sociedade começou a discutir muito mais a fundo a questão da Estação
Ecológica da Juréia-Itatins, o projeto de usina nuclear da Nuclebrás, e todas
as brigas que decorreram daquele conflito. Nessa época Ciça acompanha a
passagem do Núcleo Picinguaba em Ubatuba – SP para o Poder Público, assiste
a aparição da "Associação em Defesa da Juréia", e a criação da
"SOS Mata Atlântica", enfim a gestação de toda uma fase do
movimento ambientalista paulista. Apesar de não exercer a liderança, ela
estava muito próxima desses fatos. Nessa
época, consegue uma bolsa de estudos no Canadá para trabalhar na área de
Parques, oportunidade que foi mantendo-a sempre ligada a área de conservação.
Em 1987, quando é criada a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Ciça é
contratada para trabalhar desde o seu primeiro dia de existência. Daí para
frente continua trabalhando, até hoje, com nuances no foco, basicamente na área
de conservação ambiental. Essa trajetória culminou com o cargo de Diretoria
do Instituto Florestal de São Paulo, que exerceu entre 2003 e 2007. .
. . Marcelo
Teixeira César de Oliveira, é Diretor-Presidente da ONG "Ipá Ti-Uá
– Vivência Ambiental", e dedica-se à execução de projetos de EA, além
de ser professor e jornalista free-lance.
Já recebeu dois prêmios de jornalismo por matérias escritas sobre Meio
Ambiente e foi co-autor do Livro "Aves no Pantanal". Em
entrevista concedida no dia 20/06/2003, em São Paulo, relembrou que seu estímulo
para as questões da natureza sempre veio da família. Seus avós sempre tiveram
ligação com plantas, com animais, com natureza. Seu pai velejava nas represas
Guarapiranga e Billings, remou e bebeu água no rio Tietê, foi um dos primeiros
a fazer mergulho autônomo no Brasil, visitou a Caverna do Diabo em 1958, quando
ninguém pensava em fazer isso. Marcelo, quando criança, “cuidou de
cachorros, deu remédios para periquito, teve contato com tartaruga, araras,
papagaio, codorna, preá, aquário, lagarto”, e esse estímulo ele recebia
da sua avó e de seu pai. Durante
muitos anos sua família teve o hábito de viajar de forma intercalada entre
litoral e interior. Em Piracicaba-SP, Marcelo andou no meio do mato, pescou no
rio, e visitou o sítio de um tio especialista em Nematóides na ESALQ, que foi
uma das pessoas que mais lhe influenciaram.
Esse tio plantou espécies do mundo inteiro que ele trazia das viagens
que fazia como professor de agronomia. Eram mais de 200 árvores de frutas que
Marcelo não conhecia mais que adorava provar, uma a uma.
Seu
pai sempre estimulou as muitas habilidades para que Marcelo pudesse usar um
pouco de tudo. O estímulo para a natação, por exemplo, lhe deu segurança
para o mergulho. Essa influência
parece ter sido decisiva na sua conversão e, sobre seu pai, Marcelo declara: -
“Meu pai era um cara inquieto. Quando chegavam para ele e falavam ‘olha a
cachoeira está bonita ali’, ele não queria só a imagem: ele queria ver se a
água do rio estava legal ou não. Então ele pegava a trilha e entrava no mato,
sem medo. Ele sempre teve um espírito um pouco aventureiro. Por exemplo, ele
sempre quis dar a volta ao mundo de veleiro, mesmo nunca tendo dinheiro para
isso, esse era um sonho que ele alimentou a vida inteira. Ele leu tudo que podia
sobre essas coisas, e ficava ligado nesse tipo de literatura. Nós tivemos em
casa a National
Geographic desde que eu era nenezinho. Eu não sabia ler nada em inglês, mas
todas aquelas imagens das culturas, dos lugares, dos povos, ficaram gravadas na
cabeça”. Quando
estava no terceiro ano da escola técnica
de eletrônica, teve que decidir qual área iria escolher para o vestibular. Após
analisar o material do cursinho, teve com uma convicção que ele não sabe bem
de onde veio, e decidiu que iria fazer biologia. Em
1981, ingressou no Instituto de Biociências da USP. Enquanto freqüentou a
faculdade, Marcelo se destacou pelo envolvimento em projetos paralelos, como a
publicação de jornal dos alunos, e a realização de atividades de campo, o
que lhe valeu, em 1984, um convite para trabalhar com na ONG "Eco-Associação".
