Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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O Eco das Vozes
13/03/2023 (Nº 82) REFLEXÃO: O QUE NOS CONSTITUI EDUCADORES AMBIENTAIS?
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REFLEXÃO: O QUE NOS CONSTITUI EDUCADORES AMBIENTAIS?

ADRIANA BACKES

Sou feita de retalhos.

Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.

Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.

Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior…

Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…

Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também.

E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados…

Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de ‘nós’”.

Cris Pizziment





Numa entrevista recente, me foi perguntado o que foi mais marcante, que mais me influenciou, que mais me inspirou na minha trajetória de Educação Ambiental. Falei da minha formação acadêmica com o pós em Educação Ambiental que fiz na FURG, com os professores de excelência que lá tive, em especial, meu orientador, a quem sou muito grata, que foi um divisor de águas na minha trajetória. Quando finalizou a entrevista, me passou um filmezinho muito rápido na cabeça, mostrando que minhas inspirações e minhas formações vieram desde a minha tenra infância, com minha família e seguiu por toda a minha vida por muitos encontros, eventos e oportunidades. E não poderia citar tudo, por mais que quisesse, tanto pela longa lista que eu iria enumerar, como pelo fato de não querer deixar ninguém nem nada de fora. Isso mexeu muito comigo. Quantas interações me constituíram como a educadora que sou hoje e que continuam me “formando e transformando”? Depois disso resolvi pegar uma caneta e comecei a refletir e redigir sobre essa trajetória para ver se dava conta de registrar tudo, sem citar nomes, pois não queria ser injusta, esquecendo de citar alguém, ou algo. Pois, às vezes, até uma única fala ou uma ação pode nos inspirar e transformar para sempre. Então me desafiei a fazer esse registro e convido meus colegas educadores e/ou ativistas ambientais a fazerem o mesmo e perceberem a variedade e riqueza de cada pedacinho de nossa vida, e entendermos que tudo conta: cada gesto, cada fala, cada leitura, cada evento, enfim toda e qualquer forma de interação pode ser valiosa para sensibilizar, conectar, dialogar e educar. Cada "retalho” que costuramos na nossa “colcha” conta. Assim, vou seguir meu relato, buscando na minha memória, porém sem citar nomes de pessoas, pois não desejo deixar ninguém de fora.

Tudo começou com a minha família que separava os resíduos que produziam. Os resíduos orgânicos eram utilizados para adubar a terra do nosso quintal que segundo contam meus pais era “chão batido”. Com o tempo, e a dedicação de minha mãe e meu pai, a terra se tornou muito fértil. Meu pai se dedicava a plantar na horta e minha mãe no jardim repleto de flores e borboletas, além das árvores frutíferas, que nos proporcionaram o privilégio de comer a fruta no pé. Meu pai produziu muitos alimentos com a ajuda da minha mãe que também regava horta, jardim e árvores. E meus pais repartiam a colheita com os vizinhos e amigos. Eu brincava e interagia com toda a natureza do nosso quintal. Me encantava com a diversidade das cores, aromas, sabores, encantos, descobertas e vivências mágicas que experienciei neste lugar. Também admirava o amor e o contato e conexão que minhas manas e meu mano tinham com os animaizinhos que tínhamos no quintal: galinhas, pintinhos, coelhinhos e o cachorrinho de estimação. Eu admirava e me encantava com eles no quintal, mas tinha medo de tocá-los, não sei porque, mas tinha. Hoje já consigo fazer carinho em quase todos os bichinhos, inclusive tocar em sapinhos. Perdi o medo, mas claro, continuo respeitando e mantendo uma distância segura de animais que podem nos atingir, ao se sentirem ameaçados.

Minha infância com toda a minha família: avôs e avós, tias e tios, primas e primos que sempre foram amáveis e acolhedores. Nas suas terras (em São José do Herval, Santa Maria do Herval, Bom Princípio e Sapiranga) sempre com muita natureza, inclusive com arroios, fizeram com que eu aprofundasse minha conexão e ligação com a natureza que ficou marcado pra sempre nas minhas doces lembranças, no meu coração, na minha alma e na minha mente pra sempre.

