Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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08/06/2020 (Nº 71) A VISÃO DE PRODUTORES RURAIS FRENTE AO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APPS) DO ARROIO MACACO EM PALMEIRA DAS MISSÕES – RS
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A VISÃO DE PRODUTORES RURAIS FRENTE AO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APPS) DO ARROIO MACACO EM PALMEIRA DAS MISSÕES – RS



Jeferson Rosa Soares*, Luis Roberval Bortoluzzi Castro**, Marisa Biali Corá***, Dione Iara Silveira Kitzmann****



*Doutorando em Educação em Ciências-UFRGS, Mestre Em Educação Ambiental-FURG. E-mail: josoares77@gmail.com

** Doutorando em Educação em Ciências-UNIPAMPA-Campus Uruguaiana. E-mail: lbortoluzzi@gmail.com

*** Professora do IFPR-Campus Barracão. E-mail: marisa_exp@hotmail.com

**** Professora do Mestrado e Doutorado em Educação Ambiental-FURG-Campus Rio Grande. E-mail: docdione@furg.br



Resumo O presente artigo buscou analisar a percepção de diferentes sujeitos em um processo de Ajustamento de Conduta (TAC) relacionado com infrações ambientais em áreas de preservação ambiental situadas no Arroio Macaco no município de Palmeira das Missões/RS. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas diretamente com os sujeitos relacionados no TAC e os dados sofreram análise de conteúdo, análise da ocorrência das informações e categorização. Os resultados indicam que os produtores rurais apresentam uma percepção ambiental primária que necessita ser trabalhada para a melhoria do estado de preservação dos recursos naturais. Apesar da importância de o Arroio Macaco ser reconhecida, evidencia-se a ocupação das áreas para plantio agrícola, assoreamento do leito do Arroio e quando foram iniciadas as ações do TAC observou-se que algumas soluções por parte dos produtores foram realizadas com a finalidade de reduzir o uso, como por exemplo, o replantio e o cercamento de partes das áreas. Porém, apenas ações isoladas não são suficientes, a mudança de comportamentos por parte dos envolvidos é de extrema necessidade e para aconteça deverá ocorrer maior cobrança por parte dos órgãos de controle e fiscalização com aplicação de ações de educação ambiental não formal.

Palavras-chave: Termo de Ajuste de Conduta; Áreas de Preservação Permanente; Arroio Macaco; Palmeira das Missões.

Abstract The present article analyzes the perception of subjects in a Term of Conduct Adjustment (TCA) related to environmental infractions in an area of environmental preservation located in the Macaco stream in the municipality of Palmeira das Missões / RS. The data collection was done through semi-structured interviews directly with the subjects of the TCA and the data underwent content analysis, analysis of the occurrence of the information and categorization. The results indicate that the rural producers present a primary environmental perception that needs to be worked to improve the state of preservation of the natural resources, despite the importance of the Macaco stream, evidences the occupation of the areas for agricultural planting, silting of the bed of the Arroio and when the actions of the TCA were initiated, some solutions were observed on the part of the producers with the purpose of reducing the impacts, as for example, the replanting and the enclosure of parts of the areas. However, only isolated actions are not enough, the behavior change on the part of the involved ones is of extreme necessity and to happen it should occur a greater collection by the organs of control and fiscalization with application of actions of non-formal environmental education.

Keyords: Term of Adjustment of Conduct; Areas of Permanent Preservation; Arroio Macaco; Palmeira das Missões.

Introdução

Nas últimas décadas, as intensificações das atividades humanas estão repercutindo diretamente na natureza, devido aos altos graus de degradação registrados. A atividade agrícola é considerada como o principal fator causador da degradação dos ecossistemas ripários, geralmente associada com a expansão territorial desordenada e/ou com as práticas agrícolas inadequadas (descarga de sedimentos e águas superficiais e extrativismo) (RODRIGUES & GANDOLFI, 2004).

A Microbacia do Arroio Macaco, em Palmeira das Missões (RS) recebe os efeitos dessa expansão agrícola, o que vem provocando degradação e consequentemente, interferindo na qualidade das águas assim como na qualidade do próprio manancial. O Arroio Macaco tem grande importância socioambiental e econômica para o município, sendo responsável pelo abastecimento da sua população. No entanto, encontra-se em um estado considerado de degradação ambiental, principalmente com relação à supressão de sua vegetação ciliar e de assoreamento.

Frente a isso, no ano de 2009 foram firmados Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) entre os produtores rurais da região e o Ministério Público, para que o problema fosse minimizado. Esse Termo constitui-se em instrumento no qual consta o compromisso firmado entre aquele que causa o dano, seja pessoa física ou jurídica e aqueles órgãos responsáveis por realizarem a fiscalização ambiental.

Neste caminho, o causador do dano deveria recuperar as áreas impactadas como as Áreas de Preservação Permanente (APPs), e consequentemente, para que o TAC vigorasse, os envolvidos deveriam mudar seus hábitos e costumes em busca do cumprimento do Termo, o que possui uma ligação direta com a Educação, pois, conforme corrobora Loureiro (2004), o ser humano necessita ser educado de forma mútua e contínua, reconhecendo que os vários saberes são importantes para se construir algo democrático relacionado diretamente com o meio ambiente.

No município de Palmeira das Missões (RS), as fiscalizações das Áreas de Preservação Permanente tiveram início no ano de 2009, tendo como ponto de partida a microbacia hidrográfica do Arroio Macaco sendo fiscalizado um total de 32 propriedades acima do ponto de captação de água, onde os proprietários foram notificados a firmarem o TAC, a fim de regularizarem suas propriedades conforme a legislação vigente.

