Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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13/03/2010 (Nº 31) CONCEPÇÕES DE MEIO AMBIENTE DE LIDERANÇAS DO POVO XUCURU DO ORORUBÁ E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁXIS PEDAGÓGICA
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Educação Ambiental em ação 31

CONCEPÇÕES DE MEIO AMBIENTE DE LIDERANÇAS DO POVO XUCURU DO ORORUBÁ E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁXIS PEDAGÓGICA

Adriana Ribeiro de Barros (Mestranda em Educação/UFPE; professora da rede estadual de ensino/PE; Rua Castro Alves, n. 105, apt. 701, Encruzilhada, Recife-PE, CEP: 52030-060; (81) 3243-1453; barrosdidi@yahoo.com.br). Monica Lopes Folena Araújo (Doutoranda em Educação/UFPE; professora da Universidade Federal de Rondônia; Av. Governador Agamenon Magalhães, 2805, apt. 103, Boa Vista, Recife-PE, CEP: 50050-290; (81) 3221-1339; folenabio@terra.com.br). Vivianne Lins de Arruda (Mestranda em Educação/UFPE; Av. João de Barros, 1347, apt. 203, Espinheiro, Recife-PE; (81) 3241-6790; vivianne_arruda@hotmail.com).

Tereza Luiza de França (Doutora em Educação/UFRN; professora da Universidade Federal de Pernambuco; Rua Sebastião Alencastro Salazar, 132, CDU, CEP: 50741-370; (81) 3453-1404; sansilsi@uol.com.br).

 

Resumo

As concepções de meio ambiente interferem nas atitudes das pessoas e, conseqüentemente, na práxis pedagógica realizada na cidade, no campo ou em uma aldeia indígena. Sob essa visão, nos dedicamos a analisar as concepções de meio ambiente de lideranças do Povo Xucuru do Ororubá e fazer aproximações entre essas concepções e a práxis pedagógica. Os resultados apontam para a concepção de homem como parte do meio ambiente e, nessa lógica, produtor e produto de mudanças positivas e negativas em relação à nossa casa planetária. Apontam também para a práxis pedagógica por parte das lideranças do Povo Xucuru em prol da sustentabilidade.

Palavras-chave: Meio ambiente. Povo Xucuru. Práxis pedagógica.

 

Introdução - As questões que envolvem o meio ambiente ganharam força recentemente com a divulgação de previsões feitas por equipes interdisciplinares especializadas. Esses estudos foram divulgados no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e trouxeram dados que exigem mudanças de atitudes imediatas para evitarmos danos ao planeta Terra em um futuro longínquo, pois várias tragédias locais, regionais e mundiais já estão acontecendo. Mudanças de atitude passam, inevitavelmente, por uma mudança de concepções, de valores. E, nesse sentido, compreendemos que essas mudanças estão atreladas à educação, seja ela formal ou não. O Ministério da Educação, em um esforço de implantar a temática ambiental na escola, lançou em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais, que trazem o meio ambiente como tema transversal. Cada escola tem uma realidade diferente, um contexto social próprio, por atender a educandos de locais diferenciados, logo, com culturas e conhecimentos cotidianos que devem ser considerados no processo educativo para garantir uma aprendizagem significativa, contextualizada. Sob este olhar, reconhecemos a importância de pesquisas sobre a implantação do tema meio ambiente em escolas metropolitanas, rurais e indígenas. No presente trabalho, nos dedicamos ao estudo das concepções apresentadas por lideranças do Povo Xucuru do Ororubá e das possíveis relações entre essas concepções e a práxis pedagógica porque, através do trabalho de Souza (2008) e de contato com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), há reivindicações desse Povo por uma educação baseada na reapropriação cultural. Esse Povo habita a Serra do Ororubá, no município de Pesqueira-PE, e sua reapropriação cultural é perpassada por sentidos e significados em relação ao meio ambiente, pois até mesmo o nome do Povo explicita esse fato que foi adotado para haver diferenciação do Povo Xucuru-Cariri, que ocupa o Município de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Segundo fala do cacique Chicão no livro organizado por Almeida (2000, p. 05): “Ubá é um pau, Uru é um pássaro que tem na mata, aí faz a junção e fica: Xucuru do Ororubá – o respeito do índio com a natureza”. Chicão foi o cacique assassinado em 1998 quando se dirigia a uma reunião com os professores para discutir questões referentes ao livro que foi organizado por Almeida (2000). O livro “Xucuru filhos da mãe natureza: uma história de resistência e luta” explicita a história, as crenças e a cultura do Povo Xucuru do Ororubá. Após a morte de Chicão seu filho Marcos foi escolhido para substituí-lo.

