UMA
EXPERIÊNCIA EM ECOLOGIA CÍVICA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS (SP, BRASIL)
Ícaro
da Silva
Graduando,
Bacharelado em Gestão e Análise Ambiental, Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). E-mail: icarosilva3@gmail.com
Benjamim
Mattiazzi
Professor, Associação
Veredas: Caminho das Nascentes. E-mail: bmattiazzi@gmail.com
Rodolfo
Antônio de Figueiredo
Professor,
Departamento de Ciências Ambientais (DCAm/CCBS), Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). E-mail: rodolfo@ufscar.br
Resumo
O
presente artigo tem por objetivo apresentar as atividades realizadas durante um
estágio em uma associação civil presente no município de São Carlos (SP),
dialogando-as com o referencial teórico do recente campo da Ecologia Cívica. Ao
longo do ano de 2016 as atividades realizadas responderam particularmente aos
princípios de promover recreação para a comunidade, promover bem-estar e
bem-viver, proporcionar oportunidades para aprendizagem, agregar múltiplos
parceiros, tornar sistema socioecológico resiliente e acionar elaboradores de
políticas públicas para permitir o desenvolvimento e a progressão das práticas
da associação.Concluímos que a atuação da associação se encaixa nos princípios
fundamentais da Ecologia Cívica, atuando em frentes socioambientais que
fortalecem as relações sociais da comunidade.
Palavras-chaves: educação ambiental,
capital social, resiliência.
Abstract
This paper aims to present the activities carried out
during an internship in a civil association of São Carlos (SP), dialoguing them
with the theoretical framework of the recent field of Civic Ecology. Throughout
the year of 2016, the activities carried out responded particularly to the
principles of promoting recreation for the community, promoting well-being and
well-living, providing opportunities for learning, adding multiple partners,
making the socioecological system resilience, and triggering public
policymakers to enable the development and progression of the association
practices. We conclude that the performance of the association fits the
fundamental principles of Civic Ecology, acting on social and environmental
fronts that strengthen the social relations of the community.
Keywords: environmental
education, social capital, resilience.
Introdução
O
curso de graduação em Gestão e Análise Ambiental da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) apresenta como inovação pedagógica a possibilidade da/o(ver CASELLATO et al., 2006, para uso de linguagem não
sexista) estudante optar, como requisito para concluir seu curso, por fazer um
“Projeto Final: Monografia”, que tem um caráter de pesquisa científica, ou por um
“Projeto Final: Estágio”, voltado para uma atuação extensionista.O Projeto
Final: Estágio é dividido em dois semestres, com o objetivo de capacitar a/o
estudante a realizar trabalhos acadêmicos e técnicos na gestão e análise
ambiental, com temática relacionada a uma área específica ou à integração entre
os diferentes conhecimentos, além de possibilitar a realização de estágio fora
da universidade para aplicação prática dos conhecimentos obtidos ao longo do
curso.
A/o
estudante realiza o estágio em local de interesse para sua formação
profissional, supervisionada/o por pessoa responsável pela entidade parceira
que oferta o estágio e por uma/um professora/r da UFSCar. No presente artigo, o
primeiro autor foi o estagiário, o segundo foi oorientador de estágio da entidade
que recebeu o estagiário (no caso, a Associação Veredas: Caminho das Nascentes),
que também contou com a colaboração de sua Diretora, Profa. Leda Maria de Souza
Gomes, e o terceiro autor é oorientador acadêmico da Universidade.
O
objetivo do presente artigo é relatar a experiência vivenciada ao longo do
estágio na Associação Veredas: Caminho das Nascentes, sediada no município de
São Carlos, região central do estado de São Paulo, nos primeiro e segundo
semestres de 2016, dialogando-a com o referencial teórico da Ecologia Cívica.