Tendo em vista que o TAC foi firmado no ano de 2009 o instrumento norteador da época era o Código Florestal instituído pela Lei nº 4.771, de 1965 que tratava das florestas e demais formas de vegetação de preservação permanente e determinava que todos os rios de largura até 10 metros, caso do Arroio Macaco, deveriam possuir uma faixa de 30 metros de largura no mínimo em suas margens preservada, e ainda segundo essa referida Lei “considerava-se que a preservação, permanente pelo efeito da Lei, e as áreas situadas nas nascentes, ainda que intermitentes, e nos chamados olhos d’água, qualquer que seja a situação topográfica, deve-se ter um raio de 50 metros de largura” o que vai ao encontro da referida pesquisa.

Utiliza-se neste trabalho como instrumento norteador o Código Florestal de 1965 em virtude do TAC ter sido realizado antes do lançamento da Lei nº 12.651, 2012, que institui o Novo Código Florestal Brasileiro, o qual já traz consideráveis modificações relativas a diminuição das APPs (em metragens) para sua preservação o que pode ser visto na descrição do Art 4º do referido Código traz uma diminuição considerável das APPs, com atenção especial às áreas de várzea, onde os rios modificam-se no decorrer do ano todo, atingindo assim a sustentabilidade dos limites dessas áreas marginais aos rios.

Reigota (2006, p.12) corrobora ao dizer que “[...] Os problemas ambientais foram criados por homens e mulheres e deles virão as soluções”. Sendo assim, é importante conhecer como os envolvidos diretamente nos processos de degradação se relacionam com as APPs. Portanto, faz-se necessário conhecer as visões e perspectivas dos sujeitos envolvidos nos processos de degradação do Arroio Macaco, pois, a relação das percepções das populações locais, aliada ao conhecimento técnico-científico é importante, porque esta combinação pode apresentar legalidade e eficácia nos processos de tomada de decisão.

Sendo assim, esse estudo objetiva verificar o que dizem os sujeitos envolvidos com os TACs sobre a constituição e desenvolvimento do processo celebrado entre o Ministério Público e os produtores rurais na relação com as Áreas de Preservação Permanente do Arroio Macaco, dada a importância da preservação das APPs tanto para as zonas rurais como para as zonas urbanas.



Metodologia

A metodologia consiste na descrição detalhada de todas as etapas utilizadas na presente pesquisa para o atendimento da problemática do estudo. Nesse sentido, necessário se faz destacar os sujeitos da pesquisa (Produtores Rurais), dessa forma, identificou-se 32 sujeitos que firmaram TACs na Promotoria da Comarca do município e que se comprometeram junto ao MP a adequar suas condutas para reparação dos danos ambientais. Dentre estes, realizou-se um recorte com base nos critérios de acessibilidade e disponibilidade, e assim, dentre esses sujeitos que o pesquisador entrou em contato, 12 se disponibilizam a serem entrevistados. Dessa forma, a quantidade total de sujeitos elencados na pesquisa foi 12 Produtores Rurais.

Os instrumentos de coleta de dados que foram utilizados (análise documental e entrevista semiestruturada) e os procedimentos para análise dos dados (Análise de Conteúdo), apresentação por meio de gráficos realizando a união de base qualiquantitativa como uma nova maneira de visualização e sintetização dos dados em uma mesma figura, essa nova apresentação em uma mesma figura fazendo essa relação está sendo chamado neste tralho como Análise Analítica por meio de duas Dimensões, construída especialmente para este trabalho pelos autores. Primeiramente, foi analisado cada Termo firmado como um documento norteador dos objetivos da pesquisa, portanto, a análise de documentos será registrada com base nos objetivos da pesquisa, o que Lüdke e André corroboram ao afirmarem que os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representem ainda uma fonte “natural” de informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LUDKE & ANDRE, 2012, p. 39).

A análise iniciou a partir de março de 2017, em um total de 32 TACs. Essa investigação teve como finalidade retirar informações do teor do Termo, no que diz respeito à caracterização dos Produtores, prazos de cumprimento de acordo com o dano ambiental de cada propriedade rural e cláusulas que estabelecem obrigações e penalidades relacionadas com a recuperação de área de APPs do Arroio Macaco.

Na segunda etapa da pesquisa foi utilizada a entrevista semiestruturada, que segundo Ludke & André (1986), é o mais adequado à investigação em Educação, uma vez que oferece uma ampla liberdade na formulação de perguntas e na intervenção de quem será entrevistado, o que dá a quem entrevista possibilidades de conversar sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada (MINAYO, 2008, p. 261). Segundo a autora, as “entrevistas reproduzem a realidade como: ideias, crenças, maneira de pensar, opiniões, sentimentos, maneiras de sentir, maneiras de atuar, condutas, projeções para o futuro, razões conscientes de determinadas atitudes e comportamentos” (MINAYO, 2008, p. 262). Dessa forma, a entrevista semiestruturada com os sujeitos selecionados na pesquisa foi realizada no mês de agosto de 2017, através de visitas nas propriedades rurais ou de acordo com disponibilidade de local e horário indicado pelo produtor.

Sendo assim, a análise se deu a partir da leitura das respostas obtidas, realizada a fim de melhor entender as percepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa, utilizando técnicas e métodos característicos da abordagem qualiquantitativa. Destaca-se que nos gráficos ao utilizar o Contexto Categórico o mesmo está relacionado aos recortes realizados nos discursos dos sujeitos da pesquisa, e a Categoria Temática elaborada após os recortes do Contexto Categórico, mostrando ser uma nova técnica metodológica de abordagem e tratamento dos dados qualiquantitativos tornando a análise mais precisa, destacados em uma mesma figura.



Resultados e Discussões

Ao considerar a importância da recuperação de APPs, matas ciliares e corredores ecológicos no entorno de nascentes e ao longo de cursos d’água, os produtores rurais de Palmeira das Missões (RS) assumiram perante o Ministério Público a “Obrigação de Não Fazer”, a qual consiste em deixar definitivamente de realizar a supressão de vegetação arbórea nativa e intervenções danosas ao meio ambiente sem prévia autorização de órgãos competentes tais como, a Fundação Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM), Divisão de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) e/ou Município em atividade de impacto local, ou que estejam em desacordo com as condições e restrições da licença eventualmente concedida (Cláusula primeira do TAC firmado).

Nessa perspectiva, a construção desse tópico pautou-se na concretização do objetivo da pesquisa, o qual consiste no conhecimento da visão dos diferentes sujeitos em relação ao processo e desenvolvimento dos TACs assinados em APPs do Arroio Macaco. Os produtores que assinaram os TACs devem fazer a recomposição das APPs em suas propriedades, de acordo com as especificações estabelecidas no Termo. Os TACs que abrangem as APPs nesse município foram firmados por um intervalo de tempo que varia de 18 meses a 3 anos (no caso de recuperação das nascentes) e de 2 anos a 13 anos (no caso das margens de curso d’água), com o intuito de ter regularização mediante a legislação ambiental específica. A maioria dos TACs relacionados com a regeneração das APPs das nascentes e dos cursos d’água, mesmo que tenham decorrido mais de 8 anos (2009 a 2018) contados partir da celebração do Termo, ainda não tem suas obrigações assumidas cumpridas.

A Tabela 1 apresenta as características dos sujeitos entrevistados e de suas propriedades, onde predominam os proprietários do sexo masculino, com idade média de 60,2 anos (variando de 33 a 71 anos). Somente quatro (33%) residem na propriedade que foi alvo do TAC. O tempo médio de posse da propriedade é de 33,4 anos (variando de 10 a 100 anos). Para a realização da identificação se utilizou do número de referência do TAC dado a cada uma delas no processo, as quais foram identificadas pela letra P, seguida pelo número de sua propriedade (P1, P3, P6, P8, P9, P10, P15, P21, P23, P24, P25, P28).

Com base nos dados, percebe-se que as propriedades rurais possuem um tamanho médio de 205,5 hectares (variando de 15 a 1.200 ha), sendo que as de 15 e 58 hectares são as mais representativas na pesquisa, seguidas por propriedades com áreas entre 123 e 1.200 hectares. Quanto à atividade econômica, a agricultura é a atividade principal seguida da pecuária; em relação ao tipo de cultivo existente, a soja é a líder em produção. Segundo a Emater/RS - Ascar, escritório de Palmeira das Missões, a soja representa a principal cultura agrícola produzida no município, seguida pelo milho e o trigo, principalmente em áreas onde o proprietário realiza rotação de cultura.

Tabela 1: Características dos entrevistados e de suas propriedades.

Local

Idade (anos)

Sexo

Reside na Propr.

Tempo de Propriedade (Anos)

Atividade Principal

Área Principal (Hectares)

Área Utilizada (Hect)

Tipo de Plantio

Prop. 1

60

M

N

30

Agric./Pecuária

234

120

Direto

Prop. 3

62

M

S

18

Agr/Pec

27

22

Direto

Prop. 6

63

M

N

30

Agricultura

500

460

Direto

Prop. 8

66

M

N

38

Agricultura

46

34

Direto

Prop. 9

64

M

S

12

Agricultura

15

12

Direto

Prop. 10

62

M

N

15

Agricultura

1200

1165

Direto

Prop. 15

58

M

N

100

Agr/Pec

58

35

Semi-direto

Prop. 21

71

M

S

70

Agr/Pec

123

90

Convencional

Prop. 23

33

M

N

15

Agricultura

180

145

Direto

Prop. 24

63

M

S

30

Agricultura

25

20

Direto

Prop. 25

50

M

N

10

Agricultura

22

22

Convencional

Prop. 28

71

M

N

33

Agricultura

36,5

27

Direto

Fonte: Elaboração própria.

Destaca-se também que de acordo com os dados obtidos através dos produtores e descritos na tabela acima, 1 ou 8% das propriedade (n. 9) na área da microbacia é classificada como minifúndio (ocupa até 1 módulo fiscal), u seja até 16 hectares; 6 ou 50% das propriedades enquadram-se como pequena propriedade (n. 3, 8, 15, 24, 25, 28) de (1 a 4 módulos fiscais), até 64 hectares; 3 ou 25% das propriedades enquadram-se como média propriedade (n. 1, 21, 23) de (5 a 15 módulos fiscais), até 240 hectares; e 2 ou 17% são elencadas como grandes propriedades (n. 6, 10) acima (15 módulos fiscais), com mais de 240 hectares, destaca-se que o módulo fiscal em Palmeira das Missões é de 16 hectares (BRASIL, 2013), elenca-se que, alguns proprietários possuem mais de uma propriedade, com registros distintos, em outros pontos mais distantes da microbacia do Arroio Macaco e que não foram totalizados no conjunto.

Ainda considerando a importância de promover a recuperação das APPs do entorno das nascentes e nas margens dos cursos d’água existentes nas propriedades, os sujeitos foram indagados sobre o que gerou ou causou o firmamento do TAC nas APPs. Diante desse contexto, percebe-se que o Arroio Macaco em Palmeira das Missões não difere dos problemas ambientais caracterizados nos rios de outros municípios. Em relação às problemáticas, podemos destacar, segundo Barcelos et al. (1995), que as APPs demandam atenção especial porque estão voltadas para a preservação da qualidade das águas, vegetação e fauna. Mas sabemos que isto não ocorre, principalmente em regiões que culturalmente vivem da agricultura e da pecuária como o caso de Palmeira das Missões.

Outros problemas enfrentados, como a plantação nas margens do rio, o descarte de resíduos, a desapropriação, a poluição da água, o desmatamento e a criação de gado comprometem e ameaçam essas localidades, o que vai ao encontro das falas dos seguintes sujeitos envolvidos na pesquisa: propriedade 6, 8, 9 e 15.

No discurso do proprietário 6, este relata: “eles falaram que minha propriedade estava com o mato perto da sanga irregular, que eu não estava cuidando de uma forma certa”; na visão do produtor 8 “era a ideia de preservação porque a gente está situado nessa área que faz o abastecimento pra cidade”; o proprietário 9 fala “por causa de que tem que isolar e não pode mais cruzar com o gado pra outra pastagem”; Corrobora neste contexto, Calheiros et al., (2004) ao dizer que a presença desses animais próximos a mananciais é prejudicial, o pisoteio torna a superfície do solo perto às nascentes compactada, reduzindo sua capacidade de infiltração, ficando suscetível à processos erosivos e, por conseguinte, ocasionando não só a contaminação dos recursos hídricos por partículas do solo, mas também causando o soterramento das nascentes.

E na visão do proprietário 15 ‘‘ação para que estas áreas de captação de água que abastece a cidade tivessem uma atenção maior por parte tanto do Ministério Público quanto por parte dos proprietários”. Segundo Ribeiro (1998), essas áreas destacam-se pela sua riqueza e diversidade genética, e pelo seu papel na proteção dos recursos hídricos, edáficos, e da fauna silvestre e aquática. Essas áreas foram incluídas no Código Florestal Brasileiro desde 1965 como APPs, estando assim, protegidas por lei (BRASIL, 1965) o que se manteve no atual Código Florestal (BRASIL, 2012).

O contexto descrito acima pode ser observado quando 100% dos entrevistados informaram ter conhecimento sobre o que ocasionou o TAC (Figura 1 A) e essas respostas formaram uma categoria temática denominada de “falta de cuidados com as APPs” (Figura 1 B), que pode ser verificado nos recortes dos discursos que formaram o contexto categórico das respostas dos produtores (Figura 1 C).

Figura 1: A) Percentual das respostas para a pergunta “Você sabe o que gerou o TAC?”, B) percentual da categorização temáticas das respostas e C) contexto categórico dos discursos apresentados.

Fonte: Elaboração própria.



Numa escala global, o desmatamento tem contribuído para os problemas ambientais que atingem a humanidade na atualidade, como o efeito estufa, a escassez da água, em determinadas regiões e principalmente as mudanças climáticas. Nesse contexto, as APPs não escaparam desses danos, pelo contrário, foram alvo de degradação intensa. Também em razão do processo de urbanização, muitas cidades foram formadas às margens de rios, eliminando as áreas de preservação e matas ciliares; e muitas acabam pagando o preço por isso através de inundações constantes (CRESTANA, 2006).

Para melhorar este contexto é preciso realizar trabalhos que mobilizem os vários órgãos através de políticas públicas que desenvolvam propostas de recuperação e revitalização dos locais que foram degradados. De acordo com Ferreira (2004), a conservação e recuperação das matas ciliares e o manejo sustentável das bacias hidrográficas afetam diretamente a qualidade, a quantidade de água, a manutenção do microclima da região e a preservação da fauna silvestre e aquática, entre outros.

No desenvolver da entrevista os produtores foram questionados sobre como ocorreu o processo de audiência inicial para o firmamento do TAC, vários produtores responderam que houve uma convocação do Ministério Público de Palmeira das Missões para que os produtores rurais comparecessem ao Fórum do município para assinarem um Termo, o qual garantisse as melhorias necessárias para serem desenvolvidas nas APPs. Fato esse que é destacado através da resposta de um dos produtores, o produtor 25 diz que “Fomos solicitados, eles vieram e fomos solicitados a comparecer no auditório e ver um programa que nós tínhamos que fazer e não teve muita discussão”.

Nesse sentido, foi destacada a realização de uma reunião com os produtores para que os mesmos realizassem as adequações de acordo com o que está previsto na legislação, garantindo assim a segurança necessária para garantir a preservação do Arroio Macaco. Essa situação é enfatizada nas falas dos produtores 6 e 9. Assim afirma o produtor 6: “chamaram todos nós para uma reunião geral, onde foi explicado tudo como a gente tinha que fazer dali em diante e que a gente precisava adequar a propriedade conforme a legislação”. E o produtor 9 destaca: “Foi um pessoal lá e demarcou a área e depois teve uma reunião aqui na cidade todo mundo junto para assinar o compromisso de preservação ali no Fórum.”.

Nesse sentido, é fundamental ressaltar a importância da água como um recurso natural dotado de valor econômico, sustentável, limitado, porém, renovável. Para Cunha & Guerra (2000), o ciclo da água necessita ser mantido de forma racional e equilibrado. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, necessário se faz mencionar que a presença de vegetação ao redor dos cursos de água é muito importante para diminuir os problemas ambientais que assolam o Arroio Macaco.

Contudo, sintetizando o tópico analisado, foi identificado que não ocorre o cumprimento das condições previstas na legislação pelo fato de que os produtores rurais temem em perder recursos financeiros, como por exemplo, o espaço físico em suas propriedades. Logo, o que não é posto em análise é que se ocorresse o cumprimento das normativas legais, isso poderia acarretar em inúmeros benefícios para a preservação ambiental do Arroio Macaco no município de Palmeira das Missões.

Seguindo essa linha, os produtores foram questionados sobre as vistorias dos técnicos do Pelotão de Polícia Ambiental - PATRAM na propriedade, quantas e como ocorrem. É oportuno dizer que a PATRAM com sede em Frederico Westphalen (RS) é o órgão responsável pelas vistorias/fiscalizações nas propriedades que aderiram ao TAC no município de Palmeira das Missões.

Dos doze (12) produtores entrevistados, nove (9) afirmaram que foram realizadas três (3) vistorias em suas propriedades, mas elencaram também que dificilmente participavam das mesmas. O que pode ser visto no discurso do produtor 6, o qual diz “Sim umas 3 vezes, eles pedem licença para entrar e vão lá olham, medem, batem foto e dizem muito obrigado e saem”. O restante dos produtores (3) apenas dizem que foram realizadas as vistorias, mas não sabem dizer quantas e como foram realizadas. O que pode ser visto na fala do produtor 28: “Eles nunca me convidaram, tiveram por lá e nunca participei dessa visita e nunca me comunicaram quando iam fazer”.

Seguindo o processo, foi perguntado aos produtores se as obrigações assumidas na assinatura do TAC mudaram a forma de como os mesmos atuavam na relação com o meio ambiente/APPs. A maioria dos entrevistados relata em seus discursos que, após as obrigações assumidas no TAC, não tiveram mudanças em suas formas de se relacionar com natureza, o que demonstra que não possui relevância para os mesmos a determinação de que deveriam haver medidas preventivas para a preservação das APPs de forma responsável e consciente. Corroboram isso os discursos de alguns dos entrevistados, como na visão do proprietário 15: ‘‘Acredito que o TAC não interferiu em nada porque já estávamos com essas áreas preservadas dentro, contemplando quase tudo aquilo que o TAC exigia com algumas particularidades”; e do proprietário 23, que diz: “Na verdade não, porque dessa forma já era preservada ali, de uma forma já sabia como funcionava isso ali”. Destaca-se no discurso do produtor 3 que, mesmo dizendo que não alterou sua relação, ele teve uma mudança de postura e comportamento: “Sei lá acho que não, mas às vezes alguma coisa errada a gente fazia, alguma coisa que não podia jogar ali, como descartar embalagens, o lixo né, agora não, a gente cuida, então o Termo ajudou bastante, a gente tá mais prestativo, um pouco mais consciente né”.

Há também os que demonstraram que após a assinatura do Termo suas atitudes foram modificadas, indicando que foram sensibilizados e que após estavam mais conscientes sobre como se relacionar com o seu meio, o que pode ser visto nas falas dos produtores. Na visão do produtor 8: “Com certeza, alteração mais de preservação, de respeitar as áreas de preservação até para não incorrer em multa”; o produtor 9 fala: “mas olha é pra melhorar né, a água, todo mundo precisa né, então nessa parte eu concordo porque não só eu quero viver, meus filhos e meus netos também querem viver, ter água pra tomar, então qual é nosso compromisso? É preservar”; o produtor 21 diz que: “Sim, teve, a gente tinha esses banhado, eu roçava o que dava para roçar, agora eu não roço porque não pode, aqui tem outra vertente, aqui que eu fiz a cerca também no costado não pode roçar, daí começa a sujar”.

Frente a isso, verificou-se que 50% dos produtores dizem que as obrigações assumidas no TAC alteraram as suas formas de atuar em relação com o meio ambiente e 50% informaram que não tiveram mudanças (Figura 2 A). As respostas do grupo de produtores que indicaram a modificação em seus hábitos e costumes foram categorizadas naqueles que indicaram que as mudanças ocorreram em prol da preservação e outra parcela indicou a mudança de atitude ocasionada pela força judicial (Figura 2 B). Já na parcela de produtores que informou que não houve mudanças nos seus hábitos, as respostas foram concentradas em uma categoria, indicando que já preservavam (Figura 2 C), por isso não teria havido mudanças, pois, segundo os produtores, as condicionantes já estavam sendo cumpridas (Figura 2 D).

Figura 2: A) Percentual das respostas para a pergunta “As obrigações assumidas no TAC alteraram a sua forma de atuar na relação com o meio ambiente?”; B) percentual da categorização temáticas das respostas; e C) contexto categórico dos discursos apresentados.



Fonte: Elaboração própria.

Quando os produtores foram questionados sobre o que era mais difícil de cumprir quanto às obrigações ou as condicionantes assinadas no TAC, vale destacar alguns critérios elencados pelos produtores, como por exemplo, a perda de área de lavoura e de pastagem, a utilização das margens da sanga, córrego, os custos de realização. Isso pode ser visto no discurso do produtor 1, com destaque ao dizer que: “Assim aquelas que significam perda de área de lavoura, digamos, era uma preocupação a perda por área de lavoura ou de pastagem que iríamos perder, a outra é o custo, para mim são os principais argumentos”. Os custos para fazer os isolamentos seriam outra dificuldade para realizar a preservação, principalmente no que toca aos materiais que são utilizados, como é descrito na visão do proprietário 6, que afirma: “foi fácil de fazer, mas o custo para fazer se torna um pouco caro para fazer sozinho”. Nessa linha de raciocínio, o proprietário 9 fala: “Mais difícil foi o material, palanques, arame para fechar essa área, eles não dão nada, é por nossa conta”.

Outro item que merece destaque é o que se refere às metragens que necessitam para se adequar perante a legislação vigente. Na visão do proprietário 8: “as mais difíceis de fazer é você deixar 50 metros em uma nascente, se você pode negociar outras áreas em volta, teria que ter um bom senso, e desmanchar os açudes que já são consolidados, assim eu acho que é essa que eu considero uma inconsistência desse TAC”. Ressaltando esse aspecto, o proprietário 15 descreve: ‘‘São as metragens que têm que observar de nascentes que são essas metragens exigidas essa é a grande dificuldade até de chegar nos índices que são exigidos”.

Corrobora nesse contexto Calabria (2004), ao dizer que o histórico revela um contínuo desrespeito legal consolidado no uso indevido dos seus recursos pelos produtores rurais em todo o Brasil, que desconhecem e, ou, possuem dificuldade em interpretar as normas que caracterizam e regulam o uso das APPs. Visualiza-se na figura abaixo um panorama maior dessa descrição. Dos entrevistados, 83% indicaram ter conhecimento das condicionantes mais difíceis de serem executadas no TAC e 17% informaram não saber quais seriam mais difíceis (Figura 3 A). Em relação à parcela que indicou conhecer, as respostas foram categorizadas quanto à legislação, metragem, custo do material, uso de área e perda de área e ao custo para implementar as mudanças (Figura 3 B). Por sua vez, os 17% que informaram não saber sobre as condicionantes mais difíceis, suas respostas indicam que a dificuldade não foi expressada, pois todos os entrevistados consideram as condicionantes fáceis, devido a já as cumprirem, sendo expressadas como “sem problemas” (Figura 3 C). Assim como é possível observar a descrição dos produtores no contexto categórico (Figura 3 D).

Figura 3: A) Percentual das respostas para a pergunta “Você sabe quais são as condicionantes do TAC que são mais difíceis de executar? ”; B e C) percentual da categorização temática das respostas e D) contexto categórico dos discursos apresentados.

Fonte: Elaboração própria.

Ao serem abordados sobre quais outras obrigações poderiam ser acrescentadas no teor do TAC, os produtores respondem que há necessidade em ter processos educativos, mais pessoas capacitadas, técnicas para auxiliar os mesmos, descritos nos discursos abaixo.

O produtor 1 diz que “eu acho que algo mais educativo, processos de palestras técnicas com pessoas mais capacitadas seria interessante”. Sugere-se a implantação de programas de Educação Ambiental, realizando assim o acompanhamento dos produtores rurais no processo de preservação das APPs, o que pode auxiliar os mesmos a tomarem melhores decisões. Corrobora nesse sentido, o discurso do proprietário 6: “Deveria ter uma parte escrita, para alguém com mais entendimento, até mesmo eles irem lá para nos auxiliar nessas coisas lá como medir, cercar, replantar e depois acompanhar melhor”. Nessa recomendação tem-se a tentativa de sensibilizar e um interesse maior dos produtores sobre as consequências da degradação que vem sofrendo o Arroio Macaco e da importância do mesmo como recurso hídrico e de sua fauna e flora, o que pode ser trabalhado em estudos e pesquisas futuras.

E na visão do produtor 8, o mesmo diz que “Reflorestar principalmente com frutíferas nativas para daí alimentar também os pássaros, insetos, deixar a natureza fazer a parte dela e se ela não conseguir aí eles iriam dar um monte de plantas de diversos tipos, mesclados para a gente reflorestar poderia ser colocado isso no acordo”.

Neste caminho, os produtores quando questionados se poderiam ter sido acrescentadas mais medidas compensatórias ao TAC, 75% indicaram que sim e 25% que não (figura 4 A). Destes 75%, as respostas foram categorizadas em: retribuição financeira pela preservação; ações educativas; uso de árvores frutíferas; licença para estruturas; maior cobrança; e qualificação técnica dos órgãos fiscalizadores (Figura 4 B). Já os 25% que informaram que não seriam necessárias mais medidas, as respostas foram categorizadas em: “sem problemas” (Figura 4 C), pois consideraram que já estavam cumprindo com o que a legislação apontava antes mesmo do TAC ser lavrado, conforme expressa o contexto categórico do discurso dos produtores (Figura 4 D).

Figura 4: A) Percentual das respostas para a pergunta “Você considera que poderiam ter sido acrescentadas mais medidas compensatórias no TAC?”; B e C) percentual da categorização temática das respostas; e D) contexto categórico dos discursos apresentados.

Fonte: Elaboração própria.

Ao analisar os discursos decorrentes do questionamento sobre se estavam ou não cumprindo o TAC e de que forma, identificamos que foram elencadas pelos entrevistados as seguintes razões: Execução do que foi firmado, mudança de atitudes, conscientização, dependência do meio ambiente, para futuras gerações, o que pode ser mais bem visualizado nos discursos abaixo.

O sujeito da propriedade 1 diz que: “A Escola Agrícola pelo que eu tenho acompanhado, o Diretor da Escola em suas ações, foi o que a gente tinha pensado está dentro da execução do TAC”. Na visão da propriedade 3 “Eu vejo assim que nem hoje eu tenho 3 filhos homens né, muitas vezes a gente conversou e eles falam: - Pai isso é bom para nós para o futuro a gente vai ter mais mato na nossa área e até as águas vão ficar melhor... a gente conversou e eu fiz e vou manter... a gente assinou e eu estou cumprindo”. Na visão do proprietário 6 “Sim estou eu diria que a parte de estar mais consciente por que a gente pode estar fazendo algo errado mesmo as vezes de forma inconsciente mas faz e sei que no futuro pode melhorar então tenho que fazer”.

Os produtores manifestam em seus discursos que estão cumprindo as obrigações firmadas nos TACs de forma coletiva e que não tomariam mais atitudes ou comportamentos para causar maiores danos nessas áreas, até para não sofrer multas ou gastos mais elevados acima do que foi aplicado para todos os envolvidos, ou que tenha participação. Nesse caso, a participação pode oportunizar uma transformação social, por meio do aumento da assunção de responsabilidade (SOARES, 2010), visando o pensamento coletivo no tratamento dos problemas apresentados.

Neste contexto, verificou-se que 83% dos entrevistados informaram que estavam cumprindo o TAC e 17% disseram que não estavam (Figura 5 A). Dos que indicaram que estavam cumprindo, 41,5% simplesmente indicaram pela obrigação e os demais, que representam 41,5%, relacionaram com a necessidade de preservação ambiental. Estas respostas foram categorizadas em dois grupos, os que buscam cumprir o que foi acordado no TAC e os que apresentam uma visão de preservação (Figura 5 B e C), como pode ser observado no recorte dos discursos enquadrados como contexto temático (Figura 5 D). Destaca-se ainda que (3) produtores dos 17% dos produtores que informaram que não estavam cumprindo indicaram que isso seria devido ao tamanho da propriedade. Outros informaram que sempre cumpriram.

Figura 5: A) Percentual das respostas para a pergunta “Você está cumprindo com o TAC?”; B e C) percentual da categorização temáticas das respostas; e D) contexto categórico dos discursos apresentados.

Fonte: Elaboração própria.



Diante dos depoimentos verifica-se que existem falhas nas fiscalizações realizadas nas APPs do Arroio Macaco e a falta de capacitação técnica e permanente dos órgãos fiscalizadores demonstra que as vistorias feitas não têm o efeito desejado corroborando com as ideias de Cardoso (2000, p.80):

a grande dificuldade está na identificação quali-quantitativa do dano ambiental, onde os diferentes profissionais necessitam estar bem especializados, para dizer de fato o que está acontecendo, ou aconteceu em determinado ambiente degradado, fruto de uma atividade geradora de impacto ambiental (CARDOSO, 2000, p. 2).



Para obter maiores informações em um contexto mais amplo, os produtores foram questionados sobre o papel da CORSAN nos TACs. A partir disso, descreve-se um pouco sobre a CORSAN:

A Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN), é uma sociedade de economia mista, criada pela Lei n° 5167, de 21 de dezembro de 1965, sendo instalada em 28 de março de 1966 (sendo esta a data oficial de sua fundação). Com sede em Porto Alegre (RS), suas atribuições em cada município na qual está presente é implantar, ampliar, manter, conservar e explorar os serviços com relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Atualmente, a CORSAN abastece cerca de seis milhões de gaúchos, o que representa 2/3 da população do Estado, distribuídos em 316 municípios no Rio Grande do Sul. Para estabelecer a relação da CORSAN com o município de Palmeira das Missões buscamos base no Contrato firmado entre ambos, que diz em sua Cláusula Quarta que “o Município outorga à CORSAN a prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário o que compreende a exploração, execução de obras, ampliações e melhorias, com a obrigação de implantar, fazer, ampliar, melhorar e administrar, com exclusividade, os serviços de abastecimento de água potável e esgoto sanitário, na área urbana e áreas contínuas, incluindo a captação, adução de água bruta, bem como a coleta, transporte, tratamento e destino final de esgoto (Contrato de Programa para Prestação de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, 2008, p. 3)”.

E em sua Cláusula Oitava, nessa prestação de serviço a CORSAN deverá: “II – operar e manter os serviços de abastecimento de água potável, incluindo a captação, bombeamento, tratamento, adução e distribuição de água, medição do consumo e o controle da qualidade da água, nos termos definidos pelo Plano Municipal de Saneamento”.

No entanto, ao se analisar os relatos dos proprietários em relação à atuação da CORSAN em Palmeira das Missões, é possível verificar que sua atuação como prestadora de serviços ambientais e preservação das APPs é vista com poucos avanços na área devido a mudanças de governos constantes em todas as esferas, e que utiliza as escolas como estratégia para divulgar seu trabalho através de debates e palestras. Essa situação é destacada na fala do proprietário 1: a CORSAN tem avanços e recuos na questão da preservação das APPs conforme a ideologia do Governo Estadual no momento, porque os cargos de chefia são ligados aos governos, então já tivemos momentos em que a própria CORSAN puxava os debates, ia nas Escolas, fazia palestras estava junto no processo e momentos que a CORSAN ficou mais fora do processo e nesse momento do TAC não houve envolvimento da mesma, não sei se por não ter sido chamada, porque quem iniciou, quem chamou foi a Promotoria Pública, talvez uma falha em não ter chamado, mas não houve a participação da CORSAN. Mas seria interessante ela estar a par disso: Sim porque ela é sujeito do processo ela que faz a captação, ela que vai sofrer as consequências na distribuição, na questão do assoreamento”. Falando nas APPs o proprietário 3 afirma a importância do papel da CORSAN em estar presente, o que não acontece: “Eu acho que ela deveria estar presente né... ali é deles, eles pegam captam a água e levam para a cidade, eles tinham que estar junto e participar, mas não me recordo de estar, quem sabe auxiliar a gente em algo técnico”.

Outros proprietários acreditam que a CORSAN deixou e deixa não transparecer o seu interesse em estar junto nesse processo. O proprietário 8 afirma que: Realmente é um ponto crítico e eu estou achando que ela é a maior beneficiária desse TAC, acordo para a preservação ela teria que ajudar até logisticamente, o fornecimento de mudas, o estaqueamento pro gado não invadir ou para ajudar a orientar o produtor se está fora ou se está dentro, ou conserva assim a tua fonte ou nascente do rio... seria bom você plantar aqui é interessante pra aumentar o fluxo da água não plantar eucalipto, plantar bananeira desse tipo... orientar o que que tem que plantar”. Para os proprietários a atuação da CORSAN em relação à preservação das APPs é apenas para divulgação da empresa, e que sua atuação deveria ser mais frequente quando se trata de assuntos ambientais do município, principalmente quando se trata da importância da água para o município em geral.

Nesse sentido, verifica que a CORSAN é a instituição mais importante e direta com interesses concretos para a Preservação das APPs do Arroio Macaco, o que pode ser notado nos discursos é que ela não se fez presente, o que mostra que não haveria necessidade, já que faz a exploração do fornecimento de água, sendo assim um direito da mesma adquirido, o que pode causar um comportamento diferenciado com relação ao município e munícipes, o que é de maneira involuntária notada pelos participantes da pesquisa, neste contexto é de suma importância que a CORSAN assume seu papel diante dos produtores e da comunidade em geral, o que pode ser realizado por meio de palestras técnicas, auxilio nas demarcações de áreas, no reflorestamento, campanhas em escolas com alunos e professores oriundos da área rural.

Quando os produtores rurais foram perguntados sobre serem compensados, receberem ajuda financeira por preservarem as APPs através de Programas municipais, se destaca que na visão dos mesmos é preciso que tenham uma contrapartida. Essa situação pode ser observada no discurso do produtor 6, quando o mesmo diz que Acho interessante, já vi em outros lugares, teria que ver se encaixa aqui para todos”, isso mostra que há uma necessidade de serem vistas as características de cada propriedade para que possam se adequar e superar os problemas causados nas APPs.

Na visão do produtor 3 o mesmo diz que: “Olha, se a gente não cumprir com que assinamos e não cuidar, podemos ter que pagar, eu acho que eles tinham que nos pagar de alguma forma, um incentivo por cuidar, porque a gente já paga muito imposto, né meu filho”. Esse discurso mostra que há uma preocupação em termos de impostos pagos aos cofres públicos.

Destaca-se também nas falas o valor que é dado à terra como meio de tirar desta a sua sobrevivência e como deixar de produzir em um determinado espaço afetaria a sua forma de sustento. Elenca-se essa visão na fala do produtor 5, ao dizer que: “Sim, com certeza, porque o que o agricultor quer é a terra para plantar e ganhar o dinheiro dele para sobreviver. O pequeno agricultor, né, para o meio ambiente ele deveria ganhar algo parecido para deixar a área parada, ele não ia se abster em nada ele ia deixar a área parada ganhando um valor certo com o maior prazer”. Essa questão é enfatizada na fala do produtor 1 ao afirmar em seu discurso que quando tem perda de área a parte econômica também é afetada: “Como acesso a esses projetos que compensam, porque o que percebo é a grande resistência, é a perda de área, questão econômica, então com um projeto de recuperação e compensação financeira pela preservação me parece até superaria a essência que é a questão do medo da perda financeira por área, então me parece que isso seria uma coisa concreta na superação dos problemas do nosso riacho Macaco, seria ter acesso a esse tipo de programa e conseguir a compensação financeira de todos os agricultores investir na preservação do nosso riacho Macaco”.

Alguns produtores que afirmam que quando não realizarem as obrigações acordadas serão multados, o que gera certo receio, o que pode ser visto no discurso do proprietário 23: “No que assinamos, se não cuidar vamos ser penalizados, e multas temos que pagar de alguma forma, tem tanto imposto já, então é necessário ressarcir a gente né meu filho, porque o custo de fazer isso para a gente que é bem caro, isso seria bom para nós aqui”. Referência é dada também a incentivos dados em outras cidades e Estados como forma de compensação aos produtores, o que pode ser visto na fala do produtor 24, que afirma: “Já ouvi falar pela televisão, acho que em Minas ou aonde que já tem isso e seria bom que quem tem pequenas áreas é uma judiaria e a gente paga tanto imposto que seria bom dar para a gente alguma coisa”.

Para melhor compreender o contexto as respostas para a pergunta o que você acha de ser compensado pelos serviços de preservação ambiental das APPs da sua propriedade? Foram categorizadas, resultando que 50% dos produtores indicaram que isso seria uma necessidade, 42% consideraram interessante e 8% afirmaram ser justo (Figura 6 A). Dos que indicaram ser necessária a compensação, a maioria considerou que poderia ser um incentivo, e outra parcela diz ser uma possibilidade de superação de problemas (Figura 6 B). O grupo que considerou interessante também acabou relacionando a ação com um incentivo, e outra parcela foi mais cautelosa e considerou a necessidade de estudar essa possibilidade para a região (Figura 6 C), o que é semelhante às respostas do grupo que indicou que o pagamento pelos serviços de preservação seria justo e que seria importante estudar a possibilidade para a região (Figura 6 D), como podem ser observadas os discursos dos produtores enquadrados no contexto categórico (Figura 6 E).

Figura 6: A) Percentual das respostas para a pergunta “O que você acha de ser compensado pelos serviços de preservação ambiental das APPs da sua propriedade?”; B, C e D) percentual da categorização temática das respostas; e E) contexto categórico dos discursos apresentados.

Fonte: Elaboração própria.



Conclusões

O presente estudo permite inferir que a percepção ambiental dos sujeitos infratores é pouco profunda, primária, na relação dos mesmos com o TAC, diante disso é possível dizer que o TAC quando bem orientado e organizado por todos os envolvidos pode servir como uma ferramenta na busca de resoluções rápidas aos danos ambientais causados.

O TAC se torna importante nesse trabalho na medida que propicia a prevenção e/ou a reparação do dano ambiental dispensando a proposição de Ação Civil Pública por parte do Ministério Público, pois o principal objetivo do Termo é readequar a conduta do causador do dano e solucionar de maneira rápida e eficaz os prejuízos causados às Áreas de Preservação Permanente do Arroio Macaco, mostrando-se uma opção rápida e eficiente na solução de conflitos envolvendo a prevenção e reparação do dano ambiental ao buscar ajustar a conduta de quem causa o dano,

Ainda o TAC não deve ser o único instrumento de solução dos problemas ambientais causados nas Áreas de Preservação Permanente do Arroio Macaco, mas, aplicado em conjunto com Programas de Educação Ambiental, pode promover a prevenção e a conscientização dos envolvidos na defesa dessas áreas. O Termo, por suas peculiaridades, possibilita a multa pelo descumprimento, sendo assim, busca que o causador do dano adote mecanismos de prevenção e controle, levando a que os mesmos se sintam responsáveis e possam desenvolver novas atitudes e comportamentos.

Projetos educativos nas Áreas de Preservação Permanente devem ser realizados como processo de intervenção em conjunto com o Termo de Ajustamento de Conduta fazendo com que os produtores rurais através de metodologias participativas entendam as relações socioambientais que estão envolvidas e que a partir disso percebam a necessidade de mudanças em seus comportamentos, suas responsabilidades sociais e participação na sua realidade.

Os sujeitos entrevistados mostram que estão conseguindo se adequar à legislação ambiental, e, apesar de algumas dificuldades, pretendem cumprir os compromissos firmados nos TACs. Consideramos que deve haver um processo de Educação Ambiental que propicie espaços e meios de construção das soluções, assim como para que preservem o meio ambiente por consciência e não por mero cumprimento da lei, a fim de garantir que suas ações se perpetuem no tempo e alcancem as gerações futuras, tais como filhos e netos que herdarão as propriedades.

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Ilustrações: Silvana Santos