Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
30/05/2017 (Nº 60) A COMERCIALIZAÇÃO DE AVES SILVESTRES NA FEIRA LIVRE DO MUNICÍPIO DE ITIÚBA-BA
Link permanente: http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=2747 
  

A COMERCIALIZAÇÃO DE AVES SILVESTRES NA FEIRA LIVRE DO MUNICÍPIO DE ITIÚBA-BA

 

The Commercialization of Wild Birds in the Municipality of Itiúba-Ba

 

Edna Souza Santos

Licenciada Ciências Biológicas pela Universidade do Estado da Bahia

Campus Universitário da UNEB, BR 407, km 127, s/nº, Senhor do Bonfim, Bahia, CEP 48.970-000

 

Cristiana de Cerqueira Silva Santana

Professora Adjunta daUniversidade do Estado da Bahia

Campus Universitário da UNEB, BR 407, km 127, s/nº, Senhor do Bonfim, Bahia, CEP 48.970-000

 

RESUMO

 

A fauna brasileira é uma das mais ricas em biodiversidade do mundo e também uma das mais cobiçadas para o comércio ilegal de animais silvestres, sendo essa a segunda principal causa de extinção de espécies no país. O objetivo da pesquisa consistiu em investigar a comercialização de aves silvestres na feira livre da sede municipal de Itiúba, Bahia. A metodologia baseou-se em observações e registros da feira no que diz respeito à comercialização desses animais. Os resultados indicam que 19 tipos de aves,distribuídas em oito famílias,são comercializadas na feira livre de Itiúba. Dessas as mais encontradas são as aves da Família Emberezidae e as espécies: Sicalisflaveola (Canário), Passerinabrisonii (Azulão) e Sporophila nigricollis (Papa-Capim).

 

Palavras chave: Animais silvestres, Caatinga, Comércio ilegal.

 

ABSTRACT

 

The Brazilian fauna is one of the richest in biodiversity in the world and also one of the most coveted for the illegal trade of wild animals, being the second main cause of extinction of species in the country. The objective of the research was to investigate the wild bird trade in the city of Itiúba, Bahia. The methodology consisted of observations and field records. The results indicate the commercialization of 19 types of birds, distributed in eight families. Among these birds the most commercialized are the birds of the Family Emberezidae and the species: Sicalisflaveola, Passerinabrisonii and Sporophilanigricollis.

 

Keywords: Wild animals, Savanna, Illegal trade.

 

1. INTRODUÇÃO

Segundo Brandonet al., (2005), o Brasil abriga cinco importantes biomas, o maior sistema fluvial do mundo e possui a mais rica biota continental do planeta. A consideração de que o Brasil, segundo as estimativas mais conservadoras, abriga 13,2% da biota mundial (LEWINSOHN; PRADO, 2002), rendeu-lhe o título de país mega-diverso.

O Brasil também é conhecido pela sua extensão territorial, por suas diferenças regionais e pela variedade de ecossistemas o que possibilita uma grande riqueza de fauna e flora. (EFE, 1999). Todavia, os números referentes à perda do patrimônio natural chamam a atenção, especialmente devido à degradação dos biomas e em decorrência do comércio clandestino de animais silvestres. A biodiversidade do Brasil, associada aos problemas sociais fazem do país um dos principais locais de trafico da fauna silvestre do mundo, movimentando o equivalente a US$ 1 bilhão ao ano (GIOVANINI, 2002).

O mercadoilegal de animais silvestres é um negócio mundial e gigantesco que chega a movimentar por ano entre 10 e 20 bilhões de dólares, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas (VANNUCCI-NETO, 2000; OSAUA, 2001).

O comércio ilegal de animais silvestres no Brasil é reconhecido atualmente como uma atividade que causa um grande impacto ao meio ambiente, em virtude da alta importância ecológica que esses animais representam (BRANDON et al., 2005).

A problemática do comércio ilegal da fauna silvestre no Brasil toma uma dimensão ainda maior quando esta prática encontra-se associada a regiões pouco conhecidas cientificamente, como é o caso do Bioma Caatinga.