Lá tomou gosto pelo trabalho de EA através de visitas ao ambiente natural. Desencantado
com o curso, abandona a faculdade de biologia, e funda, em 1988, a ONG Ipá Ti-Uá
– Vivência Ambiental, juntamente com outros ex-colegas de curso, tornando-se
seu Presidente. Desde então vem se dedicando à projetos de EA e publicando
artigos em diversos periódicos nacionais. Torna-se professor de cursos na área
de Meio Ambiente e publica livros sobre o tema. Em 2006 retoma os estudos de
graduação e se forma em Ciências Biológicas. Em 2007 ingressa no curso de
Mestrado do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. .
. . Mário Barroso Ramos Neto,
é Doutor em Ecologia e gerente do programa de conservação do cerrado da Conservation
International,
tendo atuado no setor público e em ONGs com projetos na área ambiental. Em
entrevista concedida no dia 14/07/2003, em Mineiros – GO, contou que, quando
criança, morou na periferia de São Paulo tendo uma infância bem tranqüila.
Naquele tempo, havia no seu bairro muito terreno desocupado, com mato, insetos,
sapos e um rio com nascente limpa, onde ele sempre brincava com a terra e fazia
pequenos passeios. Na
casa de seu avô Mário gostava de brincar arrancando folhas e flores de árvores
e mexendo com insetos. Para ele, nunca houve a proibição de tocar ou admirar
as coisas da natureza; ao contrário: essa interação sempre foi muito intensa
e vai marcar todo o futuro do jovem biólogo. Durante
boa parte de sua infância e adolescência passou férias em Iguape–SP, pois
seu avô, que era engenheiro agrônomo, tinha projetos na região. Apesar de
conviver pouco com ele, a figura do seu avô lhe marcou muito no seu imaginário,
pois foi um agrônomo pioneiro, que ia para as regiões mais distantes do Brasil
para ensinar novas tecnologias, buscar alternativas e organizar pessoas. A influência
de seu avô fica evidente neste depoimento: -“Ele
foi para Iguape coordenar um projeto com seringueira. Era uma pessoa “do
mato”. Eu nunca o acompanhei, pois ele morreu quando eu tinha uns dez anos,
mas para mim ele era um cara que tinha uma biblioteca, que tinha todo um mistério...
usava bota... tinha um chapéu de campo... Era toda uma coisa que me marcou
muito. E lá em Iguape eu tive um contato muito grande com a natureza. Eu
gostava de andar no mato, sempre gostei de fazer essas coisas, de me embrenhar
em áreas que eu não conhecia... Como, para mim,
fazia meu avô...” Outro
marco importante em sua minha vida foi o exemplo do naturalista Jacques
Cousteau, cujos documentários era exibidos na televisão. -
“A visão do aventureiro, não do cientista, mas da aventura, de quão legal
é estar em um ambiente selvagem, de estar fazendo uma coisa diferente.. Isso,
realmente, em um moleque de uns seis sete anos, deve ter tido uma influência
grande.” Por
influência de um professor do ensino médio, Mário decidiu que iria cursar
biologia. Ingressou na faculdade logo na primeira tentativa, e isso representou
uma grande mudança na sua vida. Por freqüentar o curso noturno do Instituto de
Biociências da USP, pode, durante o dia, vivenciar todos os aspectos da vida
social na universidade, o que foi para ele um deslumbramento. Ao final do
primeiro ano de faculdade já estava estagiando, repetindo a experiência
durante todo o período de estudos, o que lhe proporcionou contato com as
diferentes áreas da biologia. Pesquisou fitossociologia de restinga e, em
seguida conseguiu uma bolsa de estudos no Instituto Butantã para trabalhar com
manejo de cobras em cativeiro, onde permaneceu um ano. Trabalhou, também, um
pequeno período como monitor de atividades de EA, pela empresa
"Biotrip". Em
seguida, fez seu mestrado estudando a caracterização da restinga da Estação
Ecológica dos Chauás, após o que foi convidado a trabalhar por seis meses,
como consultor de uma empresa, no projeto “Olho verde”, da Secretaria
Estadual do Meio Ambiente, cujo objetivo era fazer um mapeamento da cobertura
vegetal do Estado. No
Instituto Florestal, foi contratado para trabalhar com o Parque Estadual de
Jacupiranga, coordenando uma equipe que cuidava da regularização fundiária.
