É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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Relatos de Experiências
27/09/2019 (Nº 69) OBSERVAÇÃO DE AVES COMO FERRAMENTA PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA NA PRAIA DE BRASÍLIA, ILHA DO MEL, BRASIL
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OBSERVAÇÃO DE AVES COMO FERRAMENTA PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA NA PRAIA DE BRASÍLIA, ILHA DO MEL, BRASIL

Isabel Lindstron de Oliveira

Juliana Rechetelo

Luiz Augusto Macedo Mestre

Resumo- A Ilha do Mel é um importante ponto turístico no litoral paranaense, com 93,5% do seu território ocupado por reservas naturais. A Ilha também é habitat de 124 espécies de aves, 55 delas dependentes do ambiente de praias, onde descansam e se alimentam. Essas aves são tanto residêntes - podem ser vistas o ano todo - e migratórias, ou seja, uma época do ano voam para paises distantes e só podem ser vistas na ilha uma determinada estação. Um estudo prévio conduzido na Ilha do Mel apontou carência e necessidade de sensibilização ambiental sobre a avifauna de entremarés, demonstrando o desconhecimento dos moradores e turistas em relação à essas aves, seus ciclos de vida, e seu ambiente. Esta experiência de sensibilização ambiental visou expor os turistas, e principalmente os moradores, à técnicas de observação de aves, como meio de disseminar conhecimentos sobre conservação e interação com as aves, através de uma atividade prática e didática. O resultado foi satisfatório dentro dos limites de tempo e recursos existentes, com rejeição nula dos participantes, e retorno/resposta positivos em relação à esta abordagem.

Palavras-chave: Sensibilização Ambiental, Birdwatching, Avifauna de entremarés.



Birdwatching as a tool for environmental education: an experience at Brasília beach, Ilha do Mel island, Brazil

Abstract- Ilha do Mel is an important touristic destination on Paraná’s coat, with 93.5% of its territory occupied by nature reserves. The island is also home to 124 bird species, 55 dependent of the beach environment, where they rest and feed. These birds are both resident, can be seen all year round, and migratory, that periodically fly to distant lands and can only be seen on the island at any given season. A previous study conducted on Ilha do Mel pointed to the need of environmental awareness regarding the intertidal birdlife, due to the lack of knowledge of residents and tourists regarding these birds, their life cycles, and their environment. This experience of environmental awareness aimed to expose tourists, and especially residents, to birdwatching techniques, as a means of disseminating knowledge about conservation and interaction with birds, through a practical and didactic activity. The result was satisfactory within the time and resource limits, with no rejection of participants, and positive feedback / response to this approach.

Keywords: Environmental awareness, Birdwatching, shorebirds.



1 Introdução

Ecoturismo é um segmento do turismo voltado ao patrimônio natural e cultural, costumeiramente com viés de apreciação dos elementos da paisagem e sensibilização do turista. Essa prática tem potencial impacto positivo nas esferas socioeconômica (pela geração de renda e desenvolvimento regional), cultural e ambiental (pelo incentivo à preservação das mesmas) (ATHIÊ, 2007). A observação de aves é um hobby que consiste na “coleção de avistagens de aves, muitas vezes com registros da avifauna (fotos, vídeos ou áudio) no qual o observador utiliza-se de equipamentos individuais tais como binóculos, luneta, gravadores e câmeras para localização e registro do animal (DE FARIA LOPES & SANTOS, 2004; DE FARIAS & DE CASTILHO, 2006). É uma atividade de baixo impacto ambiental, pois os observadores perturbam minimamente a avifauna, e podem aliar a conservação ambiental ao crescimento econômico (RUSCHMANN, 1997). Além da natureza conservacionista da atividade, a observação de aves também pode servir como meio de educação ambiental, com a valorização da avifauna e monitoramento indireto das populações de aves nativas especialmente em áreas de preservação que permitam a visitação (DE FARIA LOPES & SANTOS, 2004; DIAS, 2011).

A Ilha do Mel, foco desta atividade, localiza-se no litoral paranaense, região sul do Brasil. Possui um território de 2.762 hectares, nos quais 2.585 hectares configuram áreas protegidas e 120 hectares são ocupados por cinco vilas (VIEIRA, 2016). De acordo com o censo do IBGE (2010), 1.600 pessoas moram na Ilha, ocupando as áreas de amortecimento de duas unidades de conservação - a Estação Ecológica e o Parque Estadual da Ilha do Mel. Devido a preocupação com a conservação ambiental e a presença das unidades de conservação, atividades econômicas que causam deterioração ambiental, tais como indústrias, agropecuária e extrativismo não são exercidas na Ilha. As principais atividades são relacionadas com o turismo (principalmente de sol e mar), como promoção de eventos, transporte marítimo, carregamento de bagagens, administração de pousadas, aluguel de espaços em campings, lanchonetes e restaurantes (GONZAGA et al., 2014).