Ecologia
Cívica
A
Ecologia Cívica é uma área de conhecimento recentemente desenvolvida por uma
pesquisadora e por um extensionista da Cornell University (EUA), Marianne E. Krasny
e Keith G. Tidball, que tem por objetivocompreender e fomentar a atuação de
pessoas que não se veem separadas dos entes naturais e nem das demais pessoas
de sua comunidade. A Ecologia Cívica procura, portanto, compreender como
ocorrem as interações entre as pessoas, suas comunidades esuas práticas de
restauraçãodo ambiente onde vivem (KRASNY; TIDBALL, 2015).
Segundo
Krasny e Tidball (2015, p. 5), a Ecologia Cívica se adequa a 10 princípios: 1)
As práticas ocorrem em locais degradados (dos pontos de vista ambiental e/ou
social); 2) Pessoas que têm amor pela vida e pelos locais degradados se tornam
suas guardiãs e administradoras; 3) As práticas promovem recreação para a
comunidade que convive com e no local; 4) As pessoas guardiãs e administradoras
recriam os locais degradados através de memórias socioecológicas; 5) As
práticas produzem serviços ecossistêmicos; 6) As práticas promovem bem-estar e
bem-viver; 7) As práticas proporcionam oportunidades para aprendizagem; 8) As
práticas iniciam de forma localizada e se expandem para englobar múltiplos
parceiros; 9) As práticas tornam o sistema socioecológico resiliente; e 10) Elaboradores
de políticas públicas permitem o desenvolvimento e progressão das práticas de
Ecologia Cívica.
Por
se tratar de uma nova área do conhecimento, até o momento existe apenas uma
publicaçãobrasileirapresente no Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/) que aborda a
Ecologia Cívica (CHAVES; ALVIM, 2015) e, em português,além do anteriormente
citado foram encontrados apenas mais trêstrabalhos realizados em Portugal (ALMEIDA,
2016; PAIZINHO, 2016; SOUSA, 2015). A importância do presente trabalho,
portanto, justifica-se por ser uma das primeiras aproximações ao campo da
Ecologia Cívica realizado no Brasil e em português.
A
Associação Veredas: Caminho das Nascentes
Tendo
um histórico começando na década de 1990, com moradores próximos do bosque
Santa Marta, uma das poucas reservas de Mata Atlântica na região central do
estado de São Paulo e a única dentro do perímetro urbano do município de São
Carlos (SP), começou-se a praticar algumas atividades socioambientais
(MATTIAZZI et al., 2011). Com o passar do tempo, outra área começou a
ser inserida nesse panorama de práticas e atividades socioambientais, conhecido
posteriormente como bosque Cambuí.
A
iniciativa começou a partir da atuação de um morador do bairro que abriga os
dois bosques, Prof. Benjamim Mattiazzi, sendo que posteriormente foi criada a
Associação Veredas: Caminho das Nascentes, ampliando as iniciativas para toda a
microbacia do córrego Santa Maria do Leme. A mobilização em criar a Associação trouxe
uma participação efetiva das/os moradoras/es, procurando principalmente limpar
os córregos da microbacia, despoluir suas margens e preservar as mesmas, bem
como proteger a fauna e flora promovendo um local mais saudável ambientalmente
para toda a população. Essas atividades são condizentes com o que é disposto na
Política Nacional de Educação Ambiental, onde é entendido por educação
ambiental os processos por meio das quais o individuo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiental (BRASIL, 1999).
A
Associação, qualificada oficialmente como uma OSCIP - Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público, é muito bem aceita entre as entidades ligadas a temas
ambientais do município, seja por parte de empresas, de instituições acadêmicas
e da própria prefeitura. A Associação já organizou três seminários em parceria com
o Departamento de Ciências Ambientais da UFSCar (DCAm/CCBS) e com o Centro de
Divulgação Científica e Cultural da Universidade de São Paulo(CDCC/USP),
promoveram a realização e divulgação de diversos trabalhos, levantamentos e
participação coletiva, em sua maioria com temática ambiental, o que
proporcionou o estabelecimento de várias parcerias entre entidades, comunidades
e pessoas.