1. Objetivo geral: Analisar as concepções de meio ambiente de lideranças do Povo Xucuru do Ororubá e fazer aproximações entre essas concepções e a práxis pedagógica. Objetivos específicos: Identificar as concepções de meio ambiente presentes no Povo estudado, verificar como se dá à práxis pedagógica em relação à temática ambiental e estabelecer relações entre as concepções de meio ambiente encontradas e as implicações para a práxis pedagógica.

2. Concepções de meio ambiente e práxis pedagógica - As concepções de meio ambiente são fundantes na constituição de atitudes e valores em relação às questões ambientais. Isso significa dizer que as ações cotidianas, políticas, educacionais e econômicas dependem do que um indivíduo acredita ser meio ambiente. A fim de desvelarmos a relação entre as concepções de meio ambiente e as implicações dessas na práxis pedagógica, trazemos alguns autores para dialogar com nosso objeto de estudo. Canotilho (1995) entende meio ambiente como sendo o conjunto dos elementos que, na complexidade das suas relações, constituem as condições de vida do homem, na forma de ser e sentir. Esta é uma das poucas definições de meio ambiente em que observamos a referência ao homem como componente do mesmo. O ecólogo Ricklefs (1973) defende que meio ambiente é o que envolve um organismo, incluindo as plantas e os animais, com os quais ele interage. O ecólogo Duvigneaud (1984) diz que o meio ambiente se constitui de dois aspectos: meio ambiente abiótico e químico e meio ambiente biótico. Em Reigota (2001) encontramos que meio ambiente é o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Percebemos nas concepções aqui explicitadas um caráter restritivo frente à complexidade da temática ambiental e acreditamos que a noção de ambiente deveria ser encarada como o conjunto de recursos naturais e humanos que em determinado(s) espaço(s) e tempo(s) se tornam úteis ao bem estar social e ao desenvolvimento sustentado. As definições nos parecem restritivas porque não discutem a questão ambiental no contexto do desenvolvimento sócio-econômico-político. Assim, estão desvinculadas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, uma série de indicadores socioeconômicos a que as nações da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometeram a atingir até 2015. Estes são: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e; estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1996, p. 63-65), as relações entre crescimento, desenvolvimento e sustentabilidade local e global, não podem ser esquecidas nas discussões sobre a problemática ambiental. Sugerimos que a noção de meio ambiente, seja encarada numa abordagem mais complexa, se a temática ambiental for encarada na óptica das disponibilidades, produção e/ou consumo (des)igual, (in)sustentável, (ir)racional, globalizado, localizado dos recursos de desenvolvimento, materiais e imateriais, naturais e humanos.