Esse bioma é muito relevante devido à grande biodiversidade, endemismo e dimensões, já que representa 844.453 km² do território brasileiro, englobando os estados do nordeste e o norte de Minas Gerais. Contudo, o bioma Caatinga é o segundo menos conhecido dentre os biomas Brasileiros e “vem sendo tratado com baixa prioridade, apesar de ser um dos mais ameaçados, devido ao uso inadequado e insustentável dos seus solos e recursos naturais” (REZENDE, 2015, p. 7).

Além de bastante ameaçado, o bioma Caatinga também é pouco conhecido cientificamente.Em estudo realizado acerca da produção científica existente sobre esse bioma, Grelleet al. (2009), identificou que em um período de 10 anos (entre 1998 e 2007), foram publicados apenas quatro artigos sobre a Caatinga, número seguido apenas pelos Campos Sulinos, com dois artigos.

Os principais locais de captura ilegal da fauna silvestre no Brasil estão nos estados da Bahia, Piauí, Pernambuco, Pará, Mato Grosso e Minas Gerais, de onde são levados para as regiões Sul e Sudeste (GIOVANINI, 2002). Nessas regiões são capturas especialmente as aves por serem os animais de maior abundancia; essas são destinadas a colecionadores, lojas de mascotes, criadores, feiras livres e para o mercado exterior (VANNUCCI-NETO, 2000).

São vários os motivos que levam pessoas a comercializarem animais silvestres, desde questões econômicas até culturais e esse é um problema antigo no Brasil e em especial na região nordeste. A apanha e a caça de animais silvestres, em especial a criação em cativeiro de aves é uma prática muito comum no interior do nordeste e esta é antiga e presente desde o Brasil Colônia. Conforme o Relatório RENCTAS:

 

O comércio ilegal de animais silvestres está associado a problemas culturais, de educação, pobreza, falta de opções econômicas, pelo desejo de lucro fácil e rápido, e por status e satisfação pessoal de manter animais silvestres como de estimação (RENCTAS, 2014, 28).

 

Por estar grande parte do nordeste brasileiro inserido no bioma Caatinga, e por ser esse bioma tão biodiverso e tão pouco conhecido cientificamente, todo e qualquer impacto, seja na fauna ou na flora, tem o potencial de causar graves danos. Dentre os impactos salienta-se nesse artigo, a problemática do comércio ilegal de animais silvestres, já que esse ato tira do ambiente natural muitos animais, levando alguns até a lista de animais em extinção, ou em processo.

A área da pesquisa consiste o município de Itiúba, totalmente inserido no Bioma Caatinga e pertencente à microrregião de Senhor do Bonfim, integranteda mesorregião Centro Norte da Bahia.

Algumas pesquisas recentes relacionadas à comercialização, a caça predatória e a pratica de criação em cativeiros domésticos de animais silvestres, principalmente aves, já foram realizadas na microrregião de Senhor do Bonfim. Segundo Ferreira (2008), em cinco dos municípios dessa microrregião já foi identificado e registrado o comércio ilegal de aves silvestres, entre eles estão: Andorinha, Antônio Gonçalves, Campo Formoso, Jaguarari e Senhor do Bonfim. Dentre esses estudos destacam-se Ferreira (2008) que realizou um diagnóstico do comércio ilegal da avifauna na microrregião de Senhor do Bonfim, BA; Lopes (2010) que realizou levantamento da avifauna e perfil de caça da serra da fumaça, no município de Pindobaçu, BA e Batista (2014) que fez pesquisa investigativa sobre a captura de pássaros silvestres para criação em cativeiro na localidade de Poços, distrito de Campo formoso, BA.

O objetivo dessa pesquisa consiste em investigar a comercialização da fauna silvestre na feira livre da sede do município de Itiúba, Bahia. Especificamente se objetiva: Identificar quais animais silvestres são comercializados na feira livre de Itiúba; Verificar quais, dentre os animais silvestres comercializados, são os mais ofertados; Observar se há diferenças de importância dentre os animais comercializados; Verificar se dentre os animais comercializados existem espécies ameaçadas ou em extinção.