Tidball
e Krasny (2009) indicam que os esforços de um determinado grupo de pessoas ou
comunidade para esverdear o ambiente em que vivem constitui uma categoria
própria de ação ambiental. Segundo esse/a autor/a, tais iniciativas geralmente
ocorrem em locais que passam por dificuldades ou desastres sociais e/ou
ambientais. A reconstrução desses ambientes é fundamental para que essas
pessoas e comunidades voltem a ter uma qualidade de vida ao viverem no local,
reduzindo a violência e o estresse e aumentando a saúde física, cognitiva e
psicológica de crianças e adultos (TIDBALL; KRASNY, 2009, p. 153).
A
sucinta descrição acima permite a localização dessa experiência que resultou na
formação da Associação Veredas e sua atuação no município de São Carlos como um
claro exemplo de Ecologia Cívica, uma vez que abarca os dez princípios
descritos para sua constituição: a experiência iniciou-se em locais degradados
de um bairro (pequeno fragmento florestal e área de pasto abandonado); com o
incentivo inicial de Prof. Mattiazzi, várias pessoas da comunidade se tornam
suas guardiãs e administradoras; as atividades promovem recreação para a
comunidade; a memória social do Prof. Mattiazzi e demais pessoas, assimcomo a
memória ecológica presente no fragmento florestal, foram importantes para
recriar os locais degradados; as áreas dos bosques produzem serviços
ecossistêmicos, tais como a proteção do curso d’água (córrego Santa Maria do
Leme e afluentes), a polinização e dispersão de sementes e o ambiente florestal
para experiências recreativas, educacionais e religiosas; as pessoas da
comunidade elevaram seu bem-estar e bem-viver uma vez que o contato com a
natureza reduz o estresse, melhora a saúde física e proporciona contatos entre
as pessoas, ampliando suas oportunidades para aprendizagem e para deixarem um
legado às futuras gerações; a experiência restrita a um bairro se expandiu por
todos os bairros da microbacia, englobando várias associações de moradores e
associações ambientalistas; a resiliência dos bosques foi elevada uma vez que
esses são protegidos pelas pessoas guardiãs e administradoras; e o contato cada
vez maior da Associação Veredas com o poder público municipal permite a
manutenção e a ampliação das suas ações.
As
atividades desenvolvidas discutidas à luz da Ecologia Cívica
Atividade
de visitas monitoradasaos bosques Cambuí e Santa Marta
Foram
realizadas cinco visitas aos bosques ao longo de 2016, três no primeiro
semestre e duas no segundo semestre. A trilha do bosque Cambuí já havia sido
traçada, mas a do bosque Santa Marta foi determinada a partir de lugares
“chave” que seriam de grande proveito para uma visita, e alguns deles foram: a
árvore de jatobá, as árvores jovens de jatobá, o pau-terra-jundiaí, a árvore de
amendoim-bravo e algumas placas explicativas já presentes no interior do bosque.
A
primeira visita foi realizada no bosque Cambuí com estudantes do quinto ano da escola
estadual Conde do Pinhal, tendo dela participado o primeiro autor deste artigo
e o Prof. Benjamim Mattiazzi. Inicialmente ocorreu uma explicação sobre o
local, sobre algumas plantas e algumas propostas que ele tinha para quando a
visita de fato começasse. No decorrer do percurso, foram apresentados vários
aspectos do bosque. Uma brincadeira foi realizada, em que as/os estudantes deveriam
trazer alguns objetos que eles tivessem curiosidade de saber o que era, e foi
uma experiência muito interessante, pois muitos traziam folhas, rochas,
exoesqueletos (de cigarras) e até mesmo resíduos para que fossem “desvendados”
e explicada sua origem.
A
segunda visita foi realizada no bosque Santa Marta com participantes de um
curso de formação de monitores proporcionado pela UFSCar (ver mais adiante). Foi
um momento de conversa e discussão das mais diferentes vertentes. Uma produtora
realizou entrevistas com representantes dos diferentes parceiros que estavam
envolvidos com o curso de monitores e as mesmas foram veiculadas pela mídia
local.