            Nesse contexto, a preocupação com o desenvolvimento sustentado ganhou espaço em instituições educacionais, governos, comunidades e grandes empresas. Segundo Gadotti (2000, p.35) “O conceito de sustentabilidade foi ampliado. Ele permeia todas as instâncias da vida e da sociedade”. Hoje podemos falar em sustentabilidade econômica, ambiental, social, política, educacional e outras. Então se há um limite para o crescimento das atividades do homem na Terra, essa linha divisória é justamente o modo como o ser humano concebe meio ambiente e interage com a natureza. Ruschmann (1999) afirma que o meio ambiente constitui-se matéria-prima da produção, logo, a inter-relação entre produção e meio ambiente é incontestável. E esta produção deve ser constantemente (re) avaliada para que se possam evitar seus efeitos ao valioso patrimônio ambiental. Os problemas ecológicos surgem, e igualmente são sérios, no processo de criação de riqueza através da industrialização como nas condições de pobreza. De fato o que mais interessa e preocupa não são os problemas ecológicos, mas, sim, os ambientais, no sentido mais lato, que por serem locais, regionais e globais não podem ficar fora da práxis pedagógica. Freire (1987) nos diz que práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. A práxis é também definida por Evangelista (1992) como sendo a síntese entre a atividade prática dos indivíduos e o conhecimento necessário e suposto em toda atividade desenvolvida pelos humanos. Souza (2007) traz contribuições significativas para a discussão sobre práxis ao concordar com Freire dizendo que práxis pedagógica é a prática educativa refletida e teorizada (p. 207). Assim, a práxis é defendida pelo autor como concretização do currículo por meio das relações que se estabelecem entre educadores (prática docente), gestores (prática gestora) e educandos (prática discente), mediados pelos conhecimentos (prática gnosiológica e/ou epistemológica).

Somente através de uma práxis pedagógica podemos propiciar a formação humana voltada ao desenvolvimento da ética, da cidadania, da solidariedade, do diálogo, do sentido de homem como elemento constituinte do meio ambiente. Nesse sentido, acreditamos que uma mudança nas concepções e, consequentemente, nas atitudes das pessoas em relação ao meio ambiente, perpassa a educação e a cultura, representadas em nosso trabalho, pelas professoras, pelo cacique e pelo pajé do Povo Xucuru. Nessa direção, Reigota (1991) dedicou-se a identificar concepções de meio ambiente de professores e a relacioná-las à prática docente: Naturalista – o meio ambiente é visto como sinônimo de natureza (intocada) e de harmonia. Segundo o autor, esses professores resumem-se a transmitir conhecimentos sobre a natureza; Globalizante – evidencia as relações recíprocas entre natureza e sociedade. Suas aulas objetivam a sensibilização dos alunos sobre a necessidade de se preservar as interações existentes tanto no meio natural como no meio social e Antropocêntrica – reconhece a interdependência entre elementos bióticos e abióticos e a ação transformadora do homem sobre os sistemas naturais, alterando o “equilíbrio ecológico”. Sua prática pedagógica objetiva a conscientização dos alunos quanto à preservação dos recursos que utilizam e dos quais dependem para sua sobrevivência. Não podemos esquecer que professores são pessoas que “... Como membros de uma instituição social, participam do jogo de relações que aí acontece, sofrendo e exercendo influência” (FALSARELLA, 2004, p.68). Isso significa que as concepções ambientais podem ser revistas e reconstruídas a partir da avaliação de si próprio e do coletivo.

 

