Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Relatos de Experiências
13/09/2022 (Nº 80) PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA REFLEXÃO SOBRE CONSUMISMO E SOBERANIA ALIMENTAR
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PLANTAS ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA REFLEXÃO SOBRE CONSUMISMO E SOBERANIA ALIMENTAR



UNCONVENTIONAL FOOD PLANTS IN ENVIRONMENTAL EDUCATION: A REFLECTION ON CONSUMERISM AND FOOD SOVEREIGNTY



Daniela Aparecida Estevan1, Emanoele Cristina Weiss2, Daniela Macedo de Lima1, Anelize Queiroz Amaral1



1 Licenciada em Ciências Biológicas, Prof. Dra, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Dois Vizinhos (UTFPR-DV), danielaaestevan@utfpr.edu.br, danielamlima@utfpr.edu.br, anelizeamaral@utfpr.edu.br.

2 Licenciada em Ciências Biológicas, Mestre, UTFPR-DV weissemanoele@gmail.com.





Resumo

As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), muitas vezes consideradas como matos ou plantas daninhas, podem auxiliar na obtenção de diversos tipos de nutrientes. O objetivo desse trabalho foi promover a formação inicial e continuada, para promover a Educação Ambiental e um movimento de soberania alimentar, por meio de oficinas de formação sobre o uso de PANC e degustação dos alimentos provenientes delas. Por meio da aplicação de pré e pós questionário observou-se que a maioria dos participantes não conhecia as PANC, mas apreciou os pratos apresentados, relacionando a importância do conhecimento e uso delas a uma alimentação mais saudável, de menor custo, fácil cultivo, alto valor nutricional, contribuindo com a soberania alimentar.

Palavras-chave: Alimentação saudável. Ensino Superior. Formação de Professores. PANC.



Abstract

Unonventional Food Plants (UFP), often considered as weeds or weeds, can help to obtain different types of nutrients. The objective of this work was to promote initial and continuing training, to promote Environmental Education and a food sovereignty movement, through training workshops on the use of UFP and tasting of the food from them. By applying questionnaires, before and after the workshop and the tasting of dishes it was observed that most participants did not know the UFP, but appreciated the dishes presented, relating the importance of knowledge and use of them to a healthier diet, of lower cost, easy cultivation, high nutritional value, contributing to food sovereignty.

Keywords: Healthy eating. Higher Education. PANC. Teacher educantion.





Introdução

A Educação Ambiental pode ser compreendida como um campo da Educação que busca de diferentes formas debater sobre diversas questões socioambientais. Nesse caso, a presente pesquisa percorre um viés critico que busca questionar as desigualdades sociais por meio dos diálogos e questionamentos sobre o consumismo e o atual modelo de relação sociedade-natureza que já não se sustenta mais.

Assim sendo, a crise ambiental e/ou civilizatória instaurada está sendo marcada pela grande degradação de ambientes naturais pelos seres humanos em uma relação exploratória, o aumento das empresas e a necessidade cada vez maior de energia (LAYRARGUES; LIMA, 2011), extensas áreas de agricultura e pecuária e o consumismo desenfreado. Uma maneira de remediar os danos causados pela sociedade moderna perante a alta produção e crescimento foi o desenvolvimento sustentável, termo esse que surge na ocasião da elaboração do Relatório de Brundtland, e vem gerando diversos conflitos, por não ser uma discussão homogênea entre os grupos de pesquisadores. Tal termo responde a múltiplos interesses, variando desde o neoliberalismo econômico até a construção de uma nova racionalidade produtiva (REIGOTA, 2001). Conforme Sobrinho (2008) o termo desenvolvimento sustentável, seria aquele capaz de satisfazer as necessidades das gerações presentes, sem comprometer as gerações futuras. Porém, isso diz respeito às necessidades no escopo da sociedade de consumo, pois não faz nenhuma menção a fragilidade desse discurso referente ao atual modelo econômico, no qual as necessidades já não são mais as básicas para a nossa sobrevivência, o que é muito difícil de ser definido, pois a necessidade básica de um país pode não ser a mesma de outro (AMARAL, 2018).