A
terceira visita foi efetuada nos bosquesCambuí e Santa Marta, com a presença do
Prof. Benjamim Mattiazzi e do primeiro autor e da segunda autora deste artigo.
Essa visita foi destinada às docentes da Unidade de Atendimento à Criança da
Universidade Federal de São Carlos (UAC/UFSCar). A visita mostrou às
professoras os diferentes pontos que seriam interessantes para elas comentarem
com suas/seus alunas/os em uma visita posterior. No bosque Cambuí, o Prof.
Mattiazzi explicou o histórico daquela área, desde o tempo em que era pasto que
sofria queimadas anuais até o momento atual. Foram feitas abordagens sobre as
sementes aladas que eram possíveis encontrar no solo, bem como explicações
sobre a dinâmica dos animais nesses ambientes e sua importância dentro do
perímetro urbano. Também, foi abordada a importância das Áreas de Preservação
Permanente (APP), e como elas influenciam na retenção de solo, protegendo assim
os corpos hídricos. Depois de todas as explicações nesta visita de aproximadamente
duas horas, as docentes resolveram fazer um piquenique de agradecimento.
A
quarta visita aos bosques foi com as crianças da UAC/UFSCar. Essa visita foi
monitorada pelo primeiro e segunda autor/a deste artigo, acompanhados pelo Prof.
Benjamim Mattiazzi (Figura 1). A atividade de trilha foi divertida e prazerosa,
pois as crianças eram muito curiosas, e foi possível abordar diversos aspectos
dos ambientes dos bosques, entre eles sobre algumas espécies existentes e
trabalhar alguns conceitos como os sentidos do tato e do olfato, utilizando de
materiais encontrados na própria trilha. Ao término da atividade foi possível
conversar com as crianças sobre o que elas gostaram da trilha e fazer uma
dinâmica de silêncio, proporcionando assim uma atividade de percepção da fauna
local (em sua maioria de pássaros).

Figura 1.Em pé à esquerda estão o primeiro e o
segundo autores deste artigo após a trilha realizada no bosque com crianças e
professoras da Unidade de Atendimento à Criança da Universidade Federal de São
Carlos. Fonte: Ícaro da Silva.
A
última visita aos bosques em 2016 foi realizadacom um grupo mais heterogêneo, vindo
do SESC São Carlos. Nesta visita, além do primeiro autor deste artigo estavam
presentes o Prof. Benjamim Mattiazzi, da Associação Veredas, e a Profa. Sônia
Maria Couto Buck, do Departamento de Ciências Ambientais da UFSCar
(DCAm/CCBS/UFSCar). A visita abordou o histórico dos bosques, a importância das
áreas verdes urbanas e também a ideia de apropriação do espaço público pelas
pessoas e a força que isso tem para melhorar o ambiente e como consequência o
bem-estar social. Ao término da visita foi possível discutir a importância dos
locais em que estávamos e ouvirmos opiniões dos visitantes quanto ao assunto
Existem
algumas formas de trabalhar educação ambiental e interpretação ambiental, uma
delas são trilhas interpretativas. Os intérpretes podem ser considerados tanto
quem visita quanto quem guia, pois estamos constantemente interpretando tudo o
que ocorre a nossa volta, em áreasnaturais ou não(BRASIL,
2007). Essas trilhas interpretativas trabalham conceitos de educação ambiental
bem estruturados como funcionamento de seres vivos, interações e histórias, mas
além disso, as trilhas interpretativas promovem uma fusão mais acolhedora do
ser humano e o meio ambiente, como dito por Santos et al. (2011). Nessa
perspectiva pode-se direcionar para uma das correntes da educação ambiental,
que é conhecida como corrente crítica, que proporciona reflexão e entendimento
mútuo, por parte dos envolvidos com a trilha.
A
sensibilização pode ser tida como um processo inicial da educação ambiental, um
“despertar” dos atores sociais á aspectos do cotidiano até então ignorados.