Após ser demitido, passa por um período de transição, seguido de um
doutorado com o Parque Nacional das Emas-GO. Sua
história com o Parque das Emas é bem emblemática. Em 1986, numa viagem com
amigos, pode conhecer o Sr. Antônio Malheiros da Cruz, na época o
Diretor, que era um defensor apaixonado pela região e adorava receber
visitantes de uma maneira muito especial. Seu exemplo de vida influenciou muitas
pessoas a se engajarem na causa ambiental e não foi diferente com Mário. Nesta
mesma viagem ele avistou pela primeira vez um tamanduá-bandeira e esse encontro
mudou sua vida. Seu depoimento reflete bem esse sentimento que tive na época: -
“E... puxa vida, foi uma coisa fantástica na minha vida...
Principalmente por causa do senhor Antônio Malheiros... Seu Antônio Malheiros
era... nós fomos recebidos como... nossa... como pessoas muito especiais! Ele
nunca tinha visto a gente, mas todo mundo foi tratado como pessoas especiais,
mesmo depois, nas outras vezes todas em que a gente voltou. O fato de hoje eu
estar aqui é culpa do seu Antônio Malheiros. 1986... foi uma experiência que
marcou minha vida. Sempre que dava, eu voltava, né? E era até competição, a
gente competia, quantas vezes cada um tinha ido ao Parque das Emas, que bichos
tinha visto, quantos dias a gente tinha ficado... ...Acho que no mestrado, eu
resolvi uma coisa com o meu avô, eu fui trabalhar em Iguape, que era o lugar
que meu avô gostava, e no doutorado eu fui trabalhar no Parque das Emas, que era uma
outra coisa que estava mal
resolvida na minha vida”. Como
pesquisador do manejo de fogo na área protegida do Parque das Emas, teve a
oportunidade de passar alguns meses morando no Parque. No mês seguinte ao término
de seu doutorado, em 2000, foi convidado a trabalhar junto à "Fundação
Emas", para coordenar o projeto “Corredor Cerrado-Pantanal”. Em 2002 é
transferido para a gerência do programa de conservação do cerrado da Conservation
International, onde trabalha até hoje. Análise
dos momentos de conversão e opinião sobre a Educação Ambiental
No
ato de falar e ouvir, de narrar experiências de vida, de lidar com o tempo como
algo mais dinâmico e lúdico, no qual o ontem se perdeu e o hoje se perde na
expectativa do amanhã, os homens têm a possibilidade de se humanizarem
deixando de ser objetos de uma dada história para se converterem em sujeitos
que contam e fazem suas próprias histórias (ABREU, 2000). A
reconstituição da história de vida é vista como transformadora e
reconstituinte do sujeito, na medida em que ele toma consciência das nuanças
de seu percurso, podendo ressignificar suas experiências, sair de uma posição
de alienação frente à História, situando-se, através de sua história, como
agente de sua vida e da coletividade. Portanto, independentemente de como o
sujeito se situa perante sua história, ele teria as possibilidades de
inserir-se no social de modo diverso, já que recuperaria, ou melhor, talvez até
nele se instaurasse a dignidade de ocupar um lugar de sujeito, de agente perante
o mundo e sua própria vida (TEIXEIRA, 2003). Como agente da construção social
da questão ambiental, sente-se co-autor do sentido que as pessoas dão ao mundo
e colaborador na transformação dos problemas em algo público, conforme
descrito por Hannigan (1995). Quando
um acontecimento público interfere na opinião de determinado grupo social, “a
memória de cada um de seus membros é afetada pela interpretação que a
ideologia dominante dá desse acontecimento. Portanto, uma das faces da memória
pública tende a permear as consciências individuais. É preciso sempre
examinar matizando os laços que unem memória e ideologia” (BOSI,
2003:21-22). Ao
narrar sua história e, através dela, sentir-se inserido na elucidação da
causa e efeito dos problemas, cada entrevistado manifestou certa satisfação em
