Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/09/2016 (Nº 57) DESENVOLVIMENTO DE UMA ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA USO CONSCIENTE DA ÁGUA
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DESENVOLVIMENTO DE UMA ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

PARA USO CONSCIENTE DA ÁGUA

 

Cristiano Alves de Carvalho – cadcarvalho@unisa.br

Carmem lúcia Costa Amaral –carmem.amaral@cruzeirodosul.edu.br

 

Resumo

Em 2014 o volume útil do Sistema Cantareira, principal sistema que abastece de água a região metropolitana de São Paulo, se esgotou e como consequência desse esvaziamento e a falta de chuva, São Paulo sofreu a uma das maiores crises hídrica dos últimos anos. Essa crise afetou não só as residências, indústria, comércio, mas também as escolas. Algumas tiveram que suspender suas aulas por falta de água e os professores aproveitando o momento, desenvolveram atividades para conscientizar os alunos quanto aos cuidados com esse bem natural. Este trabalho apresenta o resultado de uma atividade desenvolvida com o objetivo de conscientizar alunos de uma escola particular do estado de São Paulo em relação a importância da preservação e uso consciente da água durante a crise hídrica. Participaram dessa atividade 29 alunos do 10 ano do Ensino Médio. Para essa atividade foi construída uma sequência didática formada de cinco etapas, entre elas, uma visita ao sistema Cantareira, e a construção de uma mini cisterna para captar água da chuva para ser utilizada pela escola. Os resultados dessa atividade mostraram que conhecer as condições do sistema Cantareira e construir a mini cisterna foram as melhores etapas para conscientizar o aluno quanto a importância do seu papel na preservação da água a partir do seu uso consciente.

 

 

Abstract

In 2014, the useful volume of the Cantareira System, main system supplies water of the greater São Paulo, has run out and the consequence of  that emptying and lack of rain,  São Paulo has suffered the biggest water crisis of latter years. This crisis not only affected the mode residences, industry, trade, but also the schools. Some schools had suspended classes because of lack of water and the teachers, seizing the moment, have developed activities to make students aware about it. This work presents the results of an activity developed with the objective to educate students of a private school in the state of São Paulo in relation to the importance of preservation and conscious water use during this crisis. In this activity participated 29 students of first grade of high school. For this activity was built a didactic sequence formed by five stages, like a visit to the Cantareira System, and the building of a mini-tank to capture rain water to be used by the school. The results of this activity to the students showed that the Cantareira System conditions and their mini-tank were the best steps to educate themselves about the importance of its role in water conservation and its conscious use.

 

 

 

 

 

Introdução

 

Entre janeiro de 2014 e junho de 2015, o estado de São Paulo enfrentou uma das maiores crises hídrica dos últimos anos com o corte na distribuição de água em diversos bairros e cidades e redução de pressão da água nas torneiras das residências.

Essa crise não foi consequência somente da baixa ocorrência de chuvas em períodos atípicos do ano, foi consequência do desperdício (não só durante o consumo, mas também na distribuição de água), da não utilização de práticas de conservação dos mananciais e também, como descreve Martins (2014) da má gestão do recurso hídrico durante diversos períodos de estiagem.  A situação do abastecimento de água dos paulistanos chegou a um ponto tão crítico que em maio de 2014, a Sabesp, companhia que administra o Sistema Cantareira decidiu usar o volume morto, uma reserva de 400 bilhões de litros que fica abaixo das comportas.

Durante esse período de crise, não só as residências, mas também as escolas sofreram as consequências de falta de água como dispensa de aulas, convívio com mau cheiro e distribuição de merendas secas, a base de biscoitos como descreveu Camilo (2015).

Aproveitando esse momento, em algumas escolas, os professores desenvolverem atividades para conscientizar os alunos quanto a importância da seu uso consciente. Para essa conscientização, esses professores utilizaram recursos didáticos para discutir questões ambientais voltadas não só à compreensão da realidade local, mas a mudança de hábitos e atitudes no que diz respeito ao uso racional da água, contribuindo assim, para uma Educação Ambiental. Esse trabalho apresenta uma dessas atividades desenvolvida com alunos do Ensino Médio de uma escola privada do estado de São Paulo. Nosso objetivo foi que essa atividade contribuísse para a conscientização dos alunos em relação a importância da preservação e uso consciente da água e os auxiliasse na compreensão do seu papel enquanto cidadão no meio ambiente, pois embora muitos achem que nossa participação individual no mundo não é relevante, isso não é verdade, ou seja, nossas ações importam, e muito, pois vivemos relacionados uns com os outros e com toda a natureza.

 

Educação ambiental

 

            O mundo sempre passou por transformações ambientais ao longo dos séculos, porém a degradação ambiental só recebeu atenção a partir da década de 1950, quando episódios de contaminação do ar em Londres e Nova York e os efeitos da poluição por mercúrio, causada por despejos industriais nas cidades japonesa como Minamata e Niigata se tornaram evidentes (BRASIL, 1998).

            Em função desses e vários outros problemas ambientais, em 1962, a bióloga e jornalista americana Rachel Carson, lançou o livro denominado “Primavera Silenciosa”, denunciando as causas e consequências da poluição do ar, do solo e de mananciais devido a evolução industrial e do uso de inseticidas produzidos por essas indústrias, em particular o DDT. Essas denúncias resultaram em preocupações de todo o mundo, singularmente de autoridades governamentais.

            Nos anos de 1970, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou um evento com representantes de vários países para discutir sobre o ambiente e a ação do homem sobre ele. Essas discussões foram resumidas e agrupadas em um único documento chamado “Declaração sobre o meio Ambiente”, publicado em 1972. Este documento apresenta ideias comuns a todos os indivíduos empenhados na melhoria do meio ambiente.

            Em 1975, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) realizaram em Belgrado um encontro internacional sobre Educação Ambiental, com o envolvimento de 65 países. Esse evento sucedeu a “Carta de Belgrado” que mostra conceitos e diretrizes para a Educação Ambiental no mundo. De acordo com essa carta, a educação ambiental “[...] deve ser contínua, multidisciplinar, integrada às diferenças regionais e voltada para os interesses nacionais [...]”. (GUIMARÃES, 1995, P.)

            A década subsequente foi marcada também por discussões sobre meio ambiente e Educação Ambiental em muitas partes do mundo indicando dessa forma a inquietação com o tipo de vida e a conservação do meio ambiente. Em 1992, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, mais conhecida como “Rio 92”. Como resultado dessa conferencia foram preparados 32 tratados, entre eles, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global onde foram traçados os princípios e diretrizes para o desenvolvimento de trabalhos com a temática ambiental.

Para enfatizar ações educativas voltadas para o meio ambiente, em 1998 o Ministério da Educação, em seus Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), definiu um conjunto de temas conhecidos como Temas Transversais que deveriam ser discutido nas escolas, entre esses temas está o de Meio Ambiente. De acordo com esse documento, esses temas devem ser discutidos em todas as disciplinas de forma implícita ou explícita de acordo com os conteúdos de cada uma delas e não devem se resumirem somente a aspectos físicos e biológicos, mas aos aspectos cultural, social e econômico referentes cada temática.

            Em 1999, o presidente da república sancionou a Lei Nº 9.795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental em todos os estabelecimentos de ensino. O artigo 1º define a Educação Ambiental como:

 

Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999)

 

Essa Lei prioriza as bases da Educação Ambiental em todas as escolas do território Nacional, a construção de valores sociais, atitudes e competências para a conservação do meio ambiente e a gestão integrada dos recursos naturais. Por meio desta política percebe-se a legitimidade de ações educativas de proteção e recuperação dos recursos naturais, dentre eles, a água.

A Educação Ambiental embora seja da responsabilidade de toda a sociedade, é à escola que se cobra uma atuação mais marcante. Para isso é importante que a escola busque metodologias de trabalho que de acordo com Barcelos (2010) privilegiem a construção de conhecimentos com base na solidariedade, na tolerância, na paz, e em um conhecimento prudente de si, e que tenha como horizonte a construção de um mundo social e ecologicamente mais justo.

Ao tratar da Educação Ambiental no contexto escolar, Penteado (2012) descreve que o conhecimento do meio ambiente deve passar de informativo (superficial) para formativo (consciente e atuante). Ele aponta que atividades sobre temas ambientais podem ser aplicadas como instrumento de compreensão da realidade e de resolução de seus problemas, o que colabora para a formação de cidadãos dotados de consciência ambiental.

E essa consciência não deve se resumir somente na utilização racional dos recursos naturais, mas também em mudança de mentalidade quanto a esses recursos. Para isso o professor pode aprofundar os saberes e debates contidos nos materiais didáticos e midiáticos. Essa mudança de mentalidade inicia quando a Educação ambiental parte de situações reais, como no nosso caso, da crise hídrica vivenciada por toda a comunidade escolar.

 

Metodologia

Participaram dessa atividade 29 alunos de uma turma da 1º Série do Ensino Médio de uma escola particular localizada no município de São Paulo (SP). Essa escola atende a população do bairro há mais de 40 anos, possuindo um total de 300 alunos entre educação infantil, ensino fundamental e médio, todos no período matutino.

Os alunos tinham faixa etária de 14 anos em média. São de classe média alta e foram escolhidos por apresentarem características de apatia e desinteresse pelos assuntos ambientais.

A sequência didática foi desenvolvida no 2º e 3º trimestre de 2015 nas aulas de química. Esse planejamento envolveu as seguintes etapas:

 

 

 

ETAPAS

OBJETIVOS

 

1. Documentário

(3 aulas)

 

Introduzir as questões ambientais mostrando a diversidade da vida no nosso planeta e o nosso papel na preservação dessa diversidade.

 

2. Elaboração de uma resenha do documentário

(1 aula)

 

Desenvolver a competência escritora.

 

Perceber o que os alunos entenderam da temática ambiental

 

3. Introdução ao estudo da água com enfoque ambiental.

 

(5 aulas)

 

Estudar soluções e transformações químicas que ocorrem nessas soluções aquosas.

Estabelecer relação dessas soluções com os parâmetros de qualidade da água.

Discutir sua importância para a sobrevivência humana.

4. Visita ao Parque Estadual do  Cantareira.

 

 

Conhecer as etapas do tratamento da água.

Sensibilizar o aluno quanto a situação do sistema Cantareira.

Conscientizar os alunos do seu papel como cidadão no controle do desperdício de água.

5. Construção da Mini Cisterna

 

(10 aulas)

Colocar em prática a teoria abordada anteriormente.

 

Adquirir conhecimento dos processos necessários para um sistema de aproveitamento de água de chuva e da importância de cada elemento do sistema.

Quadro 1 – Distribuição das etapas da sequência didática e seus objetivos.

 

 

Resultados das Atividades Desenvolvidas na Sequência Didática

 

Como primeira etapa escolhemos introduzir as questões ambientais a partir do documentário Home[1]. Esse documentário foi lançado em 2009 e tem duração de uma hora e quarenta minutos. Ele mostra imagens da Terra e expõe a diversidade da vida no nosso planeta contrastando com os dados assustadores sobre as questões ambientais.

Home evidencia as formas de interferências da humanidade no nosso planeta, hostilizando bruscamente o equilíbrio ecológico, causando a extinção dos recursos naturais e catástrofes ambientais, fazendo com que o expectador (o aluno, neste caso) reflita sobre a emergência de uma grande mudança atitudinal para conseguir modificar esse quadro.

Foi pensando nessa reflexão que utilizamos esse documentário como ponto de partida para conscientizar nossos alunos com as questões ambientais, em particular, relacionadas com a crise hídrica que estávamos enfrentando. A princípio, houve dificuldade de concentração da turma. Não assistiram ao documentário com atenção e não se envolveram, até que decidimos interrompê-lo e depois de uma longa conversa, percebemos que o desinteresse era devido ao cansaço por estarem em semana de provas e ao tamanho do documentário.

 Assim, o assistimos novamente nas semanas seguintes, mas desta vez por pedaços e a cada pedaço parávamos e discutíamos os principais pontos mostrados. Essa forma tornou essa etapa mais fácil e ao mesmo tempo mais lenta.

Na aula seguinte ao documentário solicitamos que fizessem uma resenha envolvendo o que foi visto no documentário e discutido em sala de aula. Para sua elaboração foi solicitado ao aluno que, além do que lhe foi apresentado, fizesse uma pesquisa sobre o assunto. Como descreve Freire (2001, p.32) “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”. Para esse autor, é importante que estimular o aluno a pesquisa, pois por meio dela, este instiga sua curiosidade, imaginação, observação, questionamentos, elaboração de hipóteses e chega a uma explicação.

Os quadros 2 e 3 mostram as resenhas apresentadas pelos grupos 2 e 3.

 

 

 

Grupo 2:

O documentário “Home” aborda a origem do Planeta, desde sua criação até os dias atuais, trazendo inúmeras cenas de dados alarmantes que refletem no mundo atualmente e que foram causados por ações dos próprios seres humanos, como a falta de água.

Desde que o ser humano surgiu na Terra, está sempre causando mudanças. Primeiramente por meio da agricultura, depois começou a explorar outras energias e promoveu a industrialização, com a criação de fábricas, máquinas e etc, ou seja, a novas  tecnologias tomaram conta da Terra e cada vez mais fazem com que o homem consuma exageradamente os recursos naturais em um curto espaço de tempo, havendo assim um grande desequilíbrio, como o aumento da temperatura anualmente, o derretimento de geleiras e a grande diminuição de grandes recursos, como o mais importante deles: a água. Tais problemas, apesar de serem muito graves, podem ser solucionados, desde que haja a conscientização da população.

A água, o principal recurso para a manutenção da vida no planeta, infelizmente está se tornando cada vez mais rara e não há mais água suficiente para satisfazer a população como havia antes, o que é um problema muito grave, já que sem água não existe vida. No documentário “Home” é destacada várias formas de como isso pode prejudicar na vida da Terra, e algumas delas já podemos observar no dia-a-dia de cidades extremamente populosas, como São Paulo, por exemplo, onde há a falta de água frequentemente.

Entretanto, mesmo com tantos problemas, nem tudo está sendo encaminhado para o fim, já que alguns países já estão investindo em soluções para tais problemas, como o direcionamento de gases poluentes, fontes de energia alternativa, entre outros.

Portanto, o que realmente importa é conscientizar a população para que a mesma não continue “destruindo” a Terra abusando dos recursos de forma errada como sempre fez, para que todos cuidem do Planeta pensando em como isso poderá afetar nas próximas gerações, pois os recursos que a Terra nos oferece são extremamente importantes para a nossa vida, logo temos a obrigação de usá-los conscientemente para um mundo melhor onde possa existir vida por mais tempo.

 

Quadro 2 – resenha desenvolvida pelo grupo 2.

 

 

Grupo 3:

O documentário mostra como a água é importante para os seres vivos, é a base para a sobrevivência dos seres, ele também mostra como o ser humano poluiu o planeta Terra e se a humanidade não fizer nada para mudar isso a vida na Terra pode acabar.

No começo o filme fala como cada coisa que vive no planeta Terra está conectada, dizendo que cada animal e vegetal tem a sua função na Terra.

O filme mostra como a Terra pode ficar se a humanidade continuar a desperdiçar os recursos naturais, matando animais, poluindo o ar e a água, desmatando a natureza, e vários outros jeitos. Mas o que ele mais fala é sobre a água, o elemento mais “importante” da Terra. Mesmo ela recebendo essa classificação o ser humano ainda usa a água como se ela fosse algo ilimitado.

A água é algo que não podemos desperdiçar, mesmo que no país que você viva não esteja com falta de água, existe países que sofrem com a sua falta, não tendo água para beber ou até tendo água, mas a região pode ser tão poluída que deixa a água inviável para ser bebida, então os seres que moram nessa região tem uma água que pode ser bebida.

Com isso podemos dizer que esse documentário quer mostrar que a água deve ser cuidada e não pode ser desperdiçada, que mesmo que o planeta Terra tenha a maior parte da sua superfície feita de água, nós não podemos ficar desperdiçando-a, então nós temos que cuidar do nosso planeta para que possa ter algo que podemos deixar para a próxima geração, além do sofrimento que é de não ter água.

 

Quadro 3 – resenha desenvolvida pelo grupo 3.

 

Como podemos observar nessas resenhas, esses grupos entenderam o documentário e se evidenciaram que a água não só é um bem finito, mas também a importância do papel do homem na sua conservação para a sobrevivência dos seres vivos. Compreenderam também que ao longo dos séculos, a humanidade comprometeu o planeta de tal forma que a resolução para os problemas ambientais não é simples, nem rápida. Mas, que não devemos desistir pois teremos recompensas futuras. Eles acreditavam que ainda podemos salvar o planeta. A esperança desses alunos relembra o que descreve Reigota (2001, p.12), quando diz que "Os problemas ambientais foram criados por homens e mulheres e deles virão as soluções. Estas não serão obras de gênios, de políticos ou tecnocratas, mas sim de cidadãos e cidadãs". Com essas construções os alunos exteriorizaram seus sentimentos em relação ao meio ambiente não só a partir do documentário, mas também das suas experiências vividas.

            Após essa etapa introduzimos o conteúdo de acordo com o currículo. A apresentação dos conteúdos e conceitos de química partiram do tema “crise hídrica no estado de São Paulo”.  Iniciamos discutindo esse tema e em seguida a importância da água como solvente e introduzimos o conteúdo de soluções. Foram discutidas também as consequências do desperdício de água, gerenciamento da sua distribuição, poluição dos mananciais e alteração no regime de chuvas, pois partindo da discussão desses temas, o aluno identifica os problemas relacionados a presença do homem no ambiente, tornando-se apto a buscar soluções mais adequadas aos impactos da sociedade sobre o meio ambiente, em particular, sobre a água. Essas questões, embora diversificadas, foram importantes para uma educação ambiental.

Nessa etapa tentamos estabelecer uma relação entre os conteúdos de ensino e os contextos da vida social e pessoal dos alunos para favorecer a sua compreensão sobre o meio, aliado ao desenvolvimento de competências e habilidades voltadas para a conscientização de uma nova mentalidade com relação a como aproveitar os recursos oferecidos pela natureza, em particular a água, sem causar um desequilíbrio entre o homem e o ambiente.

Como resultados observamos que desenvolver junto com o aluno essa relação dos conteúdos com o seu contexto social não foi tarefa fácil, pois alguns mostraram resistência, pois não estavam acostumados com aulas não tão expositivas. Essa atitude evidencia a contradição de sentimentos desses alunos em relação a prática educativa onde ele é treinado a memorizar e repetir os conteúdos transmitidos na sala de aula como acontece, em geral, em uma aula expositiva. Se por um lado, a aula expositiva é considerada por muitos como enfadonha, uma aula não expositiva dá uma sensação de insegurança uma vez que o conhecimento é construído gradualmente.

            Na tentativa de resgatar o interesse desses alunos, realizamos uma visita técnica ao parque Estadual do Cantareira. Segundo Vasconcelos e Souto (2003), ao se ensinar ciências, é importante promover situações que possibilitem a formação de uma bagagem cognitiva no aluno. Isso ocorre através da compreensão de fatos e conceitos fundamentais de forma gradual. Espaços não-formais, onde se procura transmitir ao público estudantil conteúdos de ciências, podem favorecer a aquisição de tal bagagem cognitiva.

Rocha e Fachín-Terán (2010) ao discutirem a importância dos espaços não formais para o ensino de Ciências, destacam a relevância da escola nesse processo e pontuam a impossibilidade de alcançar uma educação científica, sem a parceria da escola com estes espaços. O espaço não formal onde desenvolvemos essa etapa da sequência didática foi a visita ao Núcleo Cabuçu que é um dos parques que constituem o Parque Estadual do Cantareira. Essa visita foi dividida em três momentos: Visita ao museu; Visita a estação de tratamento de água e Caminhada pela trilha tapiti.

Na vista ao museu os alunos foram recebidos por uma monitora que contou a história do parque e sua importância como área de preservação ambiental. Nesse espaço os alunos tiveram a oportunidade de observar animais representantes da fauna e da flora local, além de painéis de animais taxidermizados, amostras de crânios, pele e algumas espécies de animais fixadas em formol.

Visitar o museu foi muito importante porque os alunos tiveram oportunidade de conhecer os animais representantes da fauna e a vegetação representante da flora local que eles não conheciam e a monitora explicou a sua importância e que quando um local, onde estão todos os animais daquela região, é destruído ou mal conservado coloca-se todos os animais daquela região em risco, pois destrói-se o seu habitat, que é uma das maiores causas de diminuição da biodiversidade no nosso planeta.

No museu havia uma maquete do Parque Sanitário CDR – Pedreira. Esse aterro chamou a atenção dos alunos, pois ao mesmo tempo que uma parte do Núcleo Cabuçu estava preservada, a outra estava sendo invadida por este aterro sanitário que tentava compensar o Núcleo ajudando financeiramente, mas que ao mesmo tempo provoca danos irreparáveis.

Esse aterro recebe visitas de escolas e de acordo com a prefeitura de Guarulhos[2] essas visitas são monitoradas e têm como objetivo sensibilizar esse público sobre as questões do consumismo e destinação adequada dos resíduos sólidos, esclarecer sobre o funcionamento e a importância de um aterro sanitário e os serviços que o departamento de limpeza urbana presta. Esse aterro recebe diariamente cerca de 1300 toneladas de resíduos domiciliar.

Aproveitamos esse momento para discutir sobre o lixo, o qual é um dos grandes problemas ambientais. Discutimos o seu ciclo que tem início no consumo, seguindo para a produção de resíduos, o descarte e a coleta e que esta última é que define seu destino final. Se for recolhido por um sistema seletivo, irá para reciclagem, do contrário, irá para um aterro sanitário.

Discutimos também sobre a sua produção exagerada, as consequências de sua deposição em lugares inadequados, a ineficiência dos sistemas de coletas, o consumismo e a falta de uma educação ambiental nas comunidades que como descrevem Solto et al. (2009) interferem na conservação dos recursos naturais e na saúde pública.

Neste sentido, esse espaço não formal constituiu num espaço reflexivo privilegiado para o desenvolvimento da percepção do aluno sobre o meio ambiente. Para Oliveira (2006) o estudo da percepção busca o entendimento que o ser humano tem do seu meio ambiente, em particular, no que diz respeito aos resíduos sólidos, como objeto que ele produz, convive e mal conhece.

Com essa discussão, os alunos puderam refletir sobre o consumo compulsivo de aparelhos e equipamentos eletrônicos como os celulares e computadores que geram um lixo interminável, que de acordo com Mucelin e Bellini (2008) se converte em danos ambientais muitas vezes irreversíveis, produzindo desequilíbrios ecológicos e colocando em risco a dinâmica natural da Terra. Assim, qualquer tentativa de reduzir a quantidade de lixo ou alterar sua composição pressupõe mudanças no comportamento social.

Após a visita ao museu os alunos foram conhecer a estação de tratamento de água (ETA) construída pelo SAAE (Serviço Autônomo de Águas e Esgotos de Guarulhos). Esta ETA abastece cerca de 100 mil pessoas da região do Parque Continental, Cabuçu e Recreio São Jorge.

Nessa visita os alunos aprenderam sobre os processos de tratamento de água (pré-cloração, pré-alcalinização, fator pH, coagulação, floculação, pós-alcalinização, desinfecção, fluoretação) e embora alguns não compreendessem a função e a definição de cada um desses processos, notaram a relação entre a química e sua importância para a obtenção de água potável, além de perceberam também que tratar a água não é um processo barato.

Em seguida realizaram caminhada em uma das quatro trilhas do Núcleo Cabuçu, a trilha tapiti. Nessa trilha os alunos observaram algumas espécies que compõe a flora local como araucária, samambaia-açu, bambu, jerivá, cedro rosa e outras.  Ao percorrer essa trilha os alunos puderam ver de perto a situação crítica que se encontra o abastecimento da região perceberam como o problema era grande e como afetaria a todos em um curto espaço de tempo.

Durante a visita foi observada uma preocupação na expressão de alguns alunos que, segundo eles, constaram que algo deveria ser feito, e que a responsabilidade não é só do governo, como muitos pensavam, mas de todos os paulistanos.

Esses resultados evidenciaram que essa visita atingiu seu objetivo, que era no mínimo gerar um desconforto em relação a situação do Cantareira, e com isso se conscientizassem da importância do seu papel e de todos os paulistanos, além do governamental, para a sua resolução.

Na aula seguinte a essa visita discutimos as questões políticas e sociais relacionados a crise hídrica pela qual estávamos passando, a importância da fauna e da flora para o equilíbrio ecológico e tiramos dúvidas quanto a algumas etapas do tratamento de água.

            Como a falta de água também atingiu nossa escola, após essa visita convidamos os alunos a construírem uma mini cisterna sugerida no site sempre sustentável[3]. Inicialmente alguns não se interessaram muito, mas depois resolveram enfrentar o desafio. Para essa construção a turma foi dividida em três grupos, o primeiro foi responsável pela parte prática, o controle do material, corte das peças e montagem, o segundo pelo registro do trabalho através de fotos e vídeos e o último se responsabilizou pela apresentação dos resultados no dia da feira cultural da escola. Os membros de cada grupo foram escolhidos de acordo com a afinidade aluno/aluno e competência do aluno em relação ao trabalho que seria executado. A figura 1 mostra as peças cortadas pelos alunos que foram utilizadas para a construção da mini cisterna.

Figura 1 – Foto das peças cortadas pelos alunos para montagem da minicisterna.

 

Num primeiro momento, os alunos parecerem apáticos e desinteressados em construí-la, mas à medida que o projeto de sua construção foi tomando forma, todos perceberam a seriedade e a sua importância no armazenarem água da chuva. Assim, durante a sua construção o envolvimento foi completo, a ponto de contagiar todo o ambiente escolar. A sala toda assumiu o compromisso e passou a multiplicar o ideal do nosso projeto por toda a escola.

Após sua construção, os alunos estudaram a melhor maneira de inserir esse novo objeto no ambiente escolar, analisaram o local ideal para ser instalada e avaliaram as vantagens e riscos. A figura 2 mostra a mini cisterna montada no local escolhido pelos alunos.

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Figura 2 – Foto da mini cisterna construída e instalada na escola pelos alunos.

 

Com essa atividade a produção do conhecimento tornou-se resultado da atividade de cada um dos alunos envolvidos, implicando que a aprendizagem escolar, como descreve Pires (2000, p.72) deve ser entendida como um processo ativo de elaboração e supõe que o ensino se realize de modo que favoreça as múltiplas interações entre o aluno e os conteúdos e não como uma recepção passiva de conhecimento.

Alguns professores da escola comentaram, durante o desenvolvimento dessa etapa, que os alunos sempre abordavam a questão da falta de água, e o plano de construir a cisterna foi a resposta para o problema. A cisterna é um reservatório de águas pluviais que aproveita a água não apenas para o consumo e limpeza, mas para a irrigação; a disponibilidade de água a baixo custo em época de estiagem e para reduzir custos. Para a diretora do colégio, essa ação possibilitou conscientizar os alunos sobre a importância de reutilizar a água e preservar os recursos naturais. “A atividade formou uma consciência ambiental, necessária para construir o conhecimento científico e colaborar com a formação da cidadania”, destacou a diretora.

 

Considerações finais

 

No início da aplicação da sequência didática percebemos que os alunos não apresentavam interesse pela temática ambiental. Seu interesse apareceu quando realizamos a visita ao parque do Cantareira e aumentou durante a construção da mini cisterna.  Esse resultado evidencia que para alunos nessa faixa etária precisamos desenvolver atividades envolvendo situações reais para despertar seu interesse e ao mesmo tempo conscientiza-los quanto as causas responsáveis pelos problemas ambientais. No nosso caso essa situação foi a visita ao parque do Cantareira, onde o aluno percebeu a gravidade da situação hídrica que estávamos enfrentando.

Com a construção da mini cisterna os alunos perceberam que por ser a água potável fundamental para sobrevivência dos seres vivos, precisamos propor soluções simples para amenizar o seu uso. Uma dessas soluções é a captação de água da chuva.

Desta forma, evidenciamos que a sequência didática contribuiu para conscientizar o aluno quanto a importância do seu papel como cidadão na preservação da água na sua comunidade.

 

 

Referencias

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BRASIL. Lei No 9.795, de 27 de Abril de 1999. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=321. Acesso: 03/2016.

 

 

CAMILO, C. Escolas paulistas enfrentam desabastecimento de água. Notícias APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/escolas-paulistas-enfrentam-desabastecimento-de-agua/

 

MARTINS, A. Sistema Cantareira e a crise de água em São Paulo: a falta de transparência no acesso a informação. Artigo 19, 2014. Disponível em: http://artigo19.org/wp-content/uploads/2014/12/Relat%C3%B3rio-Sistema-Cantareira-e-a-Crise-da-%C3%81gua-em-S%C3%A3o-Paulo-%E2%80%93-a-falta-de-transpar%C3%AAncia-no-acesso-%C3%A0-informa%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso: 03/2016.

 

FREITAS, N.T.A.; MARIN, F.A.D.G. Educação Ambiental e Água: concepções e práticas educativas em escolas municipais. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente- SP, v. 26, número especial 1, p. 234-253, jan. 2015.

 

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PROIETI, C. Falta de água faz colégio da Mooca dispensar estudantes. Agora, 2015. Disponível em: http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/2015/05/1632237-falta-de-agua-faz-colegio-da-mooca-dispensar-estudantes.shtml

 

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BRASIL. A Implantação da Educação Ambiental no Brasil. Publicação de responsabilidade da Coordenação de Educação Ambiental do Ministério da Educação e do Desporto, Brasília - DF, 1998. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001647.pdf. Acesso:03/2016.



[1] Disponível em www.youtube.com/watch?v=Wa546EesVPE

[2] http://www.guarulhos.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14053&Itemid=1711

[3] http://www.sempresustentavel.com.br/hidrica/minicisterna/minicisterna.htm

Ilustrações: Silvana Santos