Ab’Saber (1994) destacou a importância de se desenvolver essa sensibilidade das
pessoas pelos temas ambientais para alcançarmos uma condição de cidadania mais
plena.Um aspecto muito importante do trabalho de sensibilização ambiental é a
escala a ser trabalhada. Ab’Saber (1994) considera que as menores escalas são
vitais para o processo por permitirem umaadequação do material exposto com a
realidade local e vivenciada pelas pessoas a serem “despertadas” e isso
facilitaria o trabalho quase utópico promovendo a reintegração das atividades
regionais num mosaico de escala muito maior como nacional. De maneira que, já
partindo desde 1989, na Constituição Federal (BRASIL,1989), é observado que o
poder público e a comunidade são atores indispensáveis para a promoção de
educação ambiental, de forma a atingir todos os níveis de ensino e de
consciência pública.
A
construção de trilhas e sua visitação em áreas de vegetação nativa e de
reflorestamento de áreas abandonadas presentes em áreas urbanas dialogam com a
Ecologia Cívica no que tange a que locais danificados pela urbanização acabam
por receber a atenção de pessoas que vislumbram sua recuperação e gestão
adequada (KRASNY; TIDBALL, 2015, p. 2). No caso do bosque Cambuí, esse
movimento comunitário para recuperação de um ambiente degradado foi muito
evidente, pois de uma área de pasto abandonado, que sofria queimadas
constantes, surgiu um bosque por reflorestamento orquestrado pela comunidade
local.
A
formação de trilhas nos bosques e sua visitação pela população estão em
conformidade com os princípios 3, 6, 7 e 9 da Ecologia Cívica (KRASNY; TIDBALL,
2015), uma vez que os participantes das atividades têm uma atividade
recreativa, promovendo seu bem-estar e bem-viver, proporcionando oportunidades
para aprendizagem e tornando o sistema socioecológico resiliente uma vez que
poderão se sensibilizar e dele também cuidarem.
Almeida
(2016) relata a importância de uma fundaçãopara a realização de atividades de
“ecologia cívica, participação pública e educação ambiental” (p. 153) nas
comunidades. Igualmente, expondo sobre uma associação de moradores criada em
2009 em Lisboa (Portugal), Sousa (2015, p. 58) e Paizinho (2016, p. 65) indicam
que ela tem por objetivo “a difusão do conceito de ecologia cívica, que é
entendido […] como Desenvolvimento societário através de ações de valorização
ambiental em comunidades locais”. Percebe-se, portanto, a importância da
organização da sociedade civil para o avanço do campo da Ecologia Cívica.
Atividadesemprojeto
de extensão da universidade
O
projeto de extensão denominado“Educação Ambiental na microbacia do córrego
Santa Maria do Leme e entorno: trilhas interpretativas e conservação da
biodiversidade” foi proposta pela UFSCar e coordenada pela Profa. Haydée Torres
de Oliveira.Essa atividade foi iniciada no começo de 2016, contando com um
grupo de estudantes de graduação e de pós-graduação organizado pela doutoranda
Andréia Nasser Figueiredo.
O
projeto de extensão foi realizado em dois momentos: no primeiro semestre de
2016 através de um curso de formação de monitores para atuarem nos bosques e um
evento no segundo semestre de 2016.
