Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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27/11/2016 (Nº 58) CAR – CADASTRO AMBIENTAL RURAL: A PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES DE UM MUNICÍPIO DO SUDOESTE DO PARANÁ
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CAR – CADASTRO AMBIENTAL RURAL: A PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES DE UM MUNICÍPIO DO SUDOESTE DO PARANÁ

 

Autor: Nayara PASQUALOTTO

Filiação: Universidade Federal de Santa Maria/Programa de Pós Graduação em Extensão Rural

e-mail: nayarapasqualotto@hotmail.com

Autor: Renata de Baco HARTMANN

Filiação: Universidade Federal de Santa Maria/Programa de Pós Graduação em Extensão Rural

e-mail: renatabhartmann@gmail.com

Autor: Tanny Oliveira Lima BOHNER

Filiação: Universidade Federal de Santa Maria/Programa de Pós Graduação em Extensão Rural

e-mail: tanny.bohner@hotmail.com

 

 

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a percepção dos agricultores sobre a implementação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, tendo em vista que esse novo instrumento de gestão ambiental busca promover o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento em todo o território brasileiro. Para cumprir com o objetivo proposto, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com agricultores residentes no município de Coronel Vivida, Paraná. Constatou-se que 80% dos agricultores entrevistados já se cadastraram no CAR, efetuando esse nos sindicatos em que são associados. Verificou-se também que os agricultores tomaram conhecimento a respeito deste novo instrumento de gestão ambiental através das cooperativas a quais pertencem e os próprios sindicatos. Mesmo sabendo da obrigatoriedade do cadastramento, a maioria dos agricultores não compreende o seu objetivo, destacando como principal função a possibilidade de financiamentos bancários no futuro. Como principal dificuldade encontrada, destacou-se a morosidade na hora do cadastramento.

 

Palavras-chave: CAR; gestão ambiental; leis ambientais; percepção.

 

 

RER - RURAL ENVIRONMENTAL REGISTRY: PERCEPTION OF FARMERS OF A MUNICIPALITY OF PARANÁ SOUTHWEST

 

 

Abstract

ThisstudyaimstoanalyzetheperceptionoffarmersregardingtheimplementationofRural Environmental Registry - RER, considerando thatthis new environmental management tool seekstopromotethecontrol, monitoring, environmentalandeconomicplanning, as well as combatingdeforestation in Brazilianterritory . Inordertomeettheproposedaim , semi-structured interviews wereperformedwithfarmersfrom Coronel Vivida, Paraná. The resultsshowedthat 80% offarmershavealreadyconcludedtheirregistrationon RER, throughassociations in whichthey are associated. Moreover ,  it wasalsofoundthatfarmerswereawareofthis new environmental management tool duetoinformationprovidedatcooperativesandassociationsfromwhichtheybelong. Despitetheobligationofregistration, mostoffarmers do not realize its mainpurpose. Respectingthis, farmershighlightedthepossibilityof a future bankfinancing as its mainfunction. As for themaindifficulty, it washighlightedtheslownessoftheregistration processes.

 

Key words: RER; environmentalmanagement; environmentallaw; perception.

 

 

1. Introdução

 

            No mês de maio de 2012, foi sancionada a Lei 12651/2012, que dispõe sobre a vegetação nativa em todo o território brasileiro. Nessa, no capítulo VI, é criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, registro público eletrônico de domínio nacional, “obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Lei 12651/2012).

            A partir de sua criação, o CAR vem sendo implementado em todo o país, visto que os proprietários e arrendatários rurais tinham, inicialmente,até o mês maio de 2016 para realizar o cadastramento, prevendo uma série de benefícios aos agricultores em relação às questões ambientais. Neste sentido, com o entendimento da relevância e benefícios do CAR, cabe compreender como os agricultores percebem e apreendem a implantação desse novo instrumento de gestão ambiental.

            Diante deste contexto, o presente trabalho busca compreender a percepção dos agricultores em relação ao CAR, verificando sua concepção em relação ao o que é e quais os objetivos desse, bem como as dificuldades encontradas para o cadastramento e os benefícios que o CAR pode proporcionar aos proprietários e arrendatários rurais. Para cumprir com os objetivos propostos, na primeira sessão do trabalho é apresentada uma análise acerca dos principais aspectos contidos na Lei 12651/2012. Posteriormente, são apresentadas as informações referentes à metodologia e os resultados da pesquisa realizada com um grupo de 10 agricultores do município de Coronel Vivida, localizada no sudoeste paranaense, sobre as leis ambientais e o CAR.

 

 

2. Entre o produzir e o preservar: a construção de um instrumento de gestão ambiental

 

Nos últimos quatro anos os produtores rurais brasileiros foram colocados diante de um novo instrumento de gestão ambiental, o Cadastro Ambiental Rural, ou simplesmente, CAR. À luz do novo texto legal que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, Lei 12651/2012, o CAR foi idealizado e está em fase de implantação em todo território nacional. De acordo com a Lei, o cadastro trata de um registro público eletrônico de âmbito nacional. É obrigatório para todas as propriedades, imóveis ou posses rurais, e tem a finalidade de integrar as informações ambientais das mesmas. Essas informações, após cadastro no sistema, deverão compor uma grande base de dados, cujo objetivo é promover o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Note-se que são metas bastante ambiciosas, dada à dimensão territorial do Brasil. O Serviço Florestal Brasileiro disponibiliza regularmente as informações sobre o andamento da inserção de dados no sistema de cadastramento do CAR, ou SICAR, em nível nacional. Segundo o Serviço, até outubro de 2016, já foram cadastrados, 3,79 milhões de imóveis rurais, totalizando uma área de 387.547.126 hectares inseridos na base de dados do sistema, ou 97,4% de área já cadastrada, de um total de 398 milhões de hectares cadastráveis.

A figura 01 mostra o panorama geral, em outubro de 2016.

 

Fonte: http://www.florestal.gov.br/cadastro-ambiental-rural/numeros-do-cadastro-ambiental-rural, acessado em out/2016.

 

Deve-se considerar, ainda, que apesar do CAR ter sido criado a partir da publicação da Lei 12651/2012, foi somente em 05 de maio de 2014, que aconteceu a publicação da Instrução Normativa nº. 02 do Ministério do Meio Ambiente, que implantou, definitivamente, o CAR, em todo o território nacional. Esta data marcaria o momento a partir do qual os proprietários ou possuidores rurais teriam um ano para realizar o cadastramento.

No entanto, a partir do dia 06 de maio do corrente ano, com a publicação do Decreto n. 8235, estabelecendo as regras para os Estados e o Distrito Federal iniciarem seus programas de regularização ambiental e também da Instrução Normativa 02 do Ministério do Meio Ambiente, dispondo sobre o CAR e o Sistema de Cadastro Ambiental Rural, ambos no dia 05/05/2014, o cadastro passou a ser uma exigência, na qual os proprietários e possuidores de propriedades rurais terão 01 ano, prorrogável por mais 01 por ato do Presidente da República, para efetuar o cadastro e enviá-lo ao órgão estadual competente.

É de conhecimento público que houve uma prorrogação no prazo, tendo se definido Maio de 2016, e posteriormente sendo redefinida para 31 de dezembro de 2017, como data limite para que todos façam os cadastros de suas respectivas propriedades ou posses rurais.

Diante de todas as dúvidas que o CAR provoca, desde sua concepção até a validação dos dados pelo órgão ambiental competente e regularização ambiental, o Cadastro Ambiental Rural não deve ser compreendido como mero sistema de cadastro de informações. O mapeamento geral e irrestrito dessas informações poderá descortinar um cenário de significativo passivo ambiental deixado pelos sistemas conservadores do agronegócio. E é justamente o passivo ambiental, cuja existência já era conhecida por ocasião de construção da Lei 12651/2012, que levará a considerarmos um dos aspectos mais importantes do Código Florestal: a possibilidade de regularização ambiental, somente possível pela introdução do termo Área Rural Consolidada, no texto.

Por Área Rural Consolidada, entende-se, de acordo com o Art. 3º, parágrafo IV da Lei 12651/2012, a “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio”. Na prática, essas áreas deveriam ter sido protegidas desde a publicação do Código Florestal, Lei 4771/1965, revogado em 2012, mas que foram utilizadas nas atividades agrossilvipastoris, total ou parcialmente. Então, para esses casos é que se determina a regularização ambiental.

No entanto, cabe ressaltar o por quê da escolha de 22 de julho de 2008 como ponto de ruptura e que diferencia o tratamento dado à supressão vegetal, no que tange a utilização das áreas rurais consolidadas. Está é a data referencial que altera como se tratavam as infrações administrativas e criminais, uma vez que foi a data de publicação do Decreto Federal 6514/2008, que regulamenta a Lei de crimes ambientais n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Isso quer dizer que quem fez supressão vegetal na RL ou na APP antes de 22 de julho de 2008 foi beneficiado no que tange a regularização ambiental. O que não é verdadeiro para a supressão vegetal realizada após essa data.

O proprietário ou possuidor rural é beneficiado tanto na esfera administrativa (multas) quanto na esfera criminal. Isso acontece uma vez que quem cometeu crimes previstos nos artigos 38, 39 e 48 da Lei 9.605/98 terão a chance de assinar um Termo de Compromisso Ambiental TCA, com o órgão ambiental competente, se, e somente se, estiver cadastrado no CAR e cumprir um Plano de Regularização Ambiental-PRA (art.59 da Lei 12651/2012)

Assinando o termo, o agente infrator tem suspensa a punibilidade pelos crimes dos artigos citados. Se o agente cumprir integralmente o que foi definido no seu TCA, vai ter extinta a punibilidade pelos crimes cometidos antes de 22/07/2008. O prazo para cumprimento do TCA é de até 20 anos. No caso das sanções administrativas (multas), os valores devidos poderão ser convertidos em serviços de conservação, melhorias e preservação do meio ambiente.

 

 

2.1 Como o cadastro é realizado

 

É um instrumento que possui caráter informativo e auto declaratório. Dentre as informações que devem ser preenchidas pelo proprietário ou possuidor rural (ou alguém delegado por este), está o preenchimento do registro da Reserva Legal no SICAR. Vale lembrar que a inserção dos dados no sistema independe de contratação de técnico responsável (Decreto nº 8.235/14, art.3º, §5º). O que, por um lado desonera o proprietário, mas pode acabar induzindo a erros de preenchimento. O CAR possui uma plataforma não tão amigável e a necessidade de delimitar os remanescentes de vegetação nativa; Reserva Legal (RL); Áreas de Preservação Permanente (APP); além das áreas de interesse social e utilidade pública; as áreas que se enquadram no conceito de “área rural consolidada” e as áreas de pousio podem se configurar em um ponto de estrangulamento para o célere andamento dos cadastros.

Pensando-se, ainda, que após todo o processo de cadastro, envio e análise das informações, aqueles proprietários que possuírem passivo ambiental necessitarão elaborar seus Programas de Recuperação Ambiental (PRAs), é possível inferir que existirá a necessidade de participação de um técnico habilitado para o procedimento. Uma vez que será através desses Programas e seus respectivos TCAs, que os proprietários poderão se adequar a legislação Ambiental, ou fazer a regularização ambiental de suas propriedades.

 

 

A FIGURA 02 mostra a página inicial do SICAR federal.

 

Fonte: http://www.car.gov.br/#/, acessado em mar/2016.

 

 

2.2 Outras peculiaridades sobre o CAR

 

A inscrição da propriedade no CAR desobrigará a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, essa alteração foi dada pelo Art. 18, da Lei 12651/2012, alterado pela Lei 12727/2012, onde se lê: “O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato”. Além disso, a inscrição no CAR será obrigatória para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA e a compensação ambiental. Das compensações, no caso das Reservas Legais que não atendam aos percentuais mínimos estabelecidos no art. 12 da Lei nº. 12.651 de 2012, o proprietário ou possuidor rural poderá solicitar a utilização, caso os requisitos estejam preenchidos, isolada ou conjuntamente, os seguintes mecanismos: I - o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal; II - a instituição de regime de Reserva Legal em condomínio ou coletiva entre propriedades rurais; III - a recomposição; IV - a regeneração natural da vegetação; ou V - a compensação da Reserva Legal.

Também são obrigados a realizar o cadastro todo proprietário ou possuidor de imóvel localizado em zona urbana, desde que a utilização deste seja para atividades rurais. Para estas áreas deverá ser dado o mesmo tratamento despendido para as áreas rurais. O proprietário poderá solicitar ao órgão ambiental, alterações no seu cadastro inicial, quando do cumprimento dos TCAs e no caso de inclusão do imóvel rural em parcelamento ou expansão urbana.

Todas as informações apresentadas deverão ser correspondentes com a realidade, uma vez que, verificadas incongruências de qualquer natureza (informações falsas, enganosas ou omissas), será de responsabilidade do declarante e este incorrerá em sanções cabíveis, de acordo com o Decreto nº 7.830, art. 6º, § 1º.

Outras dúvidas podem ocorrer ao declarante por ocasião do cadastro, como por exemplo: a) se o imóvel rural contemplar mais de um proprietário ou possuidor, ainda assim deverá ser realizada apenas uma inscrição no sistema. Todos os proprietários e possuidores devem ser nominados neste ato;

b) o recibo de inscrição no sistema já é suficiente para que as instituições financiadoras liberem o crédito agrícola, ainda que os TCAs e PRAs ainda não tenham sido assinados;

c) cada estado da federação poderá construir sua própria base de dados ou optar por utilizar apenas os instrumentos de cadastro ambiental disponíveis no SICAR;

d) nem todas as propriedades são obrigadas a ter Reserva Legal, já que a Lei 12651 traz exceções, como a que diz que as propriedades de até 4 Módulos Fiscais não precisam observar os índices de RL. Se for uma área rural consolidada, basta que mantenha a cobertura vegetal existente em 22 de julho de 2008;

e) quem possuir excedente de área florestada na propriedade, como RL, desde que conservada e inscrita no CAR, poderá utilizar a área excedente para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos previstos na Lei.

Esses instrumentos ainda não estão regulamentados;

f) admite-se a exploração econômica da RL mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA, desde que o esteja inscrito no CAR. Se o manejo detenha fins comerciais, o proprietário deverá solicitar a autorização do órgão ambiental, e deverá atender algumas diretrizes: Não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área; Assegurar a manutenção de diversidade de espécies; Conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas. Deve-se destacar que o manejo sustentável para exploração EVENTUAL sem propósito comercial, para consumo próprio, independe de autorização, devendo apenas ser declarados previamente ao órgão ambiental a motivação da exploração e o volume explorado (2m³/ha, não podendo ultrapassar 15m³/propriedade/ano);

g) nas áreas consolidadas em APP é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas consolidadas até 22 de julho de 2008. Ainda assim, deverão proceder a recomposição em parte da APP, de acordo com o PRA e TCA assinados, considerando os valores da “escadinha”;

h) nas áreas consolidadas em RL o proprietário que detinha, em 22 de julho de 2008, área de RL em extensão inferior ao estabelecido no Art.12 (índices), poderá regularizar sua situação, independente de adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isoladas ou em conjunto:

•Recompor a RL (pode ser mediante plantio intercalado de espécies nativas e exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal, observando parâmetros dados pelo art.66,§3º;

•Permitir a regeneração natural;

•Compensar a RL.

 

 

3. Analisando a percepção dos agricultores sobre o CAR

 

Para compreender qual a percepção de um grupo de agricultores a respeito da implementação do CAR, utilizou-se a metodologia de estudo de caso. De acordo com Yin (2001), os estudos de caso podem ser apreendidos como uma ferramenta de investigação que proporciona a análise da complexidade social, sendo esta manifestada em situações problemas, experiências bem sucedidas ou na avaliação de modelos exemplares. O estudo de caso é considerado como um dos delineamentos mais completos no que diz respeito a coletas de dados, pois “vale-se tanto de dados de gente quanto de dados de papel”. Deste modo, possibilita ao pesquisador a aquisição de informações através de entrevistas, observação do objeto de estudo, análise de documentos e depoimentos pessoais (GIL, 2002 p.141).

            Dentro desta perspectiva, foram realizadas 10 entrevistas semi-estruturadas no mês de março de 2016, com agricultores residentes na comunidade de Vista Alegre, pertencente ao município de Coronel Vivida – Paraná. Optou-se pela entrevista semi-estruturada por ser um instrumento de pesquisa empregado sempre que os dados não podem ser localizados em registros e documentos, porém, podem ser fornecidos por certas pessoas. Desta forma, a entrevista parcialmente estruturada ocorre de acordo com Gil (2002, p.117), “quando é guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso”. 

            O município foi selecionado por ter a sua economia pautada nas atividades rurais e possuir um elevado número de estabelecimentos agrícolas. De acordo com dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES, Coronel Vivida possui 1.776 estabelecimentos agrícolas, totalizando uma área de 47.561 ha. O setor primário é responsável por 42% da arrecadação total do município (IPARDES, 2016).

            De acordo com os dados apresentados na Tabela 01, os agricultores entrevistados possuem áreas entre 40 e 170 ha, são predominantemente do sexo masculino, possuem idade entre 29 e 65 anos, dos quais 30% possuem o ensino fundamental, 40% o ensino médio e 30% o terceiro grau. Destaca-se que os agricultores C e J, além de possuir e trabalhar em sua propriedade mantém atividades remuneradas na sede de outro município.

 

 

TABELA 01: Agricultores entrevistados: gênero, idade, escolaridade e área da propriedade

 

Agricultor (a)

Gênero

Idade

Escolaridade

Área da Propriedade (ha)

A

Masculino

50 anos

Ensino Médio

50

B

Masculino

43 anos

Ensino Médio

94

C

Masculino

29 anos

Terceiro Grau

121

D

Masculino

49 anos

Ensino Fundamental

96

E

Feminino

50 anos

Ensino Médio

96

F

Masculino

32 anos

Terceiro Grau

48

G

Masculino

65 anos

Ensino Fundamental

170

H

Masculino

51 anos

Ensino Fundamental

92

I

Masculino

60 anos

Ensino Médio

56

J

Masculino

26 anos

Terceiro Grau

40

Fonte: dados da pesquisa, 2016.

           

            No tocante às leis ambientais, constatou-se que os agricultores têm conhecimento a respeito de sua existência, sendo que 30% dos entrevistados declararam ter dúvidas relativamente a publicação de novas leis ou alterações nos textos existentes. Dentre as leis citadas, destacam-se: Lei de crimes ambientais (Lei 9605/1998) e textos que tratam das APP’s- Áreas de Preservação Permanente e da Reserva Legal (Lei 12651/2012 que revogou a Lei 4771/1965, instituído o Novo Código Florestal).

            O grupo de agricultores demonstrou que diverge quando questionado sobre a efetividade das leis ambientais.Para uma parte do grupo, os textos legais cumprem com a função de proteger e preservar o ambiente, possibilitando a manutenção de áreas com vegetação onde, se não fosse em função dessas, possivelmente já teriam se tornado áreas destinadas à agropecuária. Nesta direção, destaca-se o relato do agricultor I, o qual salienta que “se não fossem as leis ambientais, o povo já tinha derrubado tudo, estariam plantando até dentro dos rios. Temos que preservar as nascentes, não desmatar tanto. A lei serve pra isso”.

Outros agricultores, por sua vez, são de opinião de que as leis apresentam de forma muito confusa, possibilitando diferentes formas de interpretação, ocasionando seu cumprimento parcial. Neste sentido, destaca-se o relato do agricultor A, o qual destaca que:

 

“Algumas leis vieram para melhorar o país e outras só pra complicar a vida do agricultor, por que elas são cheias de ponto e vírgula, de interpretação. Então, algumas leis aí vieram só pra complicar. Dependendo o sindicato tem uma opinião sobre as leis e outra entidade ou até mesmo outro sindicato interpreta a mesma lei diferente. Por exemplo, a lei do código florestal, esse último que foi aprovado, só veio pra complicar. A lei federal não define por exemplo o que é pequeno, médio e grande produtor, simplesmente criou-se a lei e jogou para os estados. Daí os estados é que estão definindo pequeno, médio e grande produtor e a quantidade de área de reserva né. Isso teria que ser uma lei pra todos né”.

 

            Dos agricultores entrevistados, 40% aponta para uma certa diferenciação na aplicação da lei e seus mecanismos de cobrança. Essa diferenciação se dá, especificamente, no tratamento que é dado para as zonas urbanizadas. Para o agricultor C, o problema consiste em que “as leis estão fora da realidade, exigem dos agricultores em excesso e na cidade quase nada. Aqui na nossa região a poluição vinda da cidade é bem maior do que a do campo”. O agricultor complementa afirmando que “um exemplo é a água que chega nas grandes cidades e a que sai de lá. Não digo que não temos nada de errado, mas cuidamos mais que na cidade”.

Essa concepção está em consonância com o agricultor B, o qual relata que “na cidade constroem em cima dos rios, largam o esgoto dentro dos rios e mentem que todo o esgoto é tratado. Já os colonos não podem construir um chiqueiro perto de um rio que ganham multa. Os agricultores têm que cumprir todas as metas, já os da cidade não”.

Quanto à regularidade das propriedades, constata-se que para 50% dos entrevistados suas terras estão de acordo com as leis ambientais, 30% não souberam responder e 20% percebe-se em situação de irregularidade.

Dentre os agricultores que participaram da pesquisa, pelo menos 30% já foram autuados por crimes ambientais. Todos tem conhecimento desituações onde vizinhos ou familiares cometeram alguma irregularidade e foram penalizados por isso. O agricultor H relatou que nunca foi autuado, mas seu vizinho desmatou uma área ilegal, foi denunciado para o Instituto Ambiental do Paraná – IAP e indiciado por crime ambiental. De acordo com o agricultor “a penalidade foi o pagamento de multa e cesta básica no fórum, pois existem dois processos: o penal e o ambiental. O penal foi revertido em cestas básicas e o processo de desmatamento foi uma multa do IAP”.

            Dentre os agricultores que não souberam responder e os que afirmam ter suas propriedades em desacordo com as leis ambientais, notou-se certo desconforto em tratar do assunto, visto que esses têm receio de serem autuados. Os motivos apontados pelos agricultores como fator motivacional para não cumprirem ou não terem certeza em relação às leis ambientais são as constantes mudanças que essas passam, sendo que ora estão de acordo com a lei, e depois com alterações que essa passa, já tornam-se infratores.

            Relativamente ao CAR, constatou-se que 80% dos entrevistados já realizaram o cadastramento, e os 20% restantes alegam falta de tempo para a realização do cadastro, já que precisariam se deslocar até a cidade para fazê-lo. para ir até a cidade efetuar o mesmo.

Restou evidente que a informação sobre o CAR e a obrigatoriedade do cadastro se deu através do intermédio das cooperativas e sindicatos, que são entidades diretamente relacionadas com a atividade agropecuária e das quais os agricultores fazem parte. Assim demonstra o relatoda agricultora E: “a gente ficou sabendo pela cooperativa, eles entregaram até uns jornais e panfletos pra gente sobre isso, mas do órgão fiscalizador não tivemos informação nenhuma”.

            Ao serem questionados sobre o que é e quais os objetivos do CAR, constatou-se que 70% dos agricultores não possuem informações claras, relacionando o mesmo unicamente à disponibilidade de crédito. Para 30% dos entrevistados esse é entendido como um levantamento da situação ambiental no país, como relata o agricultor C, o qual afirma que “o CAR é um mapeamento pra saber a situação, o que eles vão exigir depois ninguém sabe”. Esse demonstra a preocupação por parte dos agricultores em relação à destinação dos dados declarados no CAR e se ocorrerão alterações nas leis ambientais do país.

            Constatou-se que os agricultores tiveram dificuldade em arrolar os benefícios do CAR e os principais empecilhos no cadastramento. Isso ocorre devido à falta de compreensão sobre o que trata de fato esse instrumento. Dentre as dificuldades encontradas, destacam-se o custo para realização do cadastramento e o acesso a informações mais precisas a respeito da finalidade do CAR. De modo geral, os benefícios trazidos por esse instrumento, novamenteperpassaram por questões relacionadas ao acesso a crédito.

            Verificou-se que 80% dos agricultores entrevistados não atribuem importância ao CAR, visto que esse é entendido muitas vezes como um mecanismo de arrecadação. Outra questão a ser salientada é o conflito de ideias existente em relação à finalidade do CAR em integrar as informações ambientais referentes à situação das APPs, das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país contidas na Lei 12.651/2012. Isso se evidencia através do relato do agricultor A:

 

 O CAR é simplesmente mais uma lei em cima do código florestal, oneroso pro agricultor, que não vai trazer beneficio nenhum. Por que, se o código florestal diz que você precisa preservar as nascentes, a mata ciliar e a reserva legal, qual o sentido do CAR? Não existe, uma lei é igual à outra.

                       

            Os agricultores também não acreditam que ocorra algum tipo de fiscalização efetiva em relação aos dados informados no CAR, o que gera preocupação em parte dos entrevistados, visto que são os proprietários das terras que definem as suas áreas, fazendo valer apenas a declaração desses em caso de não fiscalização. Como penalidade para quem não realizar o cadastramento, esses elencam o cancelamento do crédito em bancos e demais instituições financeiras, porém, 90% dos entrevistados não acreditam que cheguem a ser autuados por isso.

            Outra preocupação elencada pelos entrevistados é em relação aos profissionais que realizam o cadastramento na base de dados do governo. Mesmo os agricultores podendo optar pelo profissional que realizará o trabalho, visto que esse é um serviço particular, que independe dos órgãos fiscalizadores, o agricultor G salienta que os profissionais “muitas vezes são pessoas que não tem capacidade de fazer isso”, podendo acarretar posteriormente em penalidades aos agricultores.

           

 

4. Considerações finais

 

            A Lei 12.651/2012, em seu Capítulo VI, trata do Cadastro Ambiental Rural, onde se lê no Art. 29 que “É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.

Inúmeros são os benefícios decorrentes do cadastro, como se pode observar no texto do Código Florestal, como é possível descrever: a inscrição no CAR, acompanhada de compromisso de regularização ambiental quando for o caso, é pré-requisito para acesso à emissão das Cotas de Reserva Ambiental e aos benefícios previstos nos Programas de Regularização Ambiental – PRA e de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, ambos definidos pela Lei 12.651/12. Assim o agricultor poderá fazer a regularização das APP e/ou Reserva Legal, sem autuação por infração administrativa ou crime ambiental; os agricultores terão suspensas as sanções em função de infrações administrativas por supressão irregular de vegetação em áreas de APP, Reserva Legal e de uso restrito, cometidas até 22/07/2008; somente poderão concorrer ao crédito agrícola os cadastrados no CAR, tendo acesso a taxas de juros menores e prazos maiores que o praticado no mercado; poderão contratar o seguro agrícola em condições melhores que as praticadas no mercado; terão dedução das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito na base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural-ITR; terão acesso a linhas de financiamento para iniciativas de preservação voluntária de vegetação nativa, proteção de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção, manejo florestal e agroflorestal sustentável realizados na propriedade ou posse rural, ou recuperação de áreas degradadas; e terão a isenção de impostos para os principais insumos e equipamentos, tais como: fio de arame, postes de madeira tratada, bombas d’água, trado de perfuração do solo, dentre outros utilizados para os processos de recuperação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito. Isso de acordo com o SICAR, Sistema de Cadastramento do CAR.

            Mesmo diante desses benefícios, constatou-se através de entrevistas com um grupo de agricultores, que os mesmos não compreendem o que é e quais são os benefícios do CAR. De modo geral, as entrevistas sinalizam para uma defasagem no conteúdo de informações a que os agricultores estão recebendo. Se lhes faltam informações básicas quanto ao cadastramento em si, quanto mais quanto aos possíveis benefícios dos quais poderão usufruir.

Mesmo com caráter obrigatório a todos os imóveis ou posses rurais, o CAR vai muito além da disponibilidade futura de crédito agrícola como foi insistentemente apontado pelos agricultores durante as entrevistas. O cadastro poderá ser utilizado, dado o panorama da realidade ambiental que vai mapear, informações suficientes para que o Poder Público possa identificar a magnitude do passivo ambiental no país e, a partir daí, criar programas de gestão ambiental adequados às realidades locais, inclusive.

            Os agricultores entrevistados demonstraram-se descrentes em relação à efetividade das leis ambientais e consequentemente do CAR. Porém, constata-se que isso pode ser consequência da falta de informação a respeito das mesmas. Diante disso, o Poder Público, em conjunto com os órgãos ambientais já poderiam ter iniciado um programa de informação ao agricultor, ainda mais em se pensando que o cadastro deve ter seu prazo final em maio do corrente ano, já tendo sido prorrogado.

            A pesquisa traz, por fim, um breve panorama, mas que, pensando-se no que se apresenta como índices gerais de cadastramento, o Brasil tem muito a avançar ainda e, quem sabe, o primeiro passo é compreender que a participação de todos setores da sociedade é fundamental para que uma Lei não se transforme em letra morta.

 

 

5. Referências

 

BRASIL, Lei 6.938/1981, Política Nacional do Meio Ambiente. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm, acessado em março de 2016.

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, acessado em março de 2016.

 

BRASIL, Lei 12.651/2012, Código Florestal Brasileiro. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm, acessado em março de 2016.

 

GIL, A. C. Como elaborar Projetos de Pesquisa. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

SISCAR- Sistema de Cadastro Ambiental Rural. O que é o Cadastro Ambiental Rural. http://www.car.gov.br/#/sobre, acessado em outubro de 2016.

 

IPARDES. Caderno Estatístico – Município de Coronel Vivida. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=85550&btOk=ok . Acesso em abr/2016.

 

YIN, R. K. Estudo de Caso, planejamento e métodos.2.ed. Sao Paulo: Bookman,2001.

Ilustrações: Silvana Santos