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CONSTRUÇÃO DE UM JARDIM DE PLANTAS
MEDICINAIS E AROMÁTICAS: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL VALORIZANDO O SABER POPULAR Fernanda
Brich dos Santos1, Taíce Gonçalves de Oliveira1,2, Ivanéia
Alves Pereira Sobrinho1, Aliny Gaudard Oliveira1,3, Camila
Bonizário de Andrade1,3, Lucia de Fátima Estevinho Guido4 1
Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia /MG 2
Mestranda em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho", Botucatu/ SP, e-mail: taice_oliveira@yahoo.com.br 3
Mestranda em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia/ MG 4
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas; Docente do
Instituto de Biologia e do PPG em Educação da Universidade Federal de Uberlândia,
Umuarama, e-mail:
luciag@umuarama.ufu.br RESUMO A educação ambiental tem se preocupado com a relação do homem
com a natureza, percebendo uma necessidade de instalar novas formas para esta
relação baseada na busca de compreensão da complexidade ecológica. Assim os
estudos sobre o relacionamento das sociedades tradicionais com a natureza são
importantes já que esta relação é vista como parte indissociável da vida
comunitária. Iniciamos esse trabalho partindo dos conhecimentos da população
de um distrito situado na zona rural do município de Uberlândia, MG a respeito
do uso de plantas medicinais. Utilizamos o Mapeamento Ambiental para incentivar
o reconhecimento dos problemas e potencialidades do local estudado. Como o
trabalho segue em parceria com a comunidade usamos a metodologia da pesquisa
participante. Desenvolvemos o trabalho no Clube de Mães e na Escola do
distrito. Na escola foram executadas atividades de educação ambiental com a
intenção de valorizar o conhecimento popular sobre plantas medicinais e
implementar um jardim de plantas medicinais e aromáticas. Para verificar o
conhecimento sobre estas plantas foram aplicados questionários estruturados
para 44 alunos de 4a a 8a séries. No final das atividades
outro questionário estruturado foi aplicado procurando verificar o
posicionamento dos alunos quanto às atividades de educação ambiental, assim
como perceber se haviam mudado sua opinião em relação a preferência ou não
ao remédio caseiro obtido das plantas medicinais. Foi constatado que a maioria
dos alunos conhece e possui plantas medicinais cultivadas em seus quintais e o
conhecimento sobre estas plantas foi aprendido com a mãe e/ou avó. Todos os
alunos da 4a série conhecem algum tipo de planta medicinal e
acreditam em sua eficácia quando comparado ao remédio alopático. Esta crença
foi diminuindo entre os alunos das outras séries, principalmente entre os da 6a,
onde apenas 54% confiam na sua eficácia. Foram citadas 20 espécies e todas são
cultivadas nos quintais, predominando: boldo (Plectranthus barbatus Andr.), erva cidreira (Lippia alba (Mill.)N.E.Br.), hortelã (Mentha villosa Huds) e alecrim (Rosmarinus
officinalis L.). Não foi citada nenhuma planta nativa o que indica a
necessidade de incluir na escola atividades de educação ambiental voltadas
para plantas nativas a fim de valorizá-las. O segundo questionário aplicado após
o desenvolvimento do trabalho mostrou que a maioria dos alunos continuou
apresentar preferência por remédios caseiros e passaram a observar com mais
atenção as plantas e os quintais. O trabalho acrescentou novas informações
ao conhecimento que os alunos já possuíam, contribuído também para a
valorização do conhecimento popular. Palavras-chave:
conhecimento popular, etnobotânica, plantas medicinais INTRODUÇÃO A educação ambiental tem se
preocupado com a relação entre o homem e a natureza, percebendo a necessidade
de instalar novas formas para essa interação baseando-se na compreensão da
complexidade ecológica. Assim os estudos sobre o relacionamento das sociedades
tradicionais com a natureza são importantes já que estes são vistos
como parte indissociável da vida comunitária. Estudos realizados pela Antropologia
na década de 1960 comentam a respeito do selvagem e do camponês. Essas