fazer parte do “coro dos justos”, daqueles que são os guardiões de uma
causa nobre e moralmente desejada: a defesa do meio ambiente. É evidente o
quanto seus discursos vêm carregados da ideologia do grupo ao qual pertencem.
No entanto, como o que interessa neste estudo
é a compreensão dos momentos de conversão, seu significado para a vida
de cada entrevistado e seu agente eliciador, algumas considerações se fazem
necessárias. “Se
opinião
e conhecimento requerem um conteúdo de consciência
individual, uma apropriação subjetiva, esse momento egótico é perigoso,
escorrega para o falso. As motivações que estão por trás da opinião
(aplauso do grupo, segurança, repouso no estereótipo) são diferentes das que
estão por trás da verdade. Não se trata de procurar uma simples congruência
interna de fatos. Deve-se confrontar cada asserção com a experiência e voltar
para as coisas”
(BOSI, 2003:123) Além
disso, a crença da eficácia da narrativa da história de vida como método de
pesquisa pressupõe ser possível um conhecimento racional, uma consciência de
si mesmo, como se essa tivesse a possibilidade de abranger toda a história do
sujeito através do recurso da memória. No entanto, como fonte de dados, as
autobiografias só adquirem importância, quando evocadas por um objetivo de
pesquisa alheio ao próprio autor, que só se constitui como tal, quando o mesmo
é convocado a participar de uma amostragem (TEIXEIRA, 2003). Só ganham
significado especial na narrativa autobiográfica, fatos que, na existência
anterior do indivíduo, provocaram uma mudança ou transformação radical e,
portanto, impregnaram perenemente a memória. Se a mudança não afetou
diretamente a vida do narrador, a matéria apta a tornar-se objeto de uma narração
limitar-se-ia à série de eventos exteriores, mais condizentes à efetivação
da "história", que prescinde de um narrador em primeira pessoa. Ao
contrário, a transformação interna do indivíduo provocada por eventos
externos proporciona material para uma narrativa que tem o eu como sujeito e
como objeto, sendo que a importância da experiência pessoal, aliada à
oportunidade de oferecer o relato dela a outrem, estabelece a legitimidade do eu
e autoriza-o a tomar como tema sua existência pretérita (MIRANDA, 1992, apud
TEIXEIRA, 2003). Atentos
a essas ressalvas e analisando os depoimentos destes atores do cenário
ambiental, é possível detectar-se nas narrativas muitas similaridades quanto
aos seus “momentos de conversão”, revelando alguns fatos marcantes que
possibilitam a defesa da idéia de que o contato com o ambiente natural, aliado
à influência cultural (manifesta na influência que algumas pessoas ou situações
de convívio social exercem sobre a formação de opinião), são os
pressupostos básicos da gênese de atitudes pró-ambiente. Para
facilitar a evocação das histórias de vida, as perguntas exploratórias foram
feitas com o cuidado de dar aos entrevistados a liberdade de encadear e compor,
como quiseram, os momentos do seu passado. As
entrevistas foram conduzidas de modo a expor fatos e idéias que se ativeram ao
objeto de estudo. O
exemplo de outras pessoas, ou organizações, referências e lugares parecem
realmente ser fundamental. Para Mário, o avô e o Sr. Antônio Malheiros, foram
as peças cruciais na sua trajetória. No caso da Ciça, em termos
profissionais, não houve nenhuma pessoa, ou nenhum fato específico, mas um
conjunto deles que a levaram para a direção ambiental. No entanto ela
se lembra de um professor de biologia, que “era excelente e tinha
uma didática maravilhosa” e teve papel
determinante no seu prazer por estudar essa matéria. Para Rita, foi a pretexto
do Prof. Cornell que começou a ter um contato mais amplo com a natureza e a
treinar as atividades por ele sugeridas. No caso do Marcelo, o papel exercido
pelo pai e avó também é bem explícito no seu depoimento.