3. ABORDAGEM METODOLÓGICA - A problemática em questão versa de procedimentos metodológicos denominados metodologia, e essa “inclui as concepções teóricas da abordagem, o conjunto de técnicas que possibilita a apreensão da realidade e também o potencial criativo do pesquisador” (MINAYO, 1998, p. 22). É com base nesses pressupostos, que a pesquisa qualitativa, considera aspectos arraigados diante da realidade. As entrevistas com os atores sociais foram realizadas então, na aldeia, onde estão cravadas suas raízes. Para tal, tomamos a Etnometodologia como abordagem metodológica que entende como meio primordial as abordagens microssociais dos fenômenos, dando maior importância à compreensão do que à explicação, desta forma, valoriza exatamente as interpretações, que passam a ser o objeto essencial da pesquisa. “Dá-se aí a mudança de paradigma sociológico: com a etnometodologia, passa de um paradigma normativo para um paradigma interpretativo” (COULON, 1998, p.10). O autor define essa abordagem como a ciência dos etnométodos, isto é, procedimentos que constituem o raciocínio sociológico prático. Em outras palavras, é constituída em analisar as maneiras habituais de proceder que são mobilizadas pelos atores sociais comuns nas ações assíduas em sua vida cotidiana. Ao analisar as concepções do Povo Xucuru e as implicações dessas na práxis pedagógica, a Etnometodologia aponta possibilidades teóricas para adentrar nesse universo e identificar possíveis transformações e implicações sociais. Suas contribuições para uma pesquisa em educação são referendadas por Macedo (2006, p. 78), compreendendo que a Etnometodologia e educação fundam um encontro tão seminal quanto urgente, em face da parcialidade compreensiva fundada pelas análises ‘duras’. Para o autor, pelo veio interpretacionista etnometodólogos interessados no fenômeno da educação buscam o tracking dos etnométodos pedagógicos, isto é, uma pista pela qual tentam compreender uma situação dada, bem como praticam a filature, ou seja, o esforço de penetrar compreensivamente no ponto de vista do autor pedagógico; se apóia em recursos culturais partilhados que permitem não somente o construir, mas também o reconhecer. Refletindo sobre qual seria o caminho adequado para coletar os dados necessários, a entrevista narrativa e a observação participante tenderam como etnométodos. A entrevista narrativa é uma forma de entrevistar que encoraja e estimula o entrevistado a narrar à história de algum acontecimento importante de sua vida num determinado contexto social. Saliente-se que essa narrativa não é apenas uma listagem de acontecimentos, mas uma tentativa de ligação destes aos elementos tempo e espaço (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002). Nesta preparamos um roteiro que iniciava solicitando aos entrevistados que falassem sobre o que é meio ambiente e como é a relação do Povo Xukuru com o meio ambiente, pois entendemos que a noção básica da entrevista narrativa é reconstruir acontecimentos sociais a partir do panorama dos informantes (JOVCHELOVITCH e BAUER, 2007). Utilizamos caderno de campo, gravação em áudio e vídeo como fontes de registro. A observação participante é um procedimento que solicita cuidado peculiar, pois, ao colhermos os dados, estamos em uma conexão face a face com os observados, fazendo parte do contexto. De acordo com Minayo (1998), esse tipo de observação iniciou-se na antropologia, tendo Malinowski como fundador de suas bases metodológicas fundamentais para a sua legitimidade. Buscamos então um envolvimento deliberado na situação da pesquisa visando à compreensão das concepções de meio ambiente e suas implicações na práxis pedagógica no Povo Xucuru. Coletamos os dados na aldeia de São José, próxima ao açude de Santana, que abastece a cidade de Pesqueira, logo, é uma terra produtiva. Nessa aldeia, foi possível o contato com as professoras da Escola Indígena Rei do Ororubá e da Escola Indígena Natureza Sagrada, bem como, com o cacique e o pajé. A opção pelas professoras Xukuru está relacionada à responsabilidade que essas possuem, pois no Povo Xukuru, elas têm de manter e garantir a reapropriação da identidade desse grupo social. Encontramos no texto dos professores Xukuru presente no livro de Almeida (2000): “[...] Em sua maioria, os professores são indígenas e estão comprometidos com a causa, com a luta dos Xukuru, o que favorece o fortalecimento de nossa identidade, cultura e tradição” (p. 37). Daí, ressaltamos a importância de salientar que os estudos das crianças Xucuru em suas escolas indígenas se desenvolvem até a quarta série, em seguida sua continuidade se estabelece na cidade de Pesqueira. No caso do pajé a escolha se deu em virtude do que este representa e pelo o que ele é considerado no Povo Xukuru, sendo então como aquele que tem o dom da sabedoria e do conhecimento sobre os antepassados, ele representa um pai, um médico, um padre, e tem o poder de curar por meio da religião e da natureza e também participa de decisões significativas, como a escolha do cacique. No momento em que o cacique Chicão foi assassinado, a escolha de seu sucessor, foi realizada pelo pajé, sendo então seu filho Marcos o sucessor. Representante de todas as vinte e três aldeias que pertencem ao território Xukuru, o cacique é a pessoa quem procura os recursos para as comunidades indígenas. As aldeias são: Cimbres, Couro Dantas, Bem-te-vi, Lagoa, Caetano, Santana, Pé-de-Serra, Pendurado, Caldeirão, Oiti, Gitó, Afetos, Guarda, Cabo do Campo, Cajueiro, Capim de Planta, Boa Vista, Brejinho, Canabrava, São José, Pedra d’ Água, Caípe e Curral Velho. Em depoimento de professores Xukuru, encontramos: “Todos os índios do nosso povo respeitam o cacique como se fosse um pai” (ALMEIDA, 2000, p. 63).