As brincadeiras com os minhas manas, meu mano, minhas amiguinhas e amiguinhos, em terrenos “baldios”. barrancos, subindo e descendo de árvores, comendo fruta no pé, brincando de casinha e comidinha, barracas, na terra, no barro, na areia, na água, nas pedras, nas águas. Brincadeiras feitas na rua, com os vizinhos do bairro.

Crescendo mais um pouco, nos anos 70, ingressei na escola municipal do meu bairro, a Escola Municipal Ana Néri, que na época tinha algumas salas e um pátio enorme com laranjeiras, com terra onde brincávamos muito e um pequenino córrego de água. Depois essa mesma escola e muitas outras, devido a necessidade e visão da época, foram tomadas por mais salas (muito necessárias) e concretos e a natureza foi encolhendo ou desaparecendo. Hoje isso já está sendo amplamente revisto pelas próprias escolas e também por administrações e gestões, educadores, médicos, psicólogos, jornalistas, instituições e organizações, formações de gestores e professores, entre outros.

Entrando na adolescência, nos anos 80, tive contato com a mobilização organizada pelo Movimento Roessler, juntamente com outras pessoas, visando transformar uma área da cidade em uma área verde, que viria a ser o Parque Municipal Henrique Luiz Roessler, o Parcão, hoje uma Unidade de Conservação (UC). Participei da coleta das assinaturas, das caminhadas, acompanhava o desenrolar dessa mobilização pela jornal da cidade, até que em 1990 ocorreu sua fundação, o que foi considerado uma imensa vitória pra todos que fizeram parte ativamente, como fizemos, minha família e eu, e a notícia foi recebida com muita alegria por muitas pessoas da cidade.

Ainda nos anos 90, ocorre um evento mundial no Rio de Janeiro: A ECO 92. Esse foi um momento decisivo na minha vida, onde tive maior contato com as questões ambientais, como o desequilíbrio ecológico. E foi neste momento de apreensão, mas também de esperança e euforia, no qual as pessoas se reuniram para buscar alternativas para a crise mundial do meio ambiente, que eu decidi definitivamente que seria guardiã da natureza e que, de alguma forma iria trabalhar nessa área. E hoje conheço muitos dos que fizeram parte da Mobilização do Movimento naquela época, pelo nome e admiro o que fizeram e continuam fazendo pela natureza e pelas pessoas.

E então me tornei professora. E tanto as temáticas do encanto e a conexão com a natureza transbordavam nas minhas aulas assim como suas problemáticas. Pois como bem sabemos, tudo está interligado. Comecei a ser identificada como professora da natureza por muitas crianças, o que sempre me deixou muito feliz.

No município de Novo Hamburgo, tive inspirações antes de começar a trabalhar, com o projeto do "Aipim ao computador” instituído pelo secretário de educação da época, que meus irmãos tiveram oportunidade de participar, como alunos na rede municipal.

Sendo professora concursada, passei por alguns municípios e tive formações neles, inclusive organizado pela EMATER, de uma das cidades. Chegando para trabalhar em Novo Hamburgo, cidade, que leciono desde 2003, aos poucos comecei a participar de formações de Ciências, de Educação Ambiental, de Criança e Natureza, do Coletivo Educador, do Projeto” Vamos passear na floresta” e também a buscar o desemparedamento das crianças.

Também aprendi e me inspirei nas educadoras que foram pioneiras no trabalho e nas trilhas pelo Horto, Parcão (Parque Municipal Henrique Luiz Roessler) e CEAES (Centro de Educação Ambiental Ernest Sarlet) de Lomba Grande. Além de meus colegas professores que fizeram parte da minha formação, sempre houve muito diálogo que também inspiraram nossas práticas.

Minha formação Acadêmica passou pelo Magistério, Pedagogia, Pós em PsicoPedagogia, Pós em Educação Ambiental e mais recentemente, Extensão em Educação Socioemocional e formação em Tai Chi e Chi kung, que tem ligação do movimento do corpo com a respiração e a mente focada e relação com a filosofia de viver em harmonia com a natureza.