Mas,
é, sem dúvida, nas experiências de contato com a natureza ou em situações
vivenciadas que encontramos os mais claros motivos para a adesão à causa
ambiental. “Se a memória é não passividade,
mas forma organizadora, é importante respeitar os caminhos que os recordadores
vão abrindo na sua evocação porque são o mapa afetivo de sua experiência e
da experiência do seu grupo” (BOSI,
2003:56). Mário
conheceu diversas Unidades de Conservação, como o Parque Nacional das Emas,
que para ele é um lugar especial, com os quais teve, e ainda tem, uma ligação
muito forte. Na sua opinião, nem toda área é suficientemente estimulante para
o emocional, para gerar um vínculo, sendo poucos os lugares que realmente
inspiram e tocam. Quando
Ciça optou pelo curso agronomia, estava tentando unir o “útil” (estudar
biologia) ao “agradável”
(aquilo que de mais gostoso ela fazia nas férias: estar na fazenda).
Foi uma tentativa de junção entre o prazer de vivenciar aquela “história
de fazenda” com a técnica, o “saber como funciona”. Seu apego
pelo natural manifestou-se desde muito cedo, ainda na adolescência, nas
oportunidades de visitar, com os amigos, montanhas e praias, como pode ser visto neste depoimento: -
“A gente andava muito a pé em Campos do Jordão (SP), ficava fuçando para lá
e para cá, andando atrás de alguma coisa que a gente não sabia bem o que era,
tipo, “vamos atrás do Lago Azul”, que nunca ninguém soube se existia.
Em Ubatuba (SP), era essa coisa de andar de barco, mergulhar à vezes,
praias mais desertas... Quer dizer, isso foi um pouco o tom da nossa adolescência". Para
Ciça, a experiência do contato com a "diferença" é muito
transformadora, e se o indivíduo está aberto para ela, pode aprender muito.