Espera-se, com esse estudo, contribuir para o mapeamento de feiras ilegais de animais silvestres e para o conhecimento dessa prática dentro do Bioma Caatinga.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Área da Pesquisa

A pesquisa foi realizada na sede municipal do município de Itiúba, que possui uma área territorial de 1.722,757 km², população estimada em 2016 de37.500 habitantes, densidade demográfica de 20,96 habitantes por m². Tem economia local baseada na agricultura e pecuária e encontra-se distante cerca de 380 km da capital do estado, Salvador (IBGE, 2017).

O município de Itiúba está situado no semiárido baiano fazendo limites com os municípios de Andorinha, Monte Santo, Cansanção, Queimadas, Ponto Novo, Filadélfia e Senhor do Bonfim. A sede municipal é rodeada por serras, onde predomina uma vegetação caracterizada exclusivamente pela caatinga, essa característica montanhosa contribui para que existam localidades com o bioma ainda preservado (IBGE, 2017).

Segundo dados do IBGE o município foi habitado inicialmente por uma tribo indígena denominada Caricás. Quanto à origem do nome da cidade há algumas versões, tais como, a de que se originou a partir do nome da serra (serra de Itiúba), dando nome ao município. O nome Itiúba foi derivado da expressão Tupi-guarani – tuyba – que significa em português “abelha-dourada”, mas, há também quem informe, dentre os moradores locais, que o nome da cidade tenha derivado da palavra “itiuba”, que na língua indígena quer dizer “água da pedra”.

Por se tratar de uma cidade pequena e distante das localidades que possuem fiscalizações do IBAMA, Itiúba apresenta uma cultura regional muito forte que é a comercialização de animais silvestres na feira livre da cidade. Mesmo tendo conhecimento da ilegalidade dessas praticas as pessoas da cidade e região tem essa atividade como algo normal.

 

Procedimentos

A pesquisa foi desenvolvida na feira livre da cidade de Itiúba BA, no período de abril de 2015 a fevereiro de 2016 compreendendo cinco visitas.

O trabalho foi realizado através de uma pesquisa de campo com levantamento de dados por meio da observação, anotações e registro fotográfico. O método de analise da pesquisa foi o quali-quantitativo. A qualificação se referiu à identificação dos animais pelos nomes populares (auxiliadas pelas fotografias) e relacionadas à ocorrência dessas aves no nordeste, na Bahia e na região de estudo, com base nas bibliografias de Silva et al (2003); Costa (2005); Rocha et al. (2006); Ferreira (2008); Lopes (2010); Batista (2014); Filho (2014). A quantificação se restringiu a contagens de espécies presentes durante as visitas.

Durante as campanhas de campo foram feitas observações gerais sobre o local onde os animais estavam sendo comercializados, executado o registro de fotografias e anotações referentes à localização das gaiolas e acondicionamento dos animais, bem como realizadas observações acerca das espécies que se encontravam no local e dos valores informados aos transeuntes pelos comerciantes.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A feira livre de Itiúba ocorre todos os sábados na Rua Benedito Pinto, especificamente a feira de animais silvestres ocorre na Rua Pedro Batista que se localiza transversalmenteà rua da feira. Nessa área se observam grande fluxo de pessoas transitando e muitas gaiolas e caixas contendo animais silvestres (Figura 1), juntamente com galinhas caipiras.

 

Figura 1. Vistas da feira de animais da sede municipal de Itiúba, Bahia. Nesta se observam as várias gaiolas onde se acumulam aves silvestres. Fotos: Edna Santos.

 

Os animais silvestres comercializados

Na feira livre de Itiúba, durante as cinco visitas realizadas entre abril de 2015 a fevereiro de 2016, foram identificadas a presença do comércio ilegal de animais silvestres. Dentre esses animais observam-se que basicamente que as aves compreendem o total dos animais vendidos.

Os animais exibidos na feira ficam em condições precárias e muitos permanecem expostos ao sol. No que se referem às aves, essas ocupam gaiolas amontoadas umas sobre as outras (Figura 2), superlotadas de animais e muitas vezes contendo várias espécies juntas (Figura 3).