Com grandes porções de areia, praias estuarinas, praias oceânicas, costões e encostas cobertas por vegetação litorânea (ANGULO & SOUZA, 2005) a Ilha do Mel apresenta uma rica fauna de entremarés 50 das 124 espécies encontradas são dependentes desse ambiente em diferentes níveis para descanso, forrageio, nidificação, fundamentais para a manutenção dos seus ciclos de vida (COSTA, 2007a) assim a área de praias apresentar grande importância ecológica. O ambiente de entremarés também é muito movimentado, com tráfego de embarcações, turismo de sol e mar, atividades esportivas, entre outras (FILHO et al., 2011). Inevitavelmente isso gera contato com a avifauna de entremarés, forçando as aves a se deslocarem constantemente e impedindo o uso do espaço para seu descanso e forrageamento, o que prejudica seus ciclos de vida (BURGER, 1981; LEIGHTON, 1993; STOLEN, 2003).

A ação de sensibilização ambiental descrita neste relato foi baseada em estudo prévio conduzido entre 2017 e 2018 na Ilha do Mel; que apontaram que há distanciamento entre as pessoas que frequentam a Ilha e a avifauna local, representado principalmente pela dificuldade no reconhecimento por imagens, e identificação (mesmo que por nomes populares) de aves comuns ao local (LINDSTRON et al. 2019, in prep.). Ainda que os moradores da Ilha apresentassem melhores resultados em relação à familiaridade com as aves do que os turistas, foi perceptível e mensurável o desconhecimento sobre o ambiente praial e de entremarés, e as aves locais. Assim, este projeto teve como objetivo promover a sensibilização ambiental sobre a avifauna local através da observação de aves, ao instruir turistas e moradores da Ilha do mel sobre como observar e conviver com aves sem interferir com forrageamento ou descanso das mesmas.



2 Materiais e métodos

Esta atividade de sensibilização foi realizada no dia 10 de maio de 2019, entre 09h e 17h, na praia de Brasília, e contou com a participação de seis voluntários. Foi montada uma base de observação na área de desembarque, com banner informativo (IMAGEM 1), luneta e um voluntário para atender o público. Ademais, os outros voluntários com camisetas da Universidade Federal do Paraná - Setor Litoral se equiparam com binóculos, folhetos com atividade educativa (IMAGEM 2) e o livro “Aves Ilha do Mel” (DEBIAZIO & ZAMBRIN, 2018), e guia de campo “A field guide to the birds of Brazil “ (VANPERLO, 2009) para consulta. Por toda a duração do evento, os voluntários caminharam pela praia de Brasília abordando prioritariamente moradores para uma conversa e atividade introdutória de observação de aves. Nessa conversa, os voluntários abordaram minimamente os seguintes tópicos:



1) Quais aves (locais e migratórias) estão presentes na área de praias da Ilha do Mel;

2) Qual a importância da praia para a manutenção do ciclo de vida das aves, como as atividades antrópicas na Ilha afetam a avifauna;

3) Como é possível conviver com elas respeitando a distância de aproximação de cada espécie;

4) Como a observação de aves serve como fonte de renda ecoturística de baixo impacto.



A linguagem foi adaptada para o melhor entendimento do público. O objetivo foi introduzir de forma casual conceitos ornitológicos, sensibilizando a pessoa quanto ao ambiente ao seu redor e os organismos presentes nele. Os voluntários tiveram liberdade para desenvolver o diálogo com o público, ampliando o leque de informações conforme a disposição da pessoa abordada, desde que respeitando o conteúdo mínimo. O Instituto Ambiental do Paraná foi notificado previamente sobre a atividade, e o evento foi divulgado em algumas pousadas e campings da Ilha, além da divulgação por redes sociais.

A seleção das aves para a atividade entregue aos participantes seguiu os critérios: presença no estudo de Lindstron et al. (com exceção da garça branca pequena e da Fragata), presença de alguma característica marcante e de fácil reconhecimento pelo público geral e escolha de aves comuns e de observação garantida no ambiente de entremarés da Ilha do Mel. As aves na ordem apresentada na atividade, foram: Garça Branca Pequena (Egretta thula), Quero Quero (Vanellus chilensis), Batuíra de Coleira (Charadrius collaris), Gaivotão (Larus dominicanus), Trinta-réis-real (Thalasseus maximus), Talha Mar (Rynchops niger), e Fragata (Fregata magnificens).



Figura 1: Banner informativo, exposto na área de desembarque da praia de Brasília, Ilha do Mel, litoral do Paraná. Criação e design Autora?