No seu caso, foi um pouco da insatisfação com o trabalho exclusivamente
técnico que desempenhava junto às comunidades tradicionais que visitava, que
lhe conduziram a encontrar uma solução pessoal e incorporar as questões
ambientais. As primeiras vezes em
que viajou, como membro de um grupo técnico, para o Vale do Ribeira, não foram
fáceis: teve que, andar de botas, tomar banho frio, dormir em casas de taipa,
mas tudo isso teve um grande sentido de contato com a diferença, um
certo espírito de “aventura”, de chegar e poder falar “fui para em
lugar que ninguém conhecia”. Seus pais se orgulhavam muito de seu “trabalho
com índios” e esse era o assunto mais interessante para eles conversarem
com os amigos... E Ciça gostava dessa aceitação. Já
no caso da Rita, ela adotou radicalmente
o princípio de que é “preciso conhecer para gostar; gostar para preservar”,
e que os sentimentos tem sempre que ser evocados nos trabalhos de EA. Quando
questionada sobre o porque da sua demora em se aproximar da natureza, Rita
respondeu: -
Você conhece aquela história do
Nasrudim? Ele tinha perdido as chaves e não as encontrava. Era noite e ele começou
a procurar as chaves debaixo de um poste, aí passou um amigo e perguntou: “O
que é que você está procurando?” E ele falou: “As chaves, que eu
perdi”. Aí, o amigo perguntou: “Mas onde foi que você perdeu a chave?” E
Nasrundim respondeu: “Acho que foi lá dentro de casa”. “Mas por que é
que você está procurando aqui?”, “Por que aqui tem luz”... Então, eu
acho que aconteceu comigo um pouco isso. Eu estava procurando uma coisa no lugar
errado. E, quando eu achei o lugar, ele já era... A Natureza é a fonte e
comigo levou trinta e cinco anos para acontecer. Quer dizer, não é uma questão
de tempo, poderia ter demorado um segundo... É uma coisa que já estava
em mim, mas eu não me deixava perceber... Eu não teria argumentos para
explicar isso para você...” Marcelo
teve oportunidades de contato desde a tenra idade, o que o ajudou muito a “não
ter medo, saber lidar, saber pegar, saber cuidar, e saber alimentar”. Os
lugares que eu vivenciou, como Boissucanga, eram muito isolados e por diversas
vezes ele esteve só na praia. Passava até três meses mergulhando, andando, fazendo trilha, sozinho, como relata: -
“Então tive contato com a cultura caiçara de verdade, e isso ajudou. Tudo
isso a gente acabou aprendendo: Tomar picada de abelha, de vespa, andar descalço...
Eu sempre tomei espetada de ouriço no costão rochoso, mergulhando (mete a mão, fura a mão)...” Em
todos os relatos revela-se fortemente o contato com a natureza, quer seja porque
de fato se constituem em “marcos de conversão”, quer pela reconstrução
que fazem das próprias experiências através da ideologia construída ao longo
de sua trajetória. Para Bosi (1994), "na
maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória
não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do
passado, ‘tal como foi’, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A
lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa
disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência
atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não
é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os
mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias,
nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no
presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua
diferença em termos de ponto de vista (p. 55)”. “(...) A memória
poderá ser conservação ou elaboração do passado, mesmo porque o seu lugar
na vida do homem acha-se a meio caminho entre o instinto, que se repete sempre,
e a inteligência, que é capaz de inovar” (p.68). Se
o contato com a natureza é recorrentemente narrado como fonte de prazer e
satisfação, isto é um forte indicativo do seu papel como eliciador de
atitudes pró-ambiente. A construção ideológica, fruto do momento social,
revela-se marcante na formação da opinião, mas não se mostra mais presente
do que as evocações afetivas dos depoentes. E todas
as suas vivências pessoais (afetivas e cognitivas) fazem com que os mesmos
tenham muita clareza sobre as melhores estratégias para o desenvolvimento de
metodologias para a EA. Para
Mario, apenas a informação não é suficiente; é preciso preparar o espírito,
os olhos e os sentidos das pessoas, sem os quais elas passam, olham, mas não
entendem nada. É preciso acionar o lado emocional, não no sentido de emoção
barata, mas do envolvimento, criando um vínculo da pessoa com aquilo que ela
está conhecendo. Com criança, isso é muito claro. Se o educador consegue
despertar a atenção da criança, seu interesse, ela quer saber mais, e
pergunta, e tenta interagir com o que se está mostrando. Se, ao contrário, o
educador simplesmente fala (dá uma palestra), a criança escuta, acha
interessante, mas, depois, não fica nada. Com certeza a experiência de contato
é muito importante, e quem faz isso com competência, é mais importante ainda.