Rocha, et al. (2006) em pesquisa realizada na feira livre de Campina Grande, Paraíba, também observa a presença de grande quantidade de pássaros amontoados em gaiolas e exposição desses animais diretamente ao sol. Gama; Sassi (2008), em pesquisa realizada também na feira de Campina Grande, Paraíba, observam que algumas gaiolas encontram-se lotadas com até mais de 10 pássaros. Vale salientar que na presente pesquisa, na feira de Itiúba, identificou-se a presença de até 16 pássaros em uma mesma gaiola, conforme se pode visualizar na figura 3.

 

Figura 2. Gaiolas de pássaros amontoadas na feira livre de Itiúba, Bahia. Foto: Edna Santos.

 

Figura 3. Gaiola superlotada contendo 16 animais disputando o mesmo espaço. Feira livre de Itiúba, Bahia. Foto: Edna Santos.

 

As aves são os animais mais comercializados em feiras ilegais. Uma pesquisa de revisão de estudos relacionados à caça de animais silvestres no semiárido nordestino realizada por Morais (2014) indica que:

 

No que se refere às aves, identificou-se que esses animais tiveram maior destaque nas bibliografias consultadas, isto pode estar diretamente relacionado à riqueza taxonômica desses animais no Semiárido Nordestino e ao grande interesse das pessoas em criá-los como animais de estimação. Vale salientar, que culturalmente o grupo de aves é um dos mais cobiçados pelas pessoas, e sendo também um dos mais comercializados ilegalmente nas grandes feiras de cidades no Nordeste Brasileiro (MORAIS, 2014, p. 22).

 

Observaram-se durante as visitas, que 19 espécies de aves são comercializadas na feira livre de Itiúba, essas estão distribuídas em oito famílias. Dentre essas aves percebe-se que aquelas pertencentes à Família Emberezidae são as mais encontradas (Tabela 1). Essa família também é identificada por Rocha et al (2006) como sendo a mais comercializada em feiras livres de Campina Grande, Paraíba. Ademais, Pereira; Brito (2005), em estudo realizado em Recife, Pernambuco, bem como Araújo; Gueiros; Amador (2009) em pesquisafeita acerca do tráfico ilegal de aves na região central do Rio Grande do Sul, também chegaram aos mesmos resultados.

De acordo com Borges et al (2006), o fato da família de aves Emberezidae aparecer com maior frequência pode ser explicado, por essa família possuir muitas espécies, por ser abundante nos neotrópicos, por ter boa ocorrência na região amostrada, por possuir alta qualidade canora, por ser relativamente barata e de fácil manutenção.

As famílias Icteridae e Psitacidae são as segundas mais encontradas na feira de Itiúba, depois, da Emberezidae, mas, representadas por apenas duas espécies cada. Especificamente sobre a Família Psitacidae Rocha (2006), informa que essas aves raramente são vistas nas feiras, pois, são mais comercializadas por encomendas, nas residências dos ‘passarinheiros’. Dentro dessa família encontram-se papagaios e periquitos, mas, apenas os periquitos foram observados na feira de Itiúba.

Segundo informações de vendedores da feira, os papagaios também são comercializados, porém, eles trazem apenas por encomenda e que a melhor época que se encontram esses animais é na época da semana santa. Esse dado em especial vem a concordar com o salientado por Rocha et al (2006), conforme já mencionado acerca da família Psitacidae.

Dentro da Família Emberezidae observa-se que as espécies mais vendidas na feira de Itiúba pertencem às espécies do gênero Sporophila (Tabela 1). A preferência por esse gênero também foi observado por Rocha et al (2006), na Paraíba, e por Costa (2005) que estudou o comércio de animais nas feiras livres de Fortaleza. Segundo Rocha et al (2006, p. 210):

 

(...) os exemplares do gênero Sporophila são mais procurados, pois, além de possuírem um belo canto, são de mais fácil manutenção devido ao seu hábito alimentar, que consiste de sementes como alpiste, sendo mais barato e de melhor higienização das gaiolas.

 

Tabela 1. Espécies de aves observadas em cinco visitas entre abril de 2015 a fevereiro de 2016, sendo comercializadas na feira livre de Itiúba, Bahia.