Nesse sentido, é possível notar que a humanidade teve ao longo da sua vida diversas privações, sejam elas alimentícias ou de outros tipos. Quando o assunto é alimentação nos dias atuais, segundo a Organização de Alimentos e Agricultura (FAO) os dados são alarmantes, pois no mundo é produzida uma quantidade mais do que suficiente para alimentar toda a população, porém, cerca de 815 milhões de pessoas ainda passam fome. Dessa forma, um dos maiores desafios é a garantia de alimentos para toda a população, sendo que com o crescimento populacional acelerado, calcula-se para 2050 uma estimativa de 10 bilhões de habitantes (FAO et al., 2017).

Neste contexto de mudanças e necessidades alimentares, propõe-se a discussão acerca do conhecimento das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), como alternativa para um desenvolvimento sustentável, a redução do desperdício de alimentos, do combate à fome e obtenção de alimentos mais nutritivos e funcionais (PASCHOAL; GOUVEIA; SOUZA, 2017). As plantas denominadas de PANC poderiam ser consumidas, e não são por falta de conhecimento e por serem consideradas como “matos”, “inços”, “invasoras” ou “plantas daninhas”.

Existem diversas espécies de vegetais que possuem um grande potencial alimentício, principalmente as plantas consideradas alóctones ou nativas de cada região, plantas essas que muitas vezes são desconhecidas pela população, mas que são fonte de diversas vitaminas e demais nutrientes, sendo até superior às convencionais (KINUPP; LORENZI, 2014; MACEDO, 2017). No entanto, considerando a quantidade de plantas existentes no mundo, que segundo o relatório State of the World’s Plants é de cerca de 391.000 mil plantas vasculares, destas 30.000 mil poderiam ser utilizadas na alimentação humana, porém somente 12 dessas espécies representam 80% da produção e consumo mundial de alimentos (RAPOPORT; LADIO; SANZ, 2001).

A alimentação da população mundial é afetada pela globalização que incentiva uma dieta monótona e sem vínculo com a cultura e o território, assim provocando um processo denominado erosão cultural alimentar (FONSECA et al., 2018). O sistema agroalimentar é apoiado em uma matriz agrícola convencional com cultivo de monoculturas (trigo, milho e soja, por exemplo), para atender à demanda por produtos alimentícios de um padrão alimentar predominantemente limitado e industrializado (PASCHOAL; GOUVEIA; SOUZA, 2017), com gastos econômicos relativamente altos, pois para o plantio de algumas espécies são utilizados insumos, sementes, agrotóxicos em geral, pagamento de royalties pelo plantio de plantas transgênicas ou na aquisição de sementes que são patenteadas (CARNEIRO, 2004; KELEN et al., 2015). Isso tudo gera consequências como aumento das desigualdades sociais, pois poucos agentes se beneficiam financeiramente deste sistema, colocando em risco a soberania alimentar, pois as espécies que não são exploradas comercialmente acabam não sendo ofertadas, e consequentemente deixam de fazer parte da dieta da população (FONSECA et al., 2018).

O consumo das PANC ainda é baixo, Carneiro (2004) afirma que o grande problema para não haver cultivo de PANC é a facilidade de aquisição de vegetais no mercado e nas feiras, e a dificuldade na identificação dessas plantas. A identificação e o reconhecimento correto destas plantas são necessários para uma ingestão de forma segura, pois são denominadas popularmente por vários nomes diferentes em cada região, e nem todas podem ser consumidas, bem como algumas necessitam de preparo especifico. Sendo assim, deve­-se ter certeza de qual espécie se trata, e da parte mais adequada ao consumo humano (folha, flor, raiz, caule, semente, fruto, etc.), bem como a forma de preparo (MONTEIRO, 2014).

Diante deste contexto, essa pesquisa objetivou utilizar as Plantas Alimentícias Não Convencionais como uma ferramenta de ensino nos processos educativos de Educação Ambiental, como forma de questionar o nosso consumismo e as desigualdades que existem ao nosso redor, questionar a produção de alimentos no mundo e o atual modelo de relação sociedade-natureza. E também como um meio de se construir uma Educação Ambiental crítica e formas que nos permitam um posicionamento político na decisão do que queremos e como desejamos consumir os nossos alimentos. Trata-se de resgatarmos, diversificarmos e termos nas mãos a nossa soberania alimentar e o direito de dizer não aos produtos que não concordamos em consumir, trazendo na alimentação benefícios nutricionais, econômicos e ambientais.