sociedades chamadas de “exóticas e selvagens” eram vistas como agrupamentos
humanos, onde a escassez e a penúria decorrentes de suas limitações técnicas
as condenariam a uma existência social precária e destituída da satisfação
das necessidades mais elementares quando comparadas às sociedades modernas do
ocidente. Posteriormente, essas análises foram substituídas por um grupo de
Antropólogos que passaram a considerar tais comunidades como sociedades da
abundância, servindo de inspiração para o pensamento da ecologia política
(ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT, 1992: 107-108). Nas novas pesquisas antropológicas,
as “sociedades tradicionais”, se comparadas à sociedade ocidental que é
estruturada pela lógica da acumulação incessante de bens materiais, elas —
as “sociedades tradicionais” — não teriam como característica a penúria,
mas sim a abundância, pois estavam imunes à visão utilitarista e equivocada
da relação entre homem e natureza. Desta maneira, suas necessidades estavam
fundadas em uma outra racionalidade que não aquela conhecida pela sociedade
ocidental, urbana e industrial, esta última é que se mostra, pela sua própria
lógica social, fadada a provocar a escassez dos recursos vitais pela sua tendência
progressiva a se apegar em necessidades artificiais. Esta “autolimitação”
das necessidades dos povos ditos tradicionais era responsável pela sua “abundância”
e não escassez, resultado de opções conscientes diante do meio ambiente
(ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT, 1992: 109-110). A etnobiologia surgiu a partir desses
estudos antropológicos, pois se ocupa em estudar o conhecimento e as conceituações
desenvolvidas pelas diferentes sociedades a respeito da biologia, ou seja,
estuda a natureza por meio de um sistema de crenças e adaptações do homem com
o meio. Relacionada à ecologia humana ela determina classes e definições
cognitivas usadas pelos povos, pois o conhecimento popular não se ajusta às
categorias e aos conceitos particularizados pela visão científica. Nesse
sentido, natureza e cultura estão juntas na visão destas sociedades e para
conhecer como esses povos lidam com a natureza se faz necessário a interpretação
dos seus mitos (POSEY, 1987: 15). Dentro da abordagem etnobiológica,
um dos ramos que mais progrediu foi o da etnobotânica, com enfoque especial às
plantas medicinais (ALMEIDA, 2002: 276). Caminhando por entre conceitos das ciências
biológicas e das ciências sociais, em especial a antropologia, ela aborda
distintas formas de interação e relação que grupos humanos possuem com as
plantas (AMOROZO, 2002: 1). Ela busca conciliar a proteção dos ecossistemas
com o manejo adequado dos recursos naturais. Além dos escassos conhecimentos
científicos sobre a complexidade das relações existentes entre os diversos
componentes dos ecossistemas e a ação devastadora do homem, há um descaso por
parte daqueles que propõem e executam as políticas de conservação ambiental
para com os elementos humanos que habitam esses ecossistemas ou seu entorno.
Estas populações sobrevivem, muitas vezes, desses recursos e podem ser
considerados como “elementos-chave” para a elaboração de estratégias de
conservação (DI STASI; HIRUMA-LIMA, 2002: 28). A
etnobiologia deve se preocupar em realizar uma articulação com a educação
ambiental, já que ao se envolver com as populações locais para o levantamento
de seus conhecimentos se faz necessário respeitá-las valorizando sua cultura,
seu modo de viver. A troca é essencial para que o informante da comunidade
estudada se sinta a vontade para transmitir seus conhecimentos ao pesquisador,
geralmente uma pessoa que não pertence à comunidade. Brandão (1983: 54) ao se
referir aos estudos sobre o conhecimento destas populações fala em trocas
populares de saber.
Assim, os princípios da educação popular são essenciais para orientar
as atividades de educação ambiental desenvolvidas principalmente com estas
populações. Freire (1996: 77) defende o saber popular e a importância da
população se descobrir como sujeito social transformador reconhecendo seu
papel no mundo.