 

4. Resultados e discussão - Concepções de meio ambiente e as implicações na práxis pedagógica. Percebemos que o Povo Xukuru tem a concepção de que o meio ambiente é a natureza em si e isso nos foi revelado na fala de Chicão encontrada no livro de Almeida (2000) e também nas seguintes falas:É a natureza. Vou dizer uma coisa: o que eu entendo do meio ambiente é nós não devastarmos, e só estragarmos um setor para nós trabalharmos, [...] tiramos o pau que houver necessidade para fazer coisa, [...]” (Pajé). Compreendemos que no aspecto social estão inclusos valores culturais que determinam a relação homem-meio ambiente. Relação essa que, no Povo Xukuru, não é ditada por uma racionalidade somente econômica, mas principalmente, por uma racionalidade ambiental e social. Vejamos outra fala:

“Meio ambiente é tudo porque é dele que a gente sobrevive, o ar que respiramos vem dele, é o que comemos [...] é a vida, sem ele não há ser humano que sobreviva”. (Professora 2). Identificamos nesta fala que a concepção de que meio ambiente é tudo, é vida. Nas falas do pajé, da professora e do cacique evidenciamos essa relação que ultrapassa os limites de somente tentar cuidar do que o Povo Xukuru tem, mas de lutar pela terra. Dessa forma, o ser humano é encarado como parte do mesmo, e não simplesmente como um ser que nele interfere.

                                              [...] ambiente pra mim é a base do ser humano, porque sem o meio ambiente não existiria o ser nele [...] então a gente tem que cuidar do nosso meio ambiente porque é dele que a gente sobrevive, é dele que a gente tira nossa alimentação. (Professora 1).

Eu penso que meio ambiente está relacionado à terra. Se a gente não tiver a terra a gente não tem nada, inclusive a água; porque a água se sustenta em cima da terra, então, essa relação primeiro é a terra. Por isso preservá-la porque essa terra vai servir para as gerações futuras... A gente não tem a terra como objeto de especulação e sim como algo de sustentabilidade para as gerações futuras. (Cacique).

 