Material e Métodos

O presente estudo faz parte do projeto Sala Verde, uma chancela do Ministério do Meio Ambiente (MMA) concedida a Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Dois Vizinhos (UTFPR-DV) desde o ano de 2013. O Projeto Sala Verde foi instituído no ano 2000, tendo como objetivo atender às demandas de inúmeras instituições que buscavam, no Ministério do Meio Ambiente, publicações para subsidiar suas ações de Educação Ambiental. É coordenado pelo Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA) e consiste no incentivo à implantação de espaços socioambientais para atuarem como potenciais centros de informação e formação ambiental.

Diversas são as ações desenvolvidas pela equipe dessa estrutura educadora na UTFPR, e para esse trabalho selecionou-se a discussão referente ao uso das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Para tanto, foram desenvolvidas atividades de formação inicial e continuada de professores e da comunidade em geral sendo elas, oficinas de formação sobre o uso de PANC e a degustação dos alimentos provenientes dessas plantas por meio da Educação Ambiental, a qual desenvolve-se por meio da formação inicial de graduandos e continuada de professores.

Para essa pesquisa, foram aplicados um pré-questionário para levantar os conhecimentos do público sobre o assunto e, após a palestra e degustação, um pós-questionário. As questões do pré-questionário, foram: 1) O que é Educação Ambiental para você? 2) Você já ouviu falar das Plantas Alimentícias Não Convencionais? Cite exemplos. 3) Você já comeu alguma PANC antes? Se, sim qual? Já o pós-questionário foi constituído das seguintes questões: 1) Na sua opinião a Educação Ambiental e as PANC têm alguma relação? Descreva. 2) Como as PANC podem ajudar na diminuição do consumismo? 3) Classifique o prato conforme as descrições: a) Aspecto visual e b) Palatabilidade; Categorias: Péssimo, Relevante, Bom e Excelente. 4) Faça uma breve avaliação de cada prato (se você comeria mais vezes, se você plantaria a espécie utilizada nesse prato, e as sensações que o mesmo te proporcionou).

Sendo assim, a presente pesquisa foi realizada com 20 pessoas em duas oficinas, sendo oito professores da Educação Básica da Rede Pública Estadual, e quatro graduandos na Oficina 1, e oito graduandos dos cursos de Ciências Biológicas, Engenharia Florestal e Agronomia da Universidade em questão na Oficina 2, os quais são membros da equipe da Sala Verde. Em ambas as oficinas foi ministrada palestra de capacitação sobre o uso das PANC e Educação Ambiental numa perspectiva crítica, e em seguida os participantes fizeram uma degustação de três pratos em cada oficina, tendo as PANC como ingrediente, e ao final responderam o questionário mencionado anteriormente.

Na Oficina 1, os pratos selecionados para degustação foram os seguintes: a) Torta de ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata Mill.) com frango; b) Geléia de flor de malvavisco (Malvaviscus arboreus Cav.); e c) Calda de flor de malvavisco com mousse de coco. Já na Oficina 2: a) Pizza de ora-pro-nóbis; b) Mousse de erva-mate (Ilex paraguariensis A.St.-Hil.); c) Brigadeiro de biomassa de banana verde (Musa paradisiaca L.).



Resultados e Discussão

Conforme mencionado no item anterior, o público alvo dessa pesquisa foi questionado acerca da sua representação de Educação Ambiental no pré-questionário, o que possibilitou a construção do Quadro 1. As respostas foram organizadas em subcategorias e algumas delas foram consideradas como não foi possível identificar, pois apresentavam elementos de mais de uma representação, principalmente aos que a enquadravam como disciplina.



Quadro 1 – Análise das respostas da questão Representação de Educação Ambiental dos participantes das Oficinas de PANC da Sala Verde. UTFPR, Dois Vizinhos, PR, 2018.