Este trabalho procurou abordar o conhecimento popular de uma comunidade
situada na zona rural do município de Uberlândia, MG, a respeito do uso de
plantas medicinais e de como é viver em um local que ainda mantém uma relação
mais estreita com o meio natural. os caminhos da
pesquisa
Como o trabalho foi idealizado em parceria com a comunidade, optamos por
seguir inicialmente a Pesquisa Participante. Um dos primeiros passos na realização
desta tipologia de pesquisa é a identificação e a valorização de um local
de trabalho significativo na comunidade (BRANDÃO, 2001: 245). O Conselho do
Distrito indicou o Clube de Mães para esse trabalho e foi neste local que o
trabalho de educação ambiental foi iniciado.
As reuniões do Clube acontecem uma vez por semana, geralmente nas
quintas-feiras, com a participação de cerca de dez senhoras e nove
adolescentes. Bordar, fazer crochê e pintar são algumas das atividades
realizadas nesses encontros, sendo que as mais jovens aprendem estas atividades
com as mais velhas. Os trabalhos manuais são vendidos e o dinheiro reverte para
o Clube de Mães, sendo que uma porcentagem é repassada para a pessoa que
confeccionou o artesanato.
No Clube de Mães utilizamos a metodologia do Mapeamento Ambiental
(MEYER, 1991: 43), que consiste em um “passeio” pelo local onde se vive
caracterizando o ambiente. Após o mapeamento uma maquete do distrito foi
construída e, ao discuti-la com moradores do distrito, percebemos que a Praça
São João Batista estava descaracterizada tanto em relação a sua manutenção
— bancos, grama, calçamento, guia — quanto ao uso da mesma pela população
local, tanto que, a única praça do distrito vem sendo utilizada como
acampamento para andarilhos e “ciganos”.
Para a implantação do jardim na praça foi realizado um contato inicial
com a Escola Municipal Antonino Martins Silva, que já desenvolvia um projeto em
parceria com a prefeitura para a reurbanização da praça. Os objetivos da
pesquisa se uniram aos da escola, ficando sob a responsabilidade dos
pesquisadores a montagem de vários canteiros com plantas medicinais e aromáticas,
assim como o desenvolvimento de atividades de educação ambiental com os alunos
da escola.
Para orientar os trabalhos de educação ambiental foram aplicados
questionários estruturados para 44 alunos de 4a a 8a séries
do turno da manhã. No questionário foram abordadas questões relativas ao
conhecimento sobre plantas medicinais, tais como: usos, cultivo, preparo, fonte
do aprendizado, espécies utilizadas e /ou conhecidas, preferência pelo remédio
caseiro ou pelo alopático. No final da pesquisa outro questionário estruturado
foi aplicado procurando verificar o posicionamento dos alunos quanto às
atividades de educação ambiental, assim como perceber se haviam mudado sua
opinião em relação à preferência ou não ao remédio caseiro a partir das
plantas medicinais e ao conhecimento destas plantas.
As atividades de educação ambiental
foram preparadas a partir da análise do primeiro questionário buscando
valorizar o conhecimento sobre plantas medicinais que a comunidade detém,
ampliando este conhecimento para a flora nativa do Cerrado. Algumas atividades
foram decididas entre as pesquisadoras e apresentadas à direção da escola e
aos professores, sendo elaborado um calendário para a execução das
atividades. Os encontros aconteceram a cada quinze dias, nos horários de aula
cedidos pelos professores de ciências, matemática, geografia e artes. Algumas
atividades previstas foram reorganizadas ao longo do trabalho visando uma melhor
adequação à realidade dos alunos, da escola e das condições de trabalho com
a comunidade em geral. Educação
ambiental valorizando as plantas medicinais Para motivação e integração dos
alunos no processo de construção do jardim, foi solicitado que trouxessem
mudas de plantas medicinais nos encontros de educação ambiental. Foi proposto
aos alunos a elaboração de cartazes usando recortes de revistas e frases que
pudessem lembrá-los durante a semana de fazer as mudas e levá-las para a
escola na semana seguinte, na data do nosso terceiro encontro.
Nos encontros foram estudadas 30 plantas medicinais diferentes, em média
5 por sala, as quais seriam incluídas no jardim, principalmente por serem as
mais citadas pelos alunos no primeiro questionário. Essas atividades foram
denominadas de “seminários sobre plantas medicinais”, metodologia comumente
empregada em cursos sobre plantas medicinais. A diferença é que o nosso
trabalho na escola iniciava com o conhecimento que os alunos traziam a partir da
própria vivência deles. Com isso valorizamos o conhecimento popular, a importância
do lidar com a terra, do conhecimento transmitido pela família.
Pensamos que ao valorizar o trabalho com a terra estaríamos ampliando a
visão de que esse trabalho não é apenas braçal, é também uma atividade
intelectual. Por vezes, os alunos se mostravam envergonhados do seu
conhecimento, pois tinham receio de serem chamados de “roceiros”. Esses
momentos eram aproveitados para valorizar o trabalho com a terra e o contato com
a cultura dessas populações. Segundo Freire (1979: 36) na roça há um predomínio
do trabalho manual, criando uma dicotomia entre o trabalho manual e o
intelectual, o que gera o preconceito em relação ao “roceiro”, sendo
necessário mudar essa visão. A
partir das plantas levadas pelos alunos, trabalhamos o sentido e a importância
do emprego do nome científico, os usos, contra-indicações e cuidados com as
dosagens, nomes
populares, origem, habitat, etc. Ressaltamos a importância do conhecimento
popular colocando-o como possível fonte para as pesquisas por novos fármacos e
fitoterápicos. Para a elaboração destas atividades utilizamos fotos de cada
espécie e dados da literatura especializada. Algumas espécies com morfologia
ou nomes populares semelhantes foram trabalhadas a partir de suas principais
diferenças e para isso usamos além de fotos, exemplares vivos, realçando
as diferenças morfológicas e organolépticas (cor, cheiro, textura). Ao final
de cada atividade os alunos fizeram desenhos e textos sobre as plantas
estudadas. Alguns destes desenhos foram utilizados na ilustração de uma
cartilha com informações sobre as plantas estudadas confeccionada pelos
pesquisadores para a população do distrito. O
jardim de plantas medicinais e aromáticas Inicialmente o objetivo do projeto,
em parceria com a Escola Municipal Antonino Martins Silva, era a implantação
de um jardim de plantas medicinais e aromáticas na Praça São João Batista.
Na escola, um dos idealizadores do projeto foi o professor de matemática, que
tinha por objetivo montar canteiros com formas geométricas e estender o ensino
de geometria além da sala de aula. Desse modo, seriam implantados alguns
canteiros com plantas medicinais e os demais preenchidos com as plantas
escolhidas pela escola de acordo com seu projeto inicial. Entretanto, em
novembro a liberação da área da praça pela prefeitura ainda não havia sido
realizada. As mudas já estavam preparadas para o plantio e não era mais possível
aguardar a liberação da praça, assim, foi necessário encontrar um outro
local para implantar o jardim. Diante dessa dificuldade, foi
discutida com professores e funcionários da escola a possibilidade de
implementar o jardim em outro local. Como o trabalho foi iniciado no Clube de Mães
e sua sede possui um quintal pouco aproveitado foi sugerida a implantação do
jardim neste local. No Clube de Mães são realizados encontros semanais, troca
de experiências e de conhecimentos são realizadas durante a confecção do
artesanato e a criação do jardim poderia estabelecer a troca de conhecimento
sobre plantas, fator importante para que este conhecimento não se perca.
Com a implementação do jardim no Clube de Mães não foi possível o
envolvimento direto dos alunos no plantio das mudas em razão do pouco tempo que
tivemos para a realização dessa tarefa. Os alunos participaram apenas da
inauguração do jardim, através de uma dinâmica planejada para esse dia. Essa
atividade requeria do aluno a identificação da planta estudada na sua sala de
aula: os alunos foram convidados a encontrar as plantas no jardim para fixar
placas em formato de margaridas contendo os nomes populares. Neste mesmo dia
também foram desenvolvidas oficinas artesanais na escola, com a utilização de
sementes e materiais recicláveis, sendo confeccionados pelos alunos diversos
objetos como portas-treco, caixinhas de presente e porta retratos. O
conhecimento dos alunos sobre as plantas medicinais O primeiro questionário foi aplicado
no início dos trabalhos na escola aos alunos de 4º a 8º série com idades
entre 9 e 15 anos com o objetivo de realizar um diagnóstico sobre o
conhecimento das plantas medicinais. Os dados mostraram que 76,6% dos alunos
possuem plantas em casa, sendo que as mais citadas foram: alecrim (Rosmarinus
officinalis L.), boldo (Plectranthus barbatus), capim-cidreira (Cymbopogon
citratus), erva cidreira (Lippia alba), e hortelã (Mentha villosa
Huds). A totalidade dos alunos (100%) conhece algum tipo de planta e 64,3% já
tiveram informações sobre elas antes desta pesquisa ser desenvolvida.
Salgado; Guido (2008: 15) encontrou
resultado semelhante no que se refere à categoria planta medicinal comentada
por informantes em sua pesquisa realizada em 11 quintais do distrito de Martinésia.
Em 8 dos 11 quintais foi encontrado capim-cidreira (Cymbopogon citratus),
em 4 erva cidreira (Lippia alba) e boldo (Plectranthus barbatus),
em 3 hortelã (Mentha villosa) e alecrim (Rosmarinus officinalis).
Ressaltamos que as denominações encontradas por Salgado; Guido (2008: 15)
revelam certa confusão entre o nome popular da erva-cidreira e do capim
cidreira, pois os informantes se referiram a erva cidreira (Lippia alba)
com os seguintes nomes populares: erva-cidreira, erva-cidreira de rama e
melissa. Já para o capim-cidreira (Cymbopogon citratus) foram
encontradas as seguintes denominações: erva-cidreira, erva-cidreira de capim e
capim-cidreira. Por esse motivo incluímos o capim cidreira nas plantas mais
citadas pelos alunos, pois não foi possível verificar a qual espécie eles
estavam se referindo. Esse dado revelou que existe dificuldade entre os
moradores, incluindo os estudantes, em diferenciar o capim cidreira da erva
cidreira. A maioria dos alunos (53,3%) costuma
usar plantas medicinais para curar alguma doença, 31,5% preferem usar remédios
de farmácia e 16,6%, usam tanto as plantas medicinais como os remédios de farmácia.
Ao justificar porque preferem as plantas medicinais encontramos as
seguintes repostas: “Sim porque minha mãe diz que
funciona ela acha que são melhores que remédios”. “Eu uso as plantas de meu quintal,
pois no distrito onde moro não tem farmácia.” “Sim, uso essa plantas como remédio
caseiro, porque são com elas que são fabricados a maioria dos remédios
caseiros e também são mais baratos.” “Eu costumo usar plantas. Porque elas
curam mais rápido e são mais baratas. Pois sempre tem um tipo de planta
medicinal nos quintais.” “As vezes eu uso, pois o posto de saúde
está fechado e não tem outra coisa”. “Porque essas plantas curam, eu também
gosto do gosto delas. A minha mãe costuma usar plantas medicinais”. “Para curar febre, gripe e resfriado.