Essa concepção permite a formação de olhares mais humanos em relação ao meio ambiente, pois parte do princípio que, se interfiro nele e ele sou eu, tudo que do meio ambiente extraio, o faço de mim mesmo. Essas concepções nos permitem fazer algumas aproximações com a práxis pedagógica desenvolvida no Povo Xucuru, pois apontam para ações concretas que interferem nas atitudes e valores construídos. Nesse contexto, o cacique nos traz esclarecimentos quanto à preocupação do Povo Xucuru em relação à Educação, entendida por ele como promotora do desenvolvimento da cultura e mantenedora de condições subjetivas e objetivas da humanização. Segundo o mesmo: “A gente tem inclusive trabalhado nas escolas, com as crianças, nos projetos didáticos, da preservação do meio ambiente, que destino dar ao lixo, [...] às vezes é difícil trabalhar com o adulto, mas com as crianças é muito mais tranqüilo porque estão em formação, [...] (Cacique). Percebemos na fala do cacique que há melhores resultados quando a intervenção ocorre na infância e/ou juventude, o que não significa que não haja investimento das lideranças em relação à população adulta, que é sensibilizada constantemente para cuidados com o lixo e outras temáticas igualmente relevantes para a melhoria das condições de vida na aldeia. Essa sensibilização é uma importante etapa para a incorporação de novos valores em relação ao meio ambiente que se refletem em atitudes que se manifestam como uma espécie de currículo oculto que podem ser perpetuados de geração em geração. Quanto a esse assunto, a professora P1 nos diz: “[...] a preocupação da educação é essa de sempre tá repassando, pras crianças, e assim o que a gente tem como base são os nossos mais velhos... e se a gente não fizer isso agora quando eles se forem, fica difícil, não tem como a gente ter mais, [...]. A preocupação demonstrada pela professora quanto à perda das pessoas mais velhas da aldeia deve-se ao longo período em que os mesmos estiveram desarticulados enquanto Povo Xucuru, período esse que corresponde à fase de invasão de suas terras por fazendeiros e perseguição ao Povo, que se sentiu oprimido em relação a seus rituais, à sua cultura. Dessa forma, houve perda de valores culturais e de saberes de uma geração. Para que esse fato não venha a se repetir, as lideranças do Povo Xucuru vêm tentando implementar alguns projetos, entre eles destacamos: registro em áudio e vídeo de saberes de gerações mais velhas, catalogação de plantas medicinais em forma de livro para a equipe multidisciplinar de saúde e para as escolas e, ainda o desenvolvimento de uma  horta para cada escola fruto da  construção de projetos didáticos nas escolas que orientam o trabalho docente, estruturantes do Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas Xucuru que apresenta cinco eixos principais: terra, história, organização, interculturalidade e identidade. Existe uma escola, que já tem sua própria horta, e ela é totalmente orgânica e foi a partir dessa horta que se tornou possível a realização de um encontro sobre culturas indígenas, resultado da culminância dos projetos realizados por 42 escolas mediante diferentes temáticas relacionadas às questões ambientais.

 

5. Considerações Finais - Ao identificarmos as concepções de meio ambiente de lideranças do Povo Xukuru do Ororubá, nos deparamos com uma cultura rica em busca de fortalecimento de identidade mediante a sensibilização das afetividades, conscientização do patrimônio ambiental, e a responsabilidade educativa de seus membros sociais. Arraigada de valores religiosos muito fortes, como a presença dos encantados nos rituais realizados nas matas, que faz com que a natureza seja considerada sua mãe e a sua manutenção e defesa seja condição primordial à realização não apenas de seus rituais sagrados, mas de sua sobrevivência. Sendo assim, cultura, meio ambiente e educação integram-se na essência do viver. Percebemos que os processos educativos desenvolvem atitudes e ações permanentes para o desenvolvimento da capacidade de perceber, refletir sobre os espaços em que vivem e sobre as relações que seus membros estabelecem com eles. Constatamos que o Povo Xukuru considera-se parte do meio ambiente com base em seu respeito pela natureza e seus saberes culturais. Esse fato se manifesta até mesmo em sua concepção de morte expressa pelo cacique: “Nós não somos enterrados, mas sim plantados, porque de nós vão surgir novas sementes, novos guerreiros”. Guerreiros que defendem o meio ambiente e que, nessa perspectiva, sabem que estão defendendo a si mesmos. Desde a mais tenra idade, os guerreiros mirins, como chamam as professoras, vão-se formalizando pelos saberes culturais que vivem cotidianamente, ou que são aprendidos com os mais velhos, e ainda, pelas experiências culturais vividas no interior das escolas. Desta forma, o processo de ensino-aprendizagem é retroalimentado dentro e fora da escola, para todos os guerreiros do povo Xukuru, numa ação coletiva de formação humana. 

 

 REFERÊNCIAS

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LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

MACEDO, R. S. Etnopesquisa crítica, etnopesquisa-formação. Brasília: Líber Livro, 2006.

MINAYO, M. C. (Org). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC ABRASCO, 1998.

REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1991.

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RUSCHMANN, D. Turismo e Planejamento Sustentável. 4ª ed. São Paulo: Papirus, 1999.

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Ilustrações: Silvana Santos