O
curso de monitores foi ofertado pela UFSCar, pelo CDCC e pela Associação
Veredas, sob a coordenação da doutoranda Andreia Nasser Figueiredo, no período
de 16 a 19 de fevereiro de 2016. O principal objetivo do curso foi a formação
de monitores para dar auxílio nas visitas monitoradas que já acontecem no
bosque Santa Marta, promovendo formação teórica e prática para todos os
envolvidos. O curso abordou o que é educação ambiental, apresentando algumas
das suas tendências e correntes. O curso em si foi pautado pela Educação
Ambiental Crítica, que proporcionou maior diálogo entre os participantes e
discutiu conceitos relacionados ao conhecimento, à participação política e aos valores
éticos e estéticos. Algumas ferramentas e metodologias foram apresentadas para
uma melhor condução nas trilhas, entre elas a elaboração de perguntasdiagnósticas
e reflexivas, a possibilidade de compartilhar experiências, a linguagem
coerente e o aprender com a diversidade.No curso, as associações de moradores e
ambientalistas que atuam na microbacia apresentaram as ações que desenvolvem envolvendo
a população local, bem como as dificuldades que elas tiveram até o momento.A
organizadora do curso promoveu uma visita monitorada noturna nos bosque, na
qual explicou os muitos pontos da trilha, como o pé de jatobá que está sofrendo
com a retirada de sua casca (para produção de remédios) ou mesmo a maior árvore
do bosque, o pau terra Jundiaí, além de muitas reflexões e pensamentos de como
realizar uma visita, e que pontos devem ser levados em consideração para a
mesma.No último dia de curso, ocorreu uma dinâmica entre todas/os as/os
participantes para uma avaliação reflexiva sobre todo o curso.
A
segunda fase do projeto de extensão foi a oferta de uma ação extensionista nos
bosques, que contou com a participação de 14 pessoas em sua execução e foi
realizado em um dia (períodos da manhã e da tarde) no segundo semestre de 2016.
A maior parte dos participantes do curso de formação de monitores pode atuar na
ação, que contou com a participação de um público de aproximadamente 50 pessoas.Diversas
atividades foram realizadas neste dia. A “trilha micro e macro”, uma atividade
proposta em conjunto com todos os participantes do projeto, em que seria
possível trabalhar as questões de sentido como a visão dentro da trilha do
bosque Cambuí. Essa atividade proporcionou momentos de reflexão sobre o meio em
que estavam e ao fim da trilha ocorreu a discussão sobre esses olhares e suas
importâncias com a elaboração de uma dinâmica de finalização com objetos
pequenos encontrados na trilha (Figura 2).

Figura 2. Atividade de fechamento com objetos
encontrados na trilha. Fonte: Ícaro da Silva.
Outra
atividade oferecida no dia foi a “trilha dos sentidos”, que trabalhou os cinco
sentidos do corpo humano e proporcionou dinâmicas muito criativas e
inteligentes com as crianças participantes. A “oficina de artesanato” e a “horta
com recicláveis”proporcionaram explicações sobre como reutilizar materiais e
como elaborar hortas verticais.Também houve um momento de contação de história
para as crianças (Figura 3) e durante todo o dia foi realizada uma feira de
trocas verdes onde todos podiam trocar mudas, sementes e ideias, um motivador
para as tendências ambientais.A atividade de extensão se encerrou com uma roda
de conversa apresentadapela REA (Rede de Educação Ambiental de São Carlos)aos coletivos
presentes, tais como associações de moradores de bairros que compõem a
microbacia e associações ambientalistas, trazendo ao conhecimento as atividades
ambientais e/ou de educação ambiental que esses diferentes atores estavam
desenvolvendo para poder haver ligação e participação de todos numa melhoria e
possivelmente parcerias para ações futuras.

Figura 3. Atividade de contação de história do
projeto de extensão da Universidade Federal de São Carlos realizado nos
bosques. Fonte: Ícaro da Silva.
A
educação tem grande importância, pois pode ser utilizada como forma de mudança
social, sendo a/o educadora/r um fator imprescindível e insubstituível para o
processo (CARVALHO, 2006). Juntamente com a Eco-92, foi aprovada a Agenda 21,
documento que constitui um programa de ação que guia a humanidade em direção ao
desenvolvimento que seja socialmente justo e ambientalmente sustentável, com um
capítulo direcionado para a promoção do ensino, conscientização pública e
treinamento (BARBIERI; SILVA, 2011). Logo é de suma importância concretizar
ações de educação ambientalcom a participação independentemente de idade ou
classe social (UNESCO, 2005), para assim ocorrer de fato uma
melhoria no desenvolvimento sustentável ou mesmo na sustentabilidade relativa
ao quesito procurado, seja ele ambiental ou social.
As
questões ambientais ganharam força a partir dos anos 1960, com destaque para a
publicação do livro “Primavera Silenciosa” da autora norte americana Raquel
Carson, que falava das interconexões entre meio ambiente, economia e bem estar
social, um dos principais livros para o fundamento ambientalista. Os termos
sustentabilidade e desenvolvimento sustentável foram definidos mais
precisamente no ano de1987, com o relatório conhecido como “Nosso Futuro
Comum”, onde temos de forma geral que desenvolvimento sustentável é o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.
Embora
o tema chegue ao Brasil na década de 1980, somente em 1992 começa realmente a
ter força, com a Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente,
conhecida como Eco-92. As questões ambientais e sociais passaram a ser vistas
de forma diferente, sendo valorizadas pelos interessados e pela sociedade de um
modo geral (NASCIMENTO,2007). Souza etal.(2011)realizam uma análise
bibliométrica mostrando o perfil das pesquisas e suasevoluções no tema
sustentabilidade do ano de 2000 a 2010, mostrando o aumento substancial de
artigos científicos no tema, evidenciando o amadurecimento na área sustentabilidade.
A
união de associações civis e comunitárias com as universidades dialoga com a
Ecologia Cívica no que tange ao princípio 8 (KRASNY; TIDBALL, 2015), uma vez
que se tornam parceiros na guarda e administração do local. Além disso, as
instituições acadêmicas podem contribuir para ampliar o conhecimento da
estrutura e funcionamento do local através da pesquisa científica e da extensão
universitária, contribuindo assim para elevar a resiliência do sistema
socioecológico.
O
projeto de extensão acima descrito também se adéqua aos princípios 3, 6 e 7
(KRASNY; TIDBALL, 2015), pois promoveu recreação para um grande número de
pessoas da comunidade, ampliou suas possibilidades de bem-estar individual, por
estarem em contato com um ambiente natural, e de bem-viver, por estarem em
contato com outras pessoas da comunidade, e por proporcionar aos participantes
do curso de monitoria oportunidades de aprendizagem.
Chaves
e Alvim (2015) relatam a pertinência do trabalho extensionista da universidade
nas comunidades, destacando a importância da Ecologia Cívica para o
“fortalecimento da construção do capital social, humano, natural, social e
mesmo financeiro” (p. 51).Tidball e Krasny (2011) sugeriram a importância da
educação ambiental se unir a outras iniciativas, tais como as de gestão
ambiental comunitária, a fim de fomentar o capital social, os serviços
ambientais e a resiliência de sistemas socioecológicos em que tais comunidades
estão inseridas.
Atividade
de elaboração de projeto para órgão público
Foi
realizada, juntamente com integrantes da Associação Veredas: Caminho das
Nascentes, a elaboração de um projeto para encaminhar à Secretaria da Cultura
do Estado de São Paulo, intitulado “Exposição Itinerante”. A proposta foi de
criar uma exposição com os materiais sobre a microbacia do Córrego Santa Maria
do Leme e materiais disponibilizados por moradores que participariam de
atividades e ações ambientais nesse local e por estudantes de escolas parceiras
dentro e fora da microbacia.
A
elaboração de projetos visando à captação de recursos junto a órgãos
governamentais dialoga com a Ecologia Cívica no que tange ao princípio 10
(KRASNY; TIDBALL, 2015), uma vez que o contato e apoio de elaboradores de
políticas públicas permitem o desenvolvimento e progressão das práticas no
local.
Conclusão
As
atividades realizadas pela Associação Veredas: Caminho das Nascentes, uma OSCIP
presente no município de São Carlos (SP), ao longo de 2016, se adequaram ao
referencial teórico do campo da Ecologia Cívica. A relevância da coletividade
no planejamento e execução das ações foi constatada, unindo pessoas e
instituições com princípios muito parecidos e objetivos em comum. Neste
sentido, a qualidade de vida das pessoas e comunidades envolvidas, que
superaram as dificuldades encontradas, foi elevada, assim como a resiliência de
todo o sistema socioecológico.
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