 

 

As espécies mais ofertadas e as diferenças de valores de vendas

Com relação à presença desses animais na feira, durante os dias visitados, se observou que as espécies: Sicalisflaveola (Canário), Cyanoloxia brissonii (Azulão) e Sporophila nigricollis (Papa-Capim) foram as mais recorrentes, ocorrendo todas essas em quatro das cinco visitas realizadas. Essas espécies pertencem a família Emberezidae que de acordo com Borges et al (2006), consistem em família bastante desejada para o tráfico no Brasil por serem aves canoras, passíveis de se tornarem animais de estimação, o que lhes confere ainda alto preço de mercado.

O Icterus jamacaii (Sofrê), pertencente à família Icteridae também foi encontrado durante três visitas realizadas, conferindo, assim, em alta presença na feira.

As espécies mais comumente encontradas nas gaiolas disposta para venda na feira são: Paroaria dominican, (Cardeal), Cyanoloxia brissonii (Azulão) e Sporophila nigricollis (Papa-Capim). Essas aves ocorrem em maior número na feira, basicamente em todas as gaiolas se observa grande quantidade desses animais. Dessas aves, o Sporophila nigricollis (Papa-Capim) foi o que em maior número se encontrou por gaiolas. Vale salientar ainda que esse pássaro também foi um dos três mais presentes por visita, ocorrendo em quatro dos cinco dias de feira visitadas, conforme mencionado.

Com relação ao azulão (Cyanoloxia brissonii) é importante frisar que esta espécie ocorre em vasto trecho do país, nas regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste. A espécie também ocorre em outros países, como Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai e Venezuela. Essas aves têm como habitat áreas de matas, pântanos, formações secundárias espessas e plantações (SICK, 1997, apud FIRMINO et al., 2013). Conforme menciona Firmino et al. (2013) as fêmeas são mais fáceis de serem visualizadas quando comparadas aos machos, pois, esses últimos são muito cobiçados para captura, por apresentarem belo canto e aparência colorida.

A partir das conversas entre vendedores e clientes observou-se que os animais mais caros eram os que existiam em menor número nos locais de captura sendo também os mais difíceis de serem capturados; também se ouviurelatosde que pássaros de bom de canto e de maior beleza são mais disputados. Os preços são assim baseados em dois motivos: (1) beleza e habilidade de canto e (2) pela dificuldade/facilidade de encontrar determinada espécie. Como relatado por Filho (2014), a procura de aves pelos criadores se dá primeiramente pelo canto, segundo pelo hábito alimentar e terceiro pelo habitat natural que facilita à captura.

Os animais mais caros da feira são o Sabiá-coca (Turdus rufiventris), R$ 300,00e o Passo-preto (Gnorimopsar chopi) R$ 200,00 (ver Tabela 1).

Pelo observado na feira a diferença de valores se dá através dopotencial canoro que cada ave possui e da beleza da plumagem, e que os machos são os mais bonitos e de melhor canto. Rocha et al (2006), chama a atenção exatamente para essas características e salienta que as aves machos são as mais valorizadas e consequentemente as mais procuradas já que possuem habilidade sonora superior à das fêmeas.

 

Animais comercializados e riscos para perda da biodiversidade

Nenhuma das espécies encontradas na feira livre de Itiúba está presente na lista de animais com riscos de extinção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, 2014).

No entanto, apenas não estar listada como espécie em risco de extinção não é motivo para se despreocupar da fauna catingueira. Outras questões a serem observadas se referem à relação dessa fauna com o habitat e a sensitividade com relação aos distúrbios humanos aos ambientes naturais. Sobre esse aspecto da sensitividade observa-se o que está relatado em Silva et al. (2003), acerca de espécies da Caatinga. A seguir descreve-se a sensitividade ambiental de algumas das espécies comercializadas na feira de Itiúba, segundo descritas em Silva et al. (op cit.). As espécies Cyanocorax cyanopogon (Cancão) e Icterus cayanensis (Pêga), são, segundo Silva et al. (op cit.), semidependentes quanto ao uso do habitat, compreendendo espécies que ocorrem nos mosaicos formados pelo contato entre florestas e formações vegetais abertas e semiabertas. Além disso, essas espécies apresentam média sensitividade aos distúrbios ambientais efetuados pelos seres humanos.

Embora de baixa sensitividade aos distúrbios humanos aos ambientes, as espécies Coryphospingus pileatus (Galo-de-Campina) e Icterus jamacaii (Sofrