Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/11/2016 (Nº 58) A INTERDISCIPLINARIDADE NOS PROCESSOS DE REMOÇÃO E REASSENTAMENTO: EXPERIÊNCIAS NO PROJETO MODERNIZAÇÃO
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A interdisciplinaridade nos processos de remoção e reassentamento: experiências no Projeto Modernização

 

 

 

ALMEIDA, Vanessa Cristina dos Anjos (1); NASCIMENTO, Alexandra (2)

 

 

1. Estudante de Mestrado do Centro Universitário UNA

Rua Antonio Paulino de Castro, 104/703 – Jaraguá BH/MG

vanessacanjos@yahoo.com.br

 

2. Professora Doutora do Programa de Mestrado do Centro Universitário UNA

Rua dos Guajajaras, 175 – Centro BH/MG

alexandranascimento@uol.com.br

 

Resumo

 

O presente artigo busca discutir como a interdisciplinaridade se apresenta como potencial no processo de remoção e reassentamento de famílias em áreas informais tomando como referência o Projeto Modernização, cuja implementação permite refletir acerca dos limites e possibilidades do trabalho interdisciplinar em programas cuja abrangência envolve distintas realidades locais e, por isso, a compreensão da complexidade humana. A análise se justifica pelas dificuldades inerentes a esses processos em função do impacto ambiental e estrutural na vida das famílias que se materializam na mudança da moradia, mas que envolvem questões mais abrangentes como o estabelecimento de novos vínculos sociais. Para analisar a interdisciplinaridade no processo de reassentamento, o artigo foi estruturado em quatro seções, alem da introdução e considerações finais. A primeira seção discute os conceitos de interculturalidade, intersetorialidade e interdisciplinaridade. A segunda apresenta um breve histórico da Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte com ênfase no Programa de Reassentamento em Função de Obras Publica que se constitui como um grande desafio para o poder público em termos de política social e ambiental. Na terceira seção, será analisado o processo de remoção denominado Projeto Modernização que consiste em readequar a rede ferroviária que liga a região leste de Belo Horizonte a General Carneiro em Sabará. A iniciativa contempla a urbanização no entorno, com abertura de ruas, melhoria de pavimentação e implantação de áreas verdes e de lazer, indicando a necessidade de remoção das famílias residentes nas áreas de intervenção e no entorno do projeto a ser implantado, considerando a conservação do meio ambiente. Por fim, para a construção da reflexão final, a quarta seção trata da equipe social, que envolve profissionais de distintas formações acadêmicas bem como sua contribuição para o projeto. A equipe social do Projeto Modernização contou com um corpo profissional interdisciplinar composto por assistente Social, sociólogo, psicólogo, arquiteto e geógrafo. A interdisciplinaridade neste contexto toma como referência o paradigma de um novo olhar capaz de religar as diversas áreas do conhecimento para o trato da questão da Remoção Involuntária. Neste sentido, a questão da Remoção Involuntária desafia a equipe de trabalho a apreender a dinâmica da realidade e suas contradições. Desafia também as empresas e o poder público na compreensão da necessidade de um trabalho interdisciplinar no âmbito da formação dos profissionais que compõem as equipes técnicas sociais, contratando os profissionais de acordo com suas formações e não como técnicos sociais restritos as mesmas atribuições, exigindo compromisso ético e leitura crítica do contexto numa perspectiva dialética de articulação da realidade global e local.

 

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Politicas Publicas; Reassentamento


INTRODUCAO

O objetivo deste trabalho e compreender o potencial interdisciplinar dos profissionais envolvidos no Projeto Modernização. Tal analise se justifica pela complexidade dos processos de reassentamento no que tange a preservação ambiental e sustentabilidade, bem como a diversidade de famílias que passam por um impacto estrutural em suas vidas que é a mudança da moradia, identidade e vínculos sociais.

Desta forma, para analisar a interdisciplinaridade no processo de reassentamento, o artigo foi estruturado em quatro seções, alem da introdução e considerações finais. A primeira seção apresenta os conceitos de interculturalidade, intersetorialidade e interdisciplinaridade, seguido da segunda seção que pretende desenvolver um breve histórico da Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte. Na terceira seção, será analisado o processo de remoção denominado Projeto Modernização que consiste na modernização do sistema ferroviário entre o bairro Horto em Belo Horizonte e General Carneiro em Sabará e, por fim, a quarta seção que trata da equipe social, que envolve profissionais de distintas formações acadêmicas bem como suas contribuições para o projeto.

Conceitos

Quando a proposta é apresentar os conceitos de Interculturalidade, Intersetorialidade e Interdisciplinaridade as definições são inesgotáveis, pois, diversos estudiosos discutem sobre tais conceitos, além de se poder contar também com grupos de vários segmentos que contribuem empiricamente com essas reflexões.

O conceito de interculturalidade apresentado por Candau (2008) ressalta que a perspectiva intercultural que defende é a que quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade. Nesta perspectiva, a interculturalidade se faz necessária em todas as políticas publicas, bem como a intersetorialidade.

Conforme Junqueira, Inojosa e Komatsu, (1997), as estruturas setoriais se caracterizam por um recorte fragmentado, no qual os serviços não se comunicam: ao contrário atuam de forma isolada. Essa configuração setorial que molda os serviços situados no aparato estatal remonta a ampliação das funções Estado capitalista no século XX. Sua expansão se dá por meio de políticas sociais de corte setorial. Em contrapartida, atualmente, a intersetorialidade é evocada por contrapor-se ao aparato setorial que molda as políticas sociais. Com este direcionamento, a intersetorialidade envolve ações integradas de distintos setores, no atendimento da população, cujas necessidades são pensadas a partir de sua realidade concreta, de modo a colocar em pauta as peculiaridades de suas condições de vida.

Referencia para esse trabalho, segundo Goldman (1979, p. 3-25), um olhar interdisciplinar sobre a realidade permite que entendamos melhor a relação entre seu todo e as partes que a constituem. Para ele, apenas o modo dialético de pensar, fundado na historicidade, poderia favorecer maior integração entre as ciências. Nesse sentido, o materialismo histórico e dialético resolveu em parte o problema da fragmentação do conhecimento quando colocou a historicidade e as leis do movimento dialético da realidade como fundamentos para todas as ciências.

Desde então, o conceito de interdisciplinaridade vem sendo discutido nos diferentes âmbitos científicos e muito fortemente na educação. Tanto as formulações filosóficas do materialismo histórico e dialético quanto as proposições pedagógicas das teorias críticas trouxeram contribuições importantes para esse novo enfoque epistemológico. De fato, é no campo das ciências humanas e sociais que a interdisciplinaridade aparece com maior força.

Política Pública Habitacional

A Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte faz parte das políticas públicas do município e orienta-se pelo Plano Diretor da cidade, no que diz respeito à ocupação ordenada do solo urbano e ao atendimento da população de baixa renda, como meio de promover uma melhoria da qualidade de vida e conquista ao direito a cidadania.

A Política Municipal de Habitação foi aprovada em 1994 pelo Conselho Municipal de Habitação criado no mesmo ano. Para implantar esta política, foi instituído, o Sistema Municipal de Habitação, atualmente composto por um órgão gestor, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (SMOBI), a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL) que se constitui como um órgão propositor e executor, pelo Conselho Municipal de Habitação (CMH), que tem caráter deliberativo e pelo Fundo Municipal de Habitação Popular (FMHP), que concentra os recursos para implantação da Política Municipal de Habitação (URBEL, 2012). 

Foram definidos dois eixos de atuação na Política Municipal de Habitação, uma de Intervenção em Assentamentos Existentes (vilas e favelas), a cargo da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), que busca a redução do déficit qualitativo e outra que trata da Produção de Novos Assentamentos que busca a redução do déficit habitacional no Município.

A Intervenção em Assentamentos Existentes e composto pelo Programa de Intervenção Estrutural (Programa Vila Viva), Programa Estrutural em Área de Risco (PEAR), Programa de Regularização Fundiária, Programa de Reassentamento em Função de Obras Publicas (PROAS) e o Programa Bolsa Moradia (Reassentamento Provisório). Este artigo objetiva analisar os limites e possibilidades de um trabalho interdisciplinar dentro do Programa de Reassentamento em Função de Obras Publica que se constitui como um grande desafio para o poder público em termos de política social.

A resolução n IV (a) do Conselho Municipal de Habitação dispõe sobre o Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em decorrência da execução de Obras Publicas – PROAS. A resolução apresenta, entre outros itens, o procedimento metodológico que confere a URBEL a responsabilidade de aplicar o cadastro socioeconômico nas famílias a serem beneficiadas e realizar a avaliação de todas as benfeitorias a serem removidas a partir da solicitação das coordenadorias dos programas correspondentes as obras.

A partir do cadastro e avaliação a URBEL realiza o reassentamento monitorado que consiste na vistoria e avaliação do imóvel a ser adquirido pelas famílias, considerando questões como habitabilidade, contexto urbano, sustentabilidade e regularidade documental. São beneficiadas pelo reassentamento monitorado famílias que tiveram suas benfeitorias avaliadas ate o valor em UFIR definido na resolução, sendo indenizadas em espécie as benfeitorias residenciais com avaliação superior ao valor em UFIR definido, além das benfeitorias de uso não residencial. A abordagem e acompanhamento das famílias beneficiadas é realizado pela URBEL em conjunto com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP), sendo a SUDECAP responsável pelo pagamento de todas as indenizações.

Os impactos dos processos de Reassentamento em Função de Obras Publicas são grandes, gerando forte ansiedade e resistência nas comunidades atingidas por ser a moradia uma referência fundamental para o indivíduo em nossa sociedade, demarcando sua identidade e o seu papel social. Os impactos são ainda maiores quando se trata da remoção de uma comunidade inteira e a sua transferência para um outro local de moradia. Nesse caso, o impacto é significativo não só para as famílias reassentadas, mas também para o entorno do local em que se dará o reassentamento, e para o espaço de onde as famílias serão removidas tendo em vista os problemas derivados da relação entre o homem e a natureza transformada.

Trata-se de uma intervenção complexa no ambiente e na vida dos moradores de favelas que se estabeleceram enquanto comunidades, famílias que se constituem e se estabelecem nestes locais, criam vínculos sociais e identitários, além de estabelecerem com suas moradias uma relação de abrigo e acolhimento. Nesse sentido, De acordo com Fertrin; Velho (2010):

A casa representa o lugar do indivíduo no mundo, local onde ele passa os períodos mais significativos de sua vida pessoal. É na sua casa que o indivíduo deixa transparecer sua essência, seus valores, sua cultura. Mas, para que uma casa exerça funções que superem a de um simples abrigo, a delimitação do espaço deve ser adequada às expectativas do morador, pois este atribui significados particulares a cada espaço, derivados de seus costumes, hábitos e crenças. Interferir no modo de habitar das pessoas pode significar o condicionamento de seus hábitos. Por isso, a definição do modo de habitar está intrinsecamente ligada às práticas sociais de cada grupo ou família. (FERTRIN; VELHO, 2010, p. 585).

Projeto Modernização: O Trabalho Técnico Social

O projeto modernização consiste em modernizar a rede ferroviária que liga a região leste de Belo Horizonte a General Carneiro em Sabará. De acordo com o plano de atendimento as famílias (2011), a premissa do Projeto Modernização é eliminar a interferência entre a ferrovia e o transporte rodoviário, proporcionando mais segurança à população e à operação ferroviária. A iniciativa ainda contempla a urbanização no entorno, com abertura de ruas, melhoria de pavimentação e implantação de áreas verdes e de lazer no reconhecimento da importância ambiental para melhoria da qualidade de vida. Ainda segundo o plano de atendimento as famílias (2011) a intervenção é um compromisso da Vale, empresa responsável pela obra e também pelas remoções, em conjunto com o Governo Federal, firmado em acordo com o Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Advocacia Geral da União e a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). A iniciativa conta também com a parceria das prefeituras de Belo Horizonte e de Sabará. 

A garantia da segurança das operações ferroviárias e a necessidade de melhoria do Trecho Ferroviário entre o bairro do Horto Florestal em Belo Horizonte e General Carneiro em Sabará, no Estado de Minas Gerais, indicou a necessidade de remoção das famílias residentes nas áreas de intervenção e no entorno do projeto a ser implantado. Para tanto, foi realizado um trabalho de acompanhamento social fundamentado na Diretriz Operacional do Banco Mundial (BM) OD 4.30, de 01 de junho de 1990, que descreve a política e os procedimentos adotados pelo Banco a respeito de reassentamento involuntário. Tomou-se ainda como referencia, o Padrão de Desempenho 5, revisão 0.1, do International Finance Corporation (IFC), do Grupo Banco Mundial (BM), que trata do processo de Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário no qual se destacam dois importantes objetivos: a melhoria da qualidade de vida das pessoas deslocadas e a restauração dos meios de sobrevivência. Trata-se de um documento bastante extenso e detalhado, mas a política do BM permite flexibilidade em sua aplicação, deixando claro que alguns dos elementos descritos podem ser apresentados de maneira simplificada e de acordo com cada realidade.

Para desenvolver o trabalho técnico social foram definidos grupos de demanda que receberam o acompanhamento social no processo de indenização assistida estruturados da seguinte maneira: Grupo 1 – Famílias com Renda Per Capita de 0 a 1 salário mínimo; Grupo 2 – Famílias com Renda Per Capita acima de 1 salário mínimo que apresentam situações de vulnerabilidade, tais como: idosos, necessidades especiais, dentre outros que requerem acompanhamento social; Grupo 3 - Famílias com Renda Per Capita acima de 1 salário mínimo que apresentam valor de laudo  até o Piso Proas - Programa de Remoção e Reassentamento em Função de Risco e Obras Pública/ Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. (Plano de atendimento as famílias, 2011).

A aproximação da equipe social junto às famílias através de visitas domiciliares e atendimentos no Plantão Social tinha como objetivo conhecer as suas expectativas e dúvidas além de ser uma forma de minimizar um maior impacto com relação ao seu processo de transição.  Este é um procedimento essencial para que o atendimento seja completo e eficaz de forma a assegurar que a família receba todas as informações e orientações necessárias para fim de viabilização de acordo e efetivação da remoção.

O Plantão Social foi instalado em uma edificação adquirida pela empresa Vale no trecho de remoção com o intuito de proporcionar a comunicação permanente e direta com os moradores e parceiros por meio de atendimento individualizado, facilitando a veiculação de informações e minimizando eventuais situações de tensão causadas ou potencializadas por falhas de informações, que pudesse ocorrer durante o processo. É importante ressaltar que o Plantão Social é um canal de comunicação aberto a todos os públicos, que, de certa forma, tornou-se referência não só para as famílias assistidas, mas também para os parceiros diversos envolvidos no processo de intervenção e remoção como um todo.

As macro atividades desenvolvidas pela equipe social na condução e acompanhamento das famílias beneficiadas foram: Reuniões e/ou contatos para apresentação/discussão das diretrizes de atendimento às famílias; Apoio às famílias na busca de imóveis para aquisição; Vistoria física no novo imóvel a ser adquirido pela família; Estudo para adequação e/ou melhorias das condições de habitabilidade do imóvel de destino (quando necessário);  Apoio no levantamento da situação fundiária dos imóveis/ terrenos que foram adquiridos pelas famílias; Acompanhamento presencial nas reuniões de negociação assegurando os acordos firmados com a família; Apoio às famílias na preparação de documentação para assinatura do contrato (abertura de conta, reconhecimento de firma e/ou procuração); Apoio na coleta de assinaturas das famílias no Instrumento Particular de Cessão de Direitos Possessórios e de Compra e Venda de Benfeitorias e Outras Avenças dos imóveis que foram adquiridos pela empresa Vale; Orientações às famílias no ato da desocupação dos imóveis do assentamento de origem; Acompanhamento da entrega do imóvel desocupado quando da saída das famílias da área conforme acordo firmado nas reuniões de negociação; Visitas domiciliares mensais para monitoramento da nova situação das famílias; Contato com escolas, postos de saúde e demais recursos da área para inclusão das famílias e/ou indivíduos em programas específicos; Aplicação de pesquisa de opinião, levantando questões referentes ao nível de satisfação alcançado com o pagamento relativo à aquisição da benfeitoria/imóvel e com o atendimento prestado. (Plano de atendimento as famílias, 2011).

Uma ação a destacar no desenvolvimento do trabalho de acompanhamento social é o auxílio da equipe na busca por imóveis de destino, tanto imóveis captados e indicados como sugestão pela equipe, quanto no acolhimento da indicação das famílias. Acompanhar as famílias no processo de remoção é fator essencial para o sucesso do trabalho e a equipe social auxiliou as famílias assistidas desde o planejamento da sua mudança até a chegada à nova moradia.

Segundo o Banco Mundial, a política de reassentamento deve assegurar que a população deslocada por um projeto se beneficie dele. Para tanto faz-se necessário seguir e estabelecer diretrizes e critérios a fim de garantir que as famílias removidas conquistem uma moradia de qualidade, inseridas em uma rede de estrutura urbana (água tratada, esgoto, energia elétrica, coleta de resíduos, transporte público) possibilitando a saída da informalidade e garantindo a propriedade do local de destino.

O trabalho de captação e vistoria de imóveis de destino conta com a participação de vários agentes como a equipe social, proprietários de imóveis, imobiliárias/corretores e, principalmente, as famílias assistidas que indicam imóveis que atendem as suas expectativas e dão subsídio para que a captação de imóveis seja feita de forma direcionada. A vistoria é realizada considerando as características do entorno como proximidade de rede ferroviária, rede de transmissão entre outros, além das melhorias públicas existentes no local garantindo que a família não terá como destino um imóvel em áreas não permitidas pela Legislação e sem infraestrutura básica. Uma análise interna avalia a situação estrutural, geológica, de habitabilidade e a situação fundiária do imóvel que deve ser regular ou passível de regularização.

Alguns dificultadores podem surgir ao longo do desenvolvimento do trabalho como especulação do mercado imobiliário, topografia acidentada e irregularidade fundiária do município ratificando a necessidade do acompanhamento social tendo em vista que os aspectos observados no momento da vistoria requerem análise detalhada e conhecimento específico. Desta forma cumpre-se a premissa básica de garantir à família assistida um imóvel em perfeita condição de habitabilidade e passível de regularização.

Outra ação a se destacar e o desenvolvimento de uma política de acompanhamento social de pós-mudança que é um importante passo na tentativa de dimensionar e estruturar a significativa transformação que ocorre na vida das famílias que são alvos de processo de deslocamento involuntário. A possibilidade de minimizar os vários impactos sociais, econômicos, culturais, ambientais e urbanos através de um acompanhamento técnico social, é uma atribuição que deve ser também entendida e apreendida por toda a rede de equipamentos e serviços públicos. Assim, um mês após a mudança da família para a nova moradia, a equipe social realizou a primeira visita de pós-ocupação com objetivo de verificar a adaptação da família no novo local de moradia, sendo a mesma acompanhada pela equipe social durante um ano.

Durante a visita foi aplicado um questionário cujo objetivo principal era identificar os impactos da remoção sob a perspectiva dos moradores. O instrumental aborda temas sobre a melhoria da condição e qualidade de vida; motivos da escolha do bairro de destino; acesso aos serviços e equipamentos públicos; infraestrutura do novo local; distância do local de trabalho, além de utilizar método comparativo de serviços da moradia de origem e destino. As visitas domiciliares juntamente com este instrumental de pesquisa permitiram identificar não só as dificuldades, mas também os fatores positivos desta remoção. As atividades realizadas pela equipe social durante o acompanhamento da família após a mudança têm como perspectiva a integração e a inclusão das mesmas nos novos ambientes, considerando as transformações acarretadas pela mudança, não somente no aspecto físico espacial, como também na rede de relações sociais e econômicas.

São atividades do pós- mudança: Visitas domiciliares para monitoramento da nova situação das famílias; Contato com escolas, postos de saúde e demais equipamentos da área para inclusão das famílias e/ou indivíduos em programas específicos; Aplicação da pesquisa de opinião, levantando questões referentes ao nível de satisfação alcançada com o pagamento relativo à aquisição da benfeitoria/imóvel e com o atendimento prestado, dentre outros. Durante o processo de Pós Mudança são identificados de forma mais apurada as principais demandas e dificuldades da família no que diz respeito à utilização e inserção nos equipamentos locais. Desta forma são realizadas articulações com os agentes locais e este acompanhamento será realizado durante um ano.

Após um ano de acompanhamento de pós-ocupação ocorre a conclusão do trabalho social junto a família. A conclusão somente é efetivada quando a família não apresenta nenhuma dificuldade ou problema advindo do processo de remoção involuntária. Durante a última visita a equipe social aplica um novo questionário, cujo objetivo principal é verificar se houve alguma alteração durante o período da chegada à nova moradia, ou seja, durante esse um ano. O instrumental aborda temas de igual teor do primeiro e possibilita comparar as respostas ao longo do período de acompanhamento.

A Equipe Social

A equipe social do Projeto Modernização contou com um corpo profissional interdisciplinar composto por Assistente Social, Sociólogo, Psicólogo, Arquiteto e Geógrafo. A interdisciplinaridade neste contexto toma como referência o paradigma de um novo olhar capaz de religar as diversas áreas do conhecimento para o trato da questão da Remoção Involuntária.

No intuito de elucidar as interações entre as distintas áreas de conhecimento envolvidos, cabe ressaltar, as competências atribuídas a cada profissional. Ao assistente social cabe “orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer usos dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos” (Lei n 8.662 de 7 de junho de 1993). Ao sociólogo compete, de acordo com o código de ética, entre outras atribuições, interpretar os fatos e as relações sociais, buscando contribuir, a partir desses estudos, sua aplicação e divulgação para melhorar a qualidade de vida socioambiental da humanidade. Já o psicólogo social é aquele que busca compreender o sujeito a partir de uma perspectiva histórica, considerando a permanente integração entre indivíduo e o social.

Ao arquiteto e urbanista cabe, diferentemente da concepção tradicional na qual o urbanista deveria projetar a cidade e seus espaços, participar de uma equipe que deve pensar um conjunto de ações adequadas para obter melhoria da qualidade da vida urbana. Essa visão, que corrobora com a ideia de interdisciplinaridade, se consolidou a partir da ideia de planejamento sistêmico, para a qual a cidade é um todo formado por partes constituídas pelas relações humanas e os espaços. Nesse sentido, para qualquer intervenção nas cidades, além do conhecimento espacial, tão caro aos arquitetos, se torna necessário, reconhecendo o caráter econômico, social e cultural dos espaços urbanos, o diálogo constante com outras áreas de conhecimento como os sociólogos, administradores, psicólogos, economistas, turismólogos, antropólogos, geógrafos entre outros. Somente a interação entre esses profissionais é capaz de dar conta das inúmeras variáveis que devem ser consideradas ao pensar os espaços. O que se verifica a partir das atribuições e competências profissionais apresentadas, e que são atribuições distintas para tratar uma questão comum que e o processo de remoção e reassentamento de famílias e, diante da complexidade da questão, elas se fazem imprescindíveis visando favorecer a efetividade social dos projetos de remoção.

Falar sobre interdisciplinaridade é um desafio, pois não se pode deixar de evidenciar que é uma questão central do trabalho profissional contemporâneo, urgente no campo das Ciências Humanas, pela necessidade de abrir o conhecimento específico que trata cada área do saber para o diálogo interdisciplinar, numa busca de excelência na condução de questões complexas como a remoção involuntária. As especificidades locais apresentam desafios complexos e demandas particulares ao exercício profissional, representando um campo aberto de possibilidades para a práxis profissional interdisciplinar. Para tanto, o profissional deve estar munido de arsenal teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político para apresentar alternativas para o enfrentamento no cotidiano do seu trabalho.

Neste sentido, a questão da Remoção Involuntária desafia a equipe de trabalho a apreender a dinâmica da realidade e suas contradições. Desafia também as empresas e o poder público na compreensão da necessidade de um trabalho interdisciplinar no âmbito da formação dos profissionais que compõem as equipes técnicas sociais, contratando os profissionais de acordo com suas formações e não como técnicos sociais restritos as mesmas atribuições, exigindo compromisso ético e leitura crítica do contexto numa perspectiva dialética de articulação da realidade global e local.

Faz-se importante ressaltar que a interdisciplinaridade não anula as especificidades de cada área do conhecimento, bem como não significa a sobreposição de saberes, mas implica em um reconhecimento de saberes, implica em um reconhecimento dos limites e das potencialidades de cada campo do saber, para que possa haver uma disposição na direção de um fazer coletivo.

Conclusão

A interdisciplinaridade não só permite a troca de saberes, mas amplia a parceria e a mediação dos conhecimentos ao possibilitar a prática profissional, a construção de um diálogo entre as ciências humanas e também com outras ciências, ao estabelecer espaços que favoreçam proximidades entre as ciências de forma dialética buscando uma mudança de paradigmas pré estabelecidos culturalmente.

No que se refere a ideia de equipe, Iamamoto (2002) entende que “é necessário desmistificar a ideia de que a equipe, ao desenvolver ações coordenadas, cria uma identidade entre seus participantes que leva à diluição de suas particularidades profissionais”. A autora considera que “são as diferenças de especializações que permitem atribuir unidade à equipe, enriquecendo-a e, ao mesmo tempo, preservando aquelas diferenças” (2002, p. 41).

É necessário, que os profissionais desempenhem intervenções de forma interdisciplinar, pois de acordo com Morin (2009), “há inadequação, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre as disciplinas, e, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimencionais, transnacionais, globais” (MORIN, 2009, 13). Os profissionais, por vezes, tendem a fragmentar/ fracionar os problemas, minando as possibilidades de compreensão e de reflexão, ou seja, quanto mais os fenômenos são multidimensionais, mais aumenta a incapacidade de se pensar em alternativas capazes de perceber e intervir no todo.

A experiência de interdisciplinaridade da equipe social no Projeto Modernização se apresentou exitosa, verificada a partir das pesquisas de pós-mudança realizadas que apresentaram altos índices de satisfação com o processo de remoção, aquisição da nova moradia e adaptação ao novo contexto social. Desta forma, e possível afirmar que, caso exista dialogo entre as áreas, uma contribuição qualitativa dos saberes com vistas ao desafio de tratar situações complexas e adversas em sua totalidade, as possibilidades de êxito nos projetos de remoção e reassentamento são maiores, uma vez que, somente a interação entre áreas distintas, mas complementares, podem dar conta da complexidade humana na busca da melhoria da qualidade de vida, manutenção dos vínculos sociais, modos de vida e conquista ao direito do exercício da cidadania. Nesse sentido, a interdisciplinaridade e fundamental para a efetividade social dos projetos de remoção e reassentamento.

Contudo pode-se dizer que as propostas de práticas interdisciplinares não podem ser concebidas e analisadas sem a devida consideração de estruturas históricas e institucionais extremamente complexas. Elas possuem uma dinâmica própria que tendem a resistir aos processos de mudança técnica, social e política, além de primar algumas vezes por estruturas de trabalho hierarquizadas e padronizadas. A postura interdisciplinar na profissão é uma proposta de mudança de paradigma, uma conquista para visualizar o objeto de trabalho em toda sua complexidade. Desta forma, é necessário que o profissional além de deter um conhecimento de seu campo de saber, esteja comprometido com o Projeto Ético-Político da profissão.

 

REFERÊNCIAS

 

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e)     Diretrizes da Política Municipal de Habitação – Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL). Disponível em:

http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=7490&lang=pt_BR&pg=5580&taxp=0&/ Acesso em: 08 de junho de 2013 às 21 horas.

 

f)      GOLDMAN, Lucien. Dialética e cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

 

g)     IAMAMOTO, Marilda Villela. Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do assistente social na atualidade. Atribuições privativas do (a) assistente social em questão. Brasília: CFESS, 2002.

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 http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/lei_geografo.htm /Acesso em: 27de junho de 2014 às 15 horas.

 

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Ilustrações: Silvana Santos