Categoria

Subcategorias

Número de Resposta

Professor

Aluno

Total

  1. Representação de Educação Ambiental

  1. Conservacionista

  2. Pragmática

  3. Crítica

  4. Não foi possível identificar

1

0

1

6

3

3

3

3

4

3

4

9

Total participantes

20



Como pode ser observado acima, na subcategoria 1, foram quatro os representantes da amostra que demonstraram ter uma representação da Educação Ambiental como sendo conservacionista, conforme os excertos a seguir:

Conjunto de matérias para a preservação do meio ambiente, juntamente com atitudes como palestras e ações que contribuem com essas ações de preservação” (ALUNO A).

É aprender ou ensinar atividades, ações referentes à preservação, cuidado e recuperação de todos os elementos componentes do meio ambiente” (PROFESSOR A)

É conhecer e preservar tudo aquilo que o ambiente fornece e produz” (ALUNO B).

Como pode ser observado no quadro acima e nos excertos supracitados, a Educação Ambiental é vista por muitos como um meio de conservar e preservar o meio ambiente, uma perspectiva fundamental para esse campo da Educação. Porém, precisamos ir além desse discurso que muitas vezes promove ações ingênuas e que acabam sendo pontuais, fragmentadas e descontextualizadas, não permitindo a sensibilização dos sujeitos envolvidos para questionar o atual modelo de relação sociedade-natureza, bem como desigualdades sociais, consumismo e injustiças socioambientais relacionadas à essa temática.

Nessa mesma perspectiva, temos diversos sujeitos que depositam na Educação Ambiental uma fórmula mágica de uma perspectiva salvacionista para a solução dos problemas ocasionados no/ao ambiente. Vejamos os excertos que nos possibilitaram a entender a subcategoria 2.

A Educação Ambiental é o campo da Educação que tem como foco o meio ambiente, buscando medidas para equilibrar os impactos antrópicos” (ALUNO C).

Observem que nessa perspectiva pragmática a intencionalidade volta-se para a resolução dos problemas, algo que não questiona a raiz desses problemas e constrói no sujeito uma ideia de que não são necessários limites para o seu consumo, por exemplo, uma vez que sempre terá uma solução.

De acordo com Layrargues e Lima (2014, p.31):

Essa perspectiva percebe o meio ambiente destituído de componentes humanos, como uma mera coleção de recursos naturais em processo de esgotamento, aludindo-se então ao combate, ao desperdício e à revisão do paradigma do lixo que passa a ser concebido como resíduo, ou seja, que pode ser reinserido no metabolismo industrial. Deixa à margem a questão da distribuição desigual dos custos e benefícios dos processos de desenvolvimento (Layrargues; Lima, p. 31, 2014).

Tal tendência nos coloca diante da importância de compreendermos a temática ambiental e os processos educativos a ela associados para superar armadilhas e ilusões desse modelo de produção capitalista, superação que requer o posicionamento de sujeitos políticos que não depositam sua confiança em processos meramente técnicos e utilitaristas (AMARAL, 2018).

Sendo assim, é preciso avançar em nossas discussões e na busca de uma Educação Ambiental mais condizente com o nosso atual modelo de relação sociedade-natureza, pois ela não pode ser vista apenas como uma disciplina que repassa informações ambientais. E, sim ser compreendida por meio de um arcabouço que engloba questões ambientais, sociais, políticas, econômicas, culturais e de valores éticos e estéticos, conforme a subcategoria 3.

Vejamos alguns excertos mencionados nessa perspectiva a seguir:

Um processo de formação intencional com uma dimensão política que promove ação de sensibilização e o questionamento sobre o atual modelo de relação sociedade natureza, questiona o capitalismo e reflete sobre desigualdades sociais e injustiças socioambientais” (ALUNO D).

...Envolve o trabalho realizado, voltado às questões ambientais nas suas diversas dimensões social, econômica, científica, política, dentre outras” (ALUNO E).

Proporcionar pontes ou conhecimentos sobre o papel humano, com integrante do ambiente, tornando-o reflexivo e crítico enquanto agente modificador” (PROFESSOR B).