O remédio natural.” “Dor de cabeça, enjôo, prefiro esses
remédios, pois são naturais, ou seja, não contem a química dos remédios da
farmácia.” Parece haver uma interferência muito
grande da mãe nas repostas dos alunos, sendo ela quem orienta a respeito da
medicação de plantas de uso medicinal. Tanto é que na justificativa de preferência
do uso do remédio alopático, o pai aparece nas respostas: “Costumo
usar mais de farmácia. Porque meu pai prefere remédio da farmácia”. “Não. Quando estou bem gripado meu
pai fala em me levar ao medico, mas minha mãe fala que os remédios caseiros
saram e sara mesmo.” Outras justificativas aparecem como o
gostar das plantas, a presença delas nos quintais, o preço, sendo que as duas
últimas são a justificativa para o uso do remédio alopático também: “Não. Porque não sei usar ervas.” “Prefiro usar o remédio de farmácia,
porque não sei usar elas”. “O remédio de farmácia. Porque a
gente compra sabendo para que serve se e para dor de cabeça, etc.” “Remédio de farmácia, porque lá em
casa não tem nenhuma dessas plantas.” “Às vezes plantas medicinais, mas na
maioria das vezes é remédio de farmácia. Porque a doença pode estar muito
agravada.” O conhecimento da mãe em relação
ao uso medicinal das plantas também apareceu na reposta relativa a quem sabe
fazer o remédio a partir das plantas. A mãe é apontada como a responsável
por fazer o remédio a partir das plantas por 40,42% das respostas; 26,6%
indicam a avó como responsável; os avôs aparecem com 10,65%; o pai com 9,57%;
outra pessoa da família com 5,32% e vizinhos com 6,38%. Apenas 1,06% dos alunos
sabem fazer remédio.
A presença da mãe se justifica, pois é ela quem está mais presente na
casa e no quintal, sendo quem cuida desse espaço. Barbosa (2004: 09) notou que
o quintal foi um ambiente bastante vinculado à figura feminina. Ao passo que os
homens apresentaram uma maior vivência nos “matos”. Salgado; Guido (2008:
8) ao realizar estudo nos quintais de Martinésia verificou que 73% dos
informantes da sua pesquisa eram do sexo feminino. AMPLIANDO
O CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE PLANTAS MEDICINAIS O segundo questionário aplicado após
o desenvolvimento do trabalho na escola, mostrou que cada aluno conhece em média
12 plantas medicinais citadas no questionário e esse número variou entre 3 e
23 plantas. Em relação à importância do uso
do nome científico das plantas, a maioria dos alunos reconhece a sua importância.
Seguem algumas justificativas apresentadas pelos alunos: “Porque se fazermos o remédio errado
ou pegar plantas erradas, depende da planta pode até matar.” “Porque quando as pessoas perguntar se
nós conhecemos o nome cientifico, nós sabemos.” “Para diferenciar a planta devemos
identificar o nome cientifico.” “Porque se você for para outro lugar
e falar o nome popular ninguém vai saber que planta você qué.” “Porque pode haver outros nomes, em
outras regiões, para as mesmas plantas.” “Porque podemos usar uma planta
achando que ela pode piorar ou prejudicar outro órgão.”
Nossa preocupação em enfatizar o nome científico das plantas é
justificada para que a população não tenha dificuldade em reconhecer a planta
certa para a cura da enfermidade. É muito comum plantas medicinais serem
denominadas por diferentes nomes populares, variando de região para região e
plantas com o mesmo nome popular, mas com propriedades químicas diferentes,
pois são espécies diferentes. Uma das confusões que percebemos durante as
atividades de educação ambiental e que apareceu no primeiro questionário se
refere ao nome popular empregado pelos alunos para designar tanto a
erva-cidreira-de-folha (Lippia alba Mill)
como o capim cidreira (Cymbopogon citratus
Stapf.).
Ladeira (2002: 9) comenta esta confusão: “Como
exemplo, o nome científico da melissa, ou erva-cidreira, é Melissa officinalis
L., — onde Melissa é o nome do gênero, officinalis é o epíteto específico
e não o nome da espécie, e L. é a abreviatura de Carl Linnaeus (Lineu), que
foi o botânico que deu este nome à planta. Outra espécie, também chamada de
erva-cidreira, tem o nome científico Cymbopogon citratus (DC.) Stapf —
Cymbopogon é o nome do gênero, citratus é o epíteto específico, DC. é a
abreviatura de Augustin De Candolle, botânico que descreveu a espécie pela
primeira vez e Otto Stapf, o pesquisador que mudou a espécie para esse gênero.
O nome de Stapf vem, por isso, após o parêntese.”
Neste caso fica esclarecida a confusão estabelecida entre essas espécies
tão diferentes externamente, mas por possuírem os mesmos benefícios de cura,
são confundidas e chamadas pelo mesmo nome popular. De
acordo com Cervi et. al. (1989: 4-42),
não raro, um vegetal é usado em lugar de outro devido às semelhanças morfológicas
ou, então, por ter o mesmo nome vulgar, sendo necessária maior conscientização
da população quanto aos sérios riscos causados pelo uso indevido dos
vegetais.
Conhecer o nome científico das plantas foi uma atividade que resultou em
um maior envolvimento dos alunos. Eles se interessavam pela escrita e pela
pronuncia da nomenclatura científica, o que auxiliou no trabalho de sensibilização
para a importância do nome científico.
Ao comparamos as plantas que os alunos citaram no primeiro questionário
com as que citaram no segundo (Tabela 1), percebemos que houve um aumento de
citação justamente das plantas que foram trabalhadas para enfatizar a importância
do nome científico. Esta atividade era realizada com exemplares vivos da espécie
para que os alunos percebessem a diferença entre elas. A família das mentas,
foi outro exemplo que pudemos verificar êxito no trabalho com os nomes científicos,
pois trabalhamos a diferença entre o poejo (Mentha
pulegium L.), a hortelã (Mentha x
vilosa Huds), o vick (Mentha arvensis L.)
e a menta (Mentha spp). Tabela
1 – Plantas medicinais mais citadas nos questionários I e II pelos alunos da
Escola Municipal Antonino Martins Silva, distrito de Martinésia, Uberlândia,
MG.
Percebemos que o poejo foi citado por 3 alunos no primeiro questionário,
aumentado para 23 no segundo questionário. A menta citada por 14 alunos no
primeiro questionário, não foi citada por nenhum aluno no segundo, pois foi
enfatizado nos seminários que a planta que eles chamavam de “menta” era o
hortelã, que foi citado no segundo questionário por 72 alunos ou o vick que
foi citado apenas no segundo questionário por 36 alunos. Observamos também um
aumento significativo de citações no segundo questionário das plantas
estudadas nos seminários. Vejamos algumas respostas dos alunos a respeito da
importância do uso do nome científico: “Tem várias plantas que se parecem
como o vique e hortelã se não você pega uma pensando e a outra.” “Pegar as plantas certas que vão
usar.” “Para diferenciar uma da outra quando
forem parecidas” “Porque se fazemos o remédio errado
ou pegar a planta errada, depende da planta pode até matar.” “Para não misturar os nomes e não
beber xá ou remédio errado.”
Mesmo trabalhando com o conhecimento científico e sua valorização no
uso da nomenclatura científica das plantas, procuramos enfatizar a importância
do conhecimento que a população detém sobre as plantas. Ao incorporar a ciência
nas discussões buscamos ampliar o conhecimento popular sem com isso desvalorizá-lo.
Ao contrário, mostramos que o conhecimento popular tem o seu valor, e ao
colocar a ciência junto com o conhecimento popular foi possível os alunos
perceberem que o conhecimento do homem e da mulher do campo também possui valor
intelectual.
A maioria dos alunos continuou apresentar preferência por remédios
caseiros por confiar mais nestes e mudaram a maneira de observar e valorizar as
plantas e os quintais. Todos os alunos gostaram das atividades que foram
desenvolvidas, mas muitos deixaram claro o anseio por mais informações sobre
outras plantas. “Os quintais tem muita importância
para todos. Principalmente agora que aprendemos a utilizar as plantas que tem
neles.” “Eu prefiro usar remédio medicinal,
em meu quintal tem varias plantas isso é uma riqueza, é muito melhor que remédio
de farmácia.” “Porque é uma ajuda a comunidade.” Ao partir do conhecimento dos alunos,
para assim valorizar o conhecimento popular, optamos por trabalhar as plantas
que eles conheciam e que traziam dos seus quintais. Com isso valorizamos não só
o conhecimento de seus familiares, como também os quintais de Martinésia, o
jeito de viver dessa população. Mostrando a eles e a nós pesquisadores, que
um modo de viver simples ainda apegado à terra, aos quintais, às plantas deve
ser valorizado. É claro que esse modo de viver mais simples não significa que
a comunidade de Martinésia tenha que ser impedida de participar dos recursos,
especialmente os tecnológicos, da sociedade contemporânea, nossa pretensão
com essa pesquisa é valorizar esse modo de viver, as culturas locais. PENSANDO A EDUCAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR
DA VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE PLANTAS
De modo geral, apesar das dificuldades inerentes às condições de
trabalho, do pouco tempo para desenvolver um trabalho efetivo de sensibilização
da comunidade, assim como para o amadurecimento da equipe de trabalho, a avaliação
das atividades desenvolvidas foi positiva. Ressaltamos que o jardim implantado
pode ser utilizado pela escola para desenvolver ali uma série de atividades com
as plantas nas várias disciplinas.
A partir deste projeto outras parcerias com a comunidade se estabeleceram
com a possibilidade de executar atividades que levem a sensibilização da mesma
não apenas na valorização do conhecimento popular das plantas medicinais,
como também conhecer o potencial de uso de plantas medicinais do Cerrado e
assim contribuir para a conservação deste bioma.
É importante lembrar que a pesquisa enfatizou a educação ambiental a
partir da valorização do conhecimento popular sobre de plantas e os resultados
mostraram que esta parceria pode promover práticas de educação ambiental
considerando os seguintes aspectos para a efetivação de atitudes positivas em
relação ao ambiente: o bem-estar: a comunidade de Martinésia elege seus
quintais como um local agradável, de convívio, de plantio para a subsistência
e a troca com os vizinhos; a troca entre o conhecimento informal com o
conhecimento formal: professores, alunos e seus familiares realizaram ao longo
da pesquisa uma parceria trazendo beneficio para a escola e para as famílias
que se sentiram valorizadas frente o conhecimento escolar; intercâmbio entre os
escolares e a comunidade: a implantação do jardim de plantas medicinais e aromáticas
no Clube de Mães promoveu em uma outra dimensão, a troca entre o conhecimento
escolar e o popular, além do jardim fornecer material botânico para ser usado
no artesanato produzido no Clube.
A
comunidade de Martinésia, no entanto não pode ficar responsável pela conservação
da natureza, pois alia a vida simples aos cuidados e proteção do bioma
Cerrado. Ela pode e deve participar da sociedade contemporânea que possibilita
um contato com tecnologias que tornam a vida mais prática e as coloca em
contato com o mundo, com outras culturas. REFERÊNCIAS
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M.A.A. Educação Ambiental: uma proposta pedagógica. Em Aberto, Brasília, n. 49, v.10, janeiro-março/1991, p. 41-46. POSEY,
D. A. Etnobiologia: teoria e prática.
In: RIBEIRO, D. (ed.). Suma etnológica
brasileira. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. SALGADO,
C. L.; GUIDO, L. F. O conhecimento
popular sobre plantas: um estudo etnobotânico em quintais de Martinésia, Uberlândia,
MG. Anais do IV ENANPPAS – Encontro Nacional da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade. Brasília, DF, 2008. Agradecimentos A
toda comunidade de Martinésia por nos receber com tanto carinho e nos
proporcionar tranqüilas manhãs e tardes na escola, no clube de mães, nos
quintais. A Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da
Universidade Federal de Uberlândia pelo auxilio financeiro concedido através
do Programa de Extensão Integração UFU/Comunidade (PEIC/UFU/UBERLÂNDIA). |