3 Resultados



Foram abordados vinte moradores e seis turistas, tal discrepância não interferiu no objetivo do evento, visto que os moradores foram priorizados por serem multiplicadores de conhecimento em potencial, com maior contato contínuo com o ambiente e permanência no território. Houve grande aceitação da atividade - os feedbacks (o relato oral fornecido pelos participantes após a atividade, no qual eram perguntados sobre pontos positivos, negativos, e sugestões de melhora da atividade) dados pelos participantes da atividade foram positivos, com exceção de um pessoa, que comentou sobre a curta duração do evento - realmente, uma atividade de sensibilização sempre carece de maior duração e repetições para se tornar mais efetiva. Outro ponto notável foi a participação ativa do público, que mostrou interesse em compartilhar o próprio conhecimento, e repetir a experiência em um futuro próximo. Foi digno de nota, pelos voluntários com experiência em educação ambiental prévia, que a “conversa casual” - evitando palavreados estritamente acadêmicos ou monólogos expositivos - que foi utilizada nesta atividade teve resposta muito mais positiva do que de costume. Os moradores se mostraram muito confortáveis em prolongar a atividade com o próprio etnoconhecimento. Foi notável também que o uso dos livros como material de consulta foi importante para a captação de interesse dos participantes, visto que, na ausência de aves ao redor, o voluntário podia recorrer às ilustrações como material de apoio.



4 Conclusão

A educação ambiental é muito mais ampla, abrangente, complexa, e carente de construção coletiva e processual, do que um única atividade de sensibilização ambiental pode suprir. Portanto esta breve experiência de sensibilização ambiental, para obter resultados realmente expressivos, exige maior investimento de tempo e recursos, para educação continuada, principalmente sobre os moradores. Os moradores podem vir a ser multiplicadores de conhecimento e auxiliar no esforço de preservação do ambiente da Ilha do Mel - fiscalizando o tratamento da avifauna e do ambiente do qual depende, indiretamente fazendo censo das populações de aves locais, e promovendo a sensibilização ambiental dos turistas.

Consideramos a experiência satisfatória pela grande aceitação da prática pelos moradores e turistas, que demonstraram engajamento e interesse em aprender técnicas de birdwatching e conhecer as aves da ilha, além de compartilharem o próprio etnoconhecimento sobre avifauna. A abordagem se mostrou casual e confortável, tanto para os voluntários quanto para o público. Esta experiência foi importante por conta das características próprias do local, que pela presença das duas unidades de conservação, exige forte integração e convivência harmoniosa entre os habitantes, turistas, e a natureza - reduzindo impactos ambientais e ameaças à fauna e flora locais, e garantindo a sustentabilidade cultural e financeira das comunidades locais.





6 Agradecimentos

Esta atividade foi promovida através do Laboratório de Ornitologia da Universidade Federal do Paraná - Setor Litoral, incluindo apoio logístico e transporte dos alunos. Agradecemos aos voluntários Alice Dantas Moreira, Danila Syriani Veluza, Hacheley Geovana Costa Franco, João Guilherme Boni e Kathllen Mickus. Agradecemos também à empresa Plurimus pela doação do banner.



Referências

ANGULO, R. J. & SOUZA, M. C. 2005. Geologia e geomorfologia. In: MARQUES, M. C. M.; BRITEZ R. M. de. (Orgs.). História Natural e Conservação da Ilha do Mel. Curitiba: Ed. UFPR 19-34.

ATHIÊ, S. 2007. A observação de aves e o turismo ecológico. Biotemas, 20(4), 127-129.

DEBIAZIO, R. ZAMBRIN, W. 2018. “Aves Ilha Do Mel - Aut Paranaense. Editora AUTORES PARANAENSES; Edição 1; Cobertura Mole.

BURGER, J. 1981. The effect of human activity on birds at a coastal bay. Biological Conservation, v. 21, n. 3, p. 231-241.

COSTA, P. L. 2007a. Avifauna associada ao ambiente de entremarés na ilha do mel, PR. Pontal do Paraná: Universidade Federal do Paraná, p. 10-50.

COSTA, R. G. A. 2007b. Observação de aves como ferramenta didática para Educação Ambiental. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE SEMESTRAL. Revista Didática Sistêmica Volume 6.

DE FARIAS, G. B.; DE CASTILHO, Cláudio. J. M. 2006. Observação de aves e ecoturismo em Itamaracá (PE): instrumentos para o desenvolvimento sustentável. Sociedade & Natureza, v. 18, n. 35, p. 35-53.

DE FARIA LOPES, S., & SANTOS, R. J. 2004. Observação de aves: do ecoturismo à educação ambiental. Caminhos de Geografia, 5(13).

DIAS, R. 2011. A biodiversidade como atrativo turístico: o caso do Turismo de Observação de Aves no município de Ubatuba (SP). Revista Brasileira de Ecoturismo (RBEcotur), v. 4, n. 1.

GONZAGA, C. A. M., DENKEWICZ, P., & PRADO, K. C. P. 2013. Unidades de Conservação, ecoturismo e conflitos socioambientais na Ilha do Mel, PR, Brasil.

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VAN PERLO, B. 2009 A field guide to the birds of Brazil, New York: Oxfod University Press.

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Ilustrações: Silvana Santos