E durante toda essa trajetória muita leitura de livros, revistas, jornais, documentários, filmes, músicas, documentários, Artes Visuais, Teatro, Dança, Interferências Artísticas Urbana. entre outros,

Com o acesso a Internet entre outros blogs, tive contato com o blog da Apoema Educação Ambiental e com sua fundadora, que muito me inspiraram e me agraciaram com uma grande amizade. E como todos vivenciamos em nossas vidas, a internet ampliou e possibilitou muitas leituras, fotos, vídeos e encontros com pessoas do mundo inteiro, ampliando e enriquecendo o nosso aprendizado, como recentemente, na pandemia. Quando tivemos contato e encontros inesquecíveis e de imensa riqueza com indígenas, permacultores, físicos, educadores e outras incontáveis pessoas das mais variadas áreas nos proporcionando inúmeros aprendizados.

Mais recentemente, uma Educadora Ambiental, professora de uma Universidade Federal, que tem sua trajetória marcada pela Educação Ambiental Crítica, sem deixar de lado a alegria, a sensibilidade, a poesia, a linguagem das Artes, da imaginação e da mitologia como possibilidades para a Educação Ambiental e para Vida, me incentivou a continuar escrevendo histórias com ludicidade, criatividade e criticidade.

Aprendi e aprendo com as Semanas Literárias e do Meio Ambiente que ajudei a organizar e outras das quais eu participei.

Aprendi e aprendo com as crianças que me ensinam com suas curiosidades, suas perguntas, suas hipóteses, pesquisas, conclusões, sua imaginação e seu brilho no olhar diante do mundo que se descortina diante delas.

Por fim agradeço imensamente a oportunidade que a Secretaria de Educação e de Meio Ambiente me proporcionaram e continuam proporcionando de me dedicar a Educação Ambiental e mais recentemente ao Parcão, onde trabalho, junto a outros colegas que já passaram por aqui e os que trabalham comigo hoje, podendo falar sobre essa Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) , mas também histórica e cultural, que é o nosso Parcão, conscientizando, sensibilizando, fazendo trilhas e ainda envolvendo crianças, adolescentes e até adultos, com a contação da história da Odara na floresta, convidando-as a serem guardiões do Parcão e da Natureza.

E durante toda essa trajetória, muitos dos meus colegas, professores, pessoas que conheci em eventos, com os mesmos ideais, se tornaram amigos e amigas pra vida!

Finalizo repetindo: como destacar uma pessoa, um evento, uma formação, um encontro? Como enumerar, sem deixar de citar algo ou alguém que foi significativo? Por isso faço questão de não citar nomes de pessoas. Todos que contribuíram e guardo no meu coração, sabem que lá estão, sabem da minha gratidão.

Imagino que esqueci de apontar algum pedacinho de um bonito retalho que compõem a colcha da minha história e da minha trajetória. Como aliás, já ia finalizando, esquecendo de citar minha família: marido, filhos, neta, irmãos, pais, avós, tios, primos, sobrinhos, sogros, cunhados, que na verdade são os primeiros da lista! Eles, que são tudo para mim, que me dão força, que me inspiram, me apoiam, incentivam, com quem sempre posso contar, nos altos e baixos da minha vida!

E agora já vou me antecipando e agradecendo de coração a todas essas pessoas, todos esses eventos e mais os que estão chegando e chegarão, e que de alguma forma contribuíram ou irão contribuir, com o meu mais recente projeto de publicação de um livro para as crianças (com enfoque na Educação Ambiental e inspirada no Parcão).

Agora é sua vez! E deixo dito que fazer uma lista dessas acaba por se tornar um momento de revisitar memórias, de apreciação, de gratidão e de reflexão. E em especial, a reflexão de quanto mais oportunidades oferecermos aos nossos aprendizes (e todos somos, eternos aprendizes), mais chances de encontrar um meio de sensibilização, ligação, conexão e também de se ampliar horizontes.



Referência:



D’AMBROSIO, Oscar.

Aniversário de Cora Coralina é festa da arte – Jornal da USP Acesso em 13/02/23





Ilustrações: Silvana Santos