Marcelo
compartilha da mesma opinião: é preciso haver um estímulo, alimentar a
curiosidade natural da criança. Há casos de escola que, em viagens à
natureza, proíbem os alunos tomarem banho no rio, ou cachoeira em nome da
segurança, o que reforça o distanciamento. Tal postura re-alimenta o
sentimento de culpa pela “destruição da natureza” que tem acompanhado essa
geração. Se não deixarmos as
pessoas enfrentarem as possibilidades de desafios, então é melhor não começar
a fazer nada e fechar a porta dos parques. É preciso trabalhar com conteúdos,
com desafios, com o lúdico, mexer com as questões psicológicas, sempre
observando os aspectos de segurança, para que a pessoa não sofra pequenos
acidentes. Na
opinião de Mônica, o contato
com natureza é muito importante, pois ela percebeu, em palestras para
professores, que os mais velhos, que tiveram esse contato de maneira mais
intensa que as crianças de hoje, lembram de coisas muito prazerosas. E isso é
uma questão de valores, que deveria ser muito mais trabalhada nas famílias.
Infelizmente, as poucas áreas
verdes que existem nas escolas estão sendo asfaltadas ou cimentadas. Assim, os
parques públicos, hoje subtilizados, deveriam ser “escolas a céu aberto”.
Para ela, é importante “andar descalço", fazer ”meleca”,
e na pré-escola pode-se fazer isso sempre, com muita eficácia. É preciso
levar as crianças a viajarem mais, pois fica muito difícil fazer com que
respeitem o ambiente natural, se elas não gostam dele, se elas não têm prazer
com ele. Marcelo
tem uma opinião semelhante. Para ele, as crianças, quando visitam os parques,
desejam tocar, mexer, experimentar. Assim, é preciso deixar algum lugar para
elas manipularem, cheirarem, sentirem, caso contrário nenhum vínculo será
estabelecido. O contato com um lugar natural possibilita a quebra de couraças e
carapaças tornando as pessoas, distantes das cobranças sociais, mais motivadas
a enfrentar “aventuras”, mais abertas a ouvir idéias novas. E
Rita vai ainda mais fundo na análise das possibilidades do contato com o mundo
selvagem, que, para ela, se for bem trabalhado, se torna revelador. Vejam sua
opinião: -
“Você é terra, você é mosquitinho, você tem uma identidade, você sente
uma identidade com o mundo... Algo que nos é próprio, que é a coisa da
identidade terrena, que nos fala o Edgar Morin. Você percebe que é como se de
repente você se imaginasse dentro de uma espaçonave. Só dá para viver se
ambos existirem, tanto um quanto o outro, naquelas condições. E, isso, dá
para você explicar na sala de aula, mas é a abordagem explicativa. Em campo, não
precisa explicar, a pessoa percebe, ela se dá conta. Não é porque você
explicou que ela vai se dar conta.” Para
Rita, a função do Educador é fazer com que através do contato, as pessoas se
dêem conta de sua ligação com natureza. A situação do mundo hoje necessita
de transformações grandes, que devem ser criadas no nosso sistema de
pensamento. Existe uma cisão na mente do ser humano moderno, uma separação,
que não o permite unir o desejo com a ação. Isso é perceptível diariamente:
apesar de não querer contribuir com a poluição da nossa cidade, andamos de
carro, vivemos essa contradição. Numa
perspectiva mais generalista sobre a questão da relação do ser humano com a
natureza, Ciça acredita que há uma resistência totalmente cultural, ”urbanóide”,
ao contato. A pessoa que domina, que sabe se “virar super bem” na
cidade, de repente, numa outra condição, na qual fica mais exposta que outras,
como, por exemplo, atravessar uma pinguela e, ao contrário de todos os demais
que o fazem muito bem, cair ou ser obrigado a atravessar sentado, vê sua
autoconfiança cair a zero. Para
Marcelo, não se trata apenas de um medo em si do contato com a natureza. O
problema de muitos “urbanóides”, hoje, é que eles não têm esse contato
inicial, e aí acabam criando um “monstro”, ficando com temor, porque não
fizeram aquilo na época da infância. Ciça,
acredita que a motivação
para as viagens, dos que estão mais conscientizados, não se resumem exatamente
em ir a um lugar, ou atravessar uma cachoeira. Os propósitos ideológicos para
a vida, que não seja “ganhar dinheiro”, pesam nessa opção. Se há paixão
por uma causa, essa paixão, faz com elas sejam capazes de dedicar sua vida por
ela. Marcelo
aponta que se o ser humano não tomar contato com as outras milhões de
espécies, manterá sempre uma postura extremamente arrogante, uma atitude até
desprezível. Mesmo com nossa capacidade de usar a tecnologia para transformar o
ambiente, isso não quer dizer que possamos “pisar” no que está em
volta. Para ele, um exercício que as pessoas têm que fazer é olhar para o
lado, sair desse foco centrado só no humano, mudar a concepção de um mundo
baseado só em economia, dinheiro, crescimento, poder. Rita
atribui tal concepção ao pensamento linear, que redunda em certos círculos
viciosos, uma vez que a realidade não é linear. Fica difícil resolver
problemas práticos, e infelizmente a ciência não trará a resolução dos
problemas. Nem a ciência, nem a tecnologia, porque isso é um assunto de outra
natureza. Tratamos a questão ambiental de uma maneira linear, mas fazemos parte
de um sistema. Assim, a questão se resolve num determinado momento, mas,
passando o tempo natural de espera do sistema, o problema volta a reaparecer.
Estamos o tempo todo repetindo um erro por não buscar uma outra maneira de
estruturar o pensamento. Para isso, é preciso uma ativação de uma energia
mental totalmente nova. Nosso sistema escolar, por exemplo, é todo
esquematizado, é todo padronizado. Por mais que se queira uma coisa nova, ao
usar a estrutura antiga, inibi-se as brechas por onde essa energia nova pode
aparecer. Rita é defensora das metodologias do prof. Cornell, por acreditar que
elas fazem isso, com muita maestria. É no contato com uma essência que se dá
a mudança do pensamento linear para o sistêmico. Isso é fundamental para
todos e Rita acredita que isso se dá na natureza: -
“Sabe, assim, quando você fica olhando para uma
plantinha, escuta o som do passarinho, faz alguma coisa que não seja usual para você... É daí
que vão surgir as respostas! Para mim faz sentido, porque isso aconteceu
comigo. O processo civilizatório foi tirando as nossas raízes. Eu sinto que o
que nós estamos precisando, e que a natureza pode nos ensinar, é o caminho
para nos re-humanizarmos. A nossa humanidade está na natureza!” Para
Rita, a nossa consciência passa pelas anteriores, dos estágios dos homens
primitivos, e se constituem em nossas raízes. Quer dizer, para sermos de fato
seres evoluídos, tendo como base o nosso próprio processo histórico, a nossa
própria experiência humana, não podemos negar essas bases. E essas bases vêm
do homem emergido na natureza antes de criar as sociedades. Esse é o nosso
passado, e é o nosso futuro também. Conclusão
Vale,
por fim, ressaltar, mais uma vez, que os depoimentos apresentados neste estudo não
podem ser generalizados. Não representam senão a opinião de alguns atores
sociais que, manifestamente, se declaram atuantes na questão ambiental, e,
portanto, com evidentes manifestações das atitudes pró-ambientes. Foram
colhidos e analisados com o intuito de ilustrar qualitativamente algumas questões
que se mostraram relevantes nos estudo sobre EA. Reforçam a necessidade dos
trabalhos de educação se voltarem para o contato com a natureza, contato esse
que deve ser intenso e dirigido. Referências Bibliográficas ·
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Doutor em Psicologia, Mestre em Psicologia, Bacharel e Licenciado em Ciências
Biológicas. Professor Adjunto da Universidade Federal de São Carlos -
UFSCar, Laboratório de Ecoturismo, Percepção e Educação Ambiental -
LEPEA, Campus Sorocaba. Rua Dona Ana, 11ª, Vila Mariana, São Paulo – SP,
CEP 04111-070, fone (11) 5575-7644, Fax (11) 5575-6001,. Email:
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