A perspectiva crítica da Educação Ambiental aponta para a relevância da inclusão de ideias político-ideológicas do sistema de reprodução social e a relação sociocultural estabelecida entre o ser humano com a natureza em debates e discussões acerca do modelo de relação sociedade-natureza, sendo necessário compreender que, “a crise ambiental não expressa problemas da natureza, mas problemas que se manifestam na natureza” por ações insustentáveis dos seres humanos (Layrargues; Lima, 2014, p. 29).

Sob o ângulo de uma perspectiva crítica, determinadas condutas, como o consumismo exacerbado, precisam ser questionadas e contempladas nas diversas discussões, a fim de reverter o quadro de desperdício, desigualdades sociais e injustiças socioambientais.

Após o entendimento acerca da representação de Educação Ambiental dos representantes da amostra, passamos para o entendimento e discussão acerca das PANC e o que eles conheciam antes das atividades propostas nessa pesquisa. Por meio do Gráfico 1, constatamos que entre os alunos todos já tinham escutado falar sobre as PANC, já em relação aos professores do ensino básico, metade conhecia e a outra metade ainda não conhecia o termo PANC. Esses dados, permitem inferir que novos termos, e ou conhecimentos ainda demoram um tempo para serem divulgados e inseridos na comunidade não universitária, pois apesar de toda tecnologia e informações disponíveis, observamos que ainda existe um distanciamento entre os profissionais da Educação e as pesquisas atualmente realizadas, essa falta de aproximação com as discussões atuais promove tal fragilidade teórico-metodológica.

Gráfico 1 - Análise das respostas quanto ao conhecimento ou não das PANC, dos participantes nas Oficinas de PANC da Sala Verde. UTFPR, Dois Vizinhos, PR, 2018.

Fonte: Os autores, 2020.

Outro fato interessante é que dos 16 participantes das oficinas que disseram já ter ouvido falar das PANC, cinco deles não lembraram de nenhum exemplo de planta, e das 12 espécies de plantas citadas, apenas três espécies foram citadas mais de uma vez, a ora-pro-nobis (citada sete vezes), seguida do peixinho (cinco citações) e hibiscos (três). Assim sendo, apesar de a grande maioria conhecer o conceito de PANC, alguns não souberam dar nenhum exemplo, e a maioria citou apenas um ou duas espécies, demonstrando que não conhecemos as plantas ao nosso redor, um dos “sintomas” da denominada “cegueira botânica”, assim intitulada por Wandersee e Schussler (2001).

As espécies mais citadas conhecidas como ora-pro-nóbis e/ou carne dos pobres, são, na verdade, várias espécies do gênero Pereskia, e são as “queridinhas” das PANC. São espécies com elevado teor nutricional, considerado superior ao consumo de carne, e podem ser eficazes no combate à desnutrição, pois são cactos que produzem frequentes colheitas mesmo em solos pouco férteis, o que pode contribuir na busca da soberania alimentar (MONTEIRO, 2014).

No entanto, quando o questionamento foi se já tinham experimentado algum prato com PANC, a grande maioria dos alunos e todos professores responderam que não, e os únicos dois alunos que já haviam comido citaram a cocada de talo de mamão, o molho pesto de folhas de hibisco, ora-pro-nobis e taioba. O desconhecimento e não uso das PANC se deve a um processo de erosão cultural alimentar, resultado dos hábitos “modernos”, em que consumimos apenas o que é comercializado e mais prático, em direção oposta a uma alimentação saudável, consciente e responsável (FONSECA et al., 2018).

Analisando os resultados obtidos no pós-questionário, foi possível observar que a maioria dos participantes relacionaram o uso das PANC com a Educação Ambiental. A primeira pergunta era se” na sua opinião a Educação Ambiental e as PANC tinham alguma relação?” Quase todos participantes responderam que sim, e apresentaram as suas justificativas, sendo que uma das respostas foi a seguinte:

Podemos lincar a relação da educação ambiental com as PANC quando falamos de desigualdade social, onde são bem mais acessíveis para todos, soberania alimentar além de fontes alternativas de alimentos, nutricionalmente falando” (ALUNO F).

Realmente a valorização do uso das PANC está relacionada a Educação Ambiental crítica, principalmente quando relacionamos a soberania alimentar, o combate ao consumismo, o que reduz o impacto sobre os bens naturais. É imprescindível que as pessoas possam decidir com o se alimentar e, também, que produzam parte de seus alimentos ou decidam de quem adquirir tais alimentos, sem agredir o ambiente e não ficar dependente de alimentos comerciais, os quais em sua grande maioria necessitam de uma grande área para produção e grande quantidade de defensivos agrícolas, e que acabam causando prejuízos ao/no ambiente (KINUPP; LORENZI, 2014). Além disso, soma-se o desconhecimento que muitas crianças possuem sobre os nossos alimentos, na sua grande maioria os pequenos reconhecem poucos alimentos e, basicamente, os que são fornecidos pelas redes de supermercados, tal desconhecimento impossibilita alcançarmos a soberania alimentar e incide na alimentação saudável da nossa população.

Apenas um único professor ficou na dúvida desta relação:

Se tem bem distante ou não, depende do que a educação que eles estão passando, se não for sobre os alimentos” (PROFESSOR C).

Nessa última resposta, foi possível observar que o professor só consegue relacionar a Educação Ambiental e as PANC se for trabalhar com o conteúdo de alimentação, o que não é verdade pois a temática pode e deve ser trabalhada em qualquer disciplina, visto que se trata de um tema transversal.

A segunda pergunta questionava “como as PANC poderiam ajudar na diminuição do consumismo?” Todos conseguiram de alguma forma fazer a relação entre PANC como uma alternativa para diminuir o consumismo, pois a maioria dos participantes relataram que devido à facilidade de encontrar essas plantas na natureza, faria com que as pessoas não precisassem comprar alguns alimentos, diminuindo assim o consumismo. Além disso, diminuiria o gasto familiar com alimentação, e possibilitaria a melhoria da qualidade nutricional das refeições (LOVATEL; COSTANZI; CAPELLI, 2004). Também merecem destaque o impulso à atividade econômica (já que os excedentes podem ser comercializados nas feiras) tornando-se uma fonte de renda para a agricultura familiar (LOVATEL; COSTANZI; CAPELLI, 2004).

A terceira pergunta era relacionada com os três pratos que foram apresentados para a degustação em cada oficina, com a realização de uma análise sensorial. As respostas das pessoas foram conforme o aspecto visual e a palatabilidade de cada amostra, sendo possível perceber que a maioria das pessoas classificou os seis pratos como excelentes em relação aos dois aspectos (Tabela 2). Tanto a torta quanto a pizza de ora-pro-nobis foram os pratos que mais obtiveram classificação como excelente em ambos aspectos. Como mencionado anteriormente, além de ser as espécies mais conhecidas de PANC, as denominadas ora-pro-nobis são muito apreciadas, e já utilizadas a muito tempo em alguns estados como Minas Gerais.

Quadro 2 – Análise das respostas referente à Classificação em relação ao aspecto visual e palatabilidade dos pratos de PANC degustados nas oficinas da Sala Verde. UTFPR, Dois Vizinhos, PR.

Prato

Oficina

Aspecto visual*

Palatabilidade*

Total de participantes

P

R

B

E

P

R

B


E


Torta de ora-pro-nobis

1



1

11




12

12

Geleia de Malvavisco

1



3

9



5

7

12

Mousse de coco e calda de malvavisco

1


1


11


1

5

6

12

Pizza de ora-pro-nobis

2



2

6


1

1

6

8

Mousse de erva-mate

2



3

5



3

5

8

Brigadeiro de biomassa de banana

2


1

1

6



3

5

8

*Legenda - P: Péssimo; R: Relevante; B: Bom; E: Excelente.

Fonte: Os autores (2020)

A última pergunta solicitou “uma breve avaliação de cada prato (se o participante comeria mais vezes, se plantaria a espécie utilizada nesse prato em sua residência e as sensações que o mesmo proporcionou)”. Foi possível observar que o prato nº 1 teve a maior aceitação das pessoas, com respostas como “Excelente, boa aparência e muito saboroso. Comeria várias vezes, aprovado”. Outros dois pratos também tiveram uma boa aceitação, em sua grande maioria as pessoas responderam que comeriam de novo e que cultivariam a planta em casa para o consumo.

...O brigadeiro estava muito bom, também o gosto da banana não ficou marcante” (ALUNO G).

Geleia interessante para consumo com pães e carnes” (PROFESSOR D).

Da bananeira, tudo se aproveita (KINUPP; LORENZI, 2014), como por exemplo a banana verde cozida conhecida como biomassa de banana compôs o brigadeiro, apreciado pela maioria, um tanto diferente para outros em comparação ao tradicional. Essa biomassa também é utilizada para o preparo de diferentes tipos de massas para pessoas intolerantes ao glúten. As flores de hibiscus ou malvaviscos, de diferentes espécies que levam esses nomes populares, além de ornamentos em jardins, dão uma coloração a caldas para pratos doces, ou geleia para consumo com carnes, conforme relato acima feito por um professor, por exemplo.

São inúmeras as opções de pratos e uma diversidade de PANC que podemos incluir na alimentação (KINUPP; LORENZI, 2014). Entretanto, existem inúmeras barreiras para promover o resgate e a valorização dessas plantas, e a Educação Ambiental, precisa promover a problematização da disfuncionalidade sistêmica das sociedades hegemônicas atuais (KELEN et al., 2015), e o diálogo visando sensibilizar a população sobre os importantes ganhos do ponto de vista ambiental, cultural, econômico, social e nutricional do uso das PANC.



Considerações Finais

Diante dos resultados obtidos, pode-se concluir que as perspectivas de Educação Ambiental predominantes entre alunos e professores são a conservacionista e a crítica.

Todos os alunos demonstraram ter algum conhecimento sobre as PANC, enquanto apenas parte dos professores o detinha, porém, mesmo assim, a maioria dos participantes ainda não tinham experimentado nenhuma receita a base de PANC.

Os participantes consideraram que é possível associar a Educação Ambiental ao uso das PANC e que essas plantas estão atreladas à redução do consumismo e posicionamento político acerca da nossa soberania alimentar. As PANC utilizadas nas oficinas tiveram uma excelente aceitação pela maioria das pessoas, tanto no aspecto visual quanto na palatabilidade.

Diante dessas considerações, constata-se que as PANC podem ser uma ótima ferramenta para trabalhar Educação Ambiental em escolas, universidades ou na comunidade em geral, com questões referentes às nossas necessidades básicas, alimentação e saúde, consumismo, desigualdades sociais e soberania alimentar.



Referências

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FAO et al. El estado de seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo. Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura Roma, 2017. Disponível em: http://www.fao.org/3/I7695s/I7695s.pdf. Acesso em: 29 mar. 2021.

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KELEN, M.E.B. et al. Plantas alimentícias não convencionais (PANCs): hortaliças espontâneas e nativas / organização. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2015. 44 p.

KINUPP, V.F.; LORENZI, H. Plantas alimentícias não convencionais (PANC) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora Ltda, 2014.

LAYRARGUES, P.P.; LIMA, G.F.C. Mapeando as macro-tendências político-pedagógicas da educação ambiental contemporânea no Brasil. Encontro Pesquisa em Educação Ambiental, v. 7, 2011.

LAYRARGUES, P.P.; LIMA, G.F.C. As macrotendências político-pedagógicas da Educação Ambiental brasileira. Ambiente & Sociedade, v. 17, n.1, p. 23-40, jan./mar. 2014.

LOVATEL, J. L.; COSTANZI, A. R.; CAPELLI, R. Processamento de frutas e hortaliças. Caxias do Sul: Educz, 2004, 189p.

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PASCHOAL, Valéria; GOUVEIA, Isabela; SOUZA, NEIVA S. Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs): o potencial da biodiversidade brasileira. Revista Brasileira de Nutrição Funcional, ano 16, edição 68, 2017. ISSN 2176-4522.

RAPOPORT, Eduardo H.; LADIO, Ana H.; SANZ, Eduardo H. Plantas nativas comestibles de la Patagonia Andina argentino-chilena. Bariloche: Imaginaria, 2001.

REIGOTA, Marcos et al. Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: Dp&A, 2001.

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WANDERSEE, J. H.; SCHUSSLER, E. E. Toward a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, v. 47, n. 1, p. 2-9, 2001



Ilustrações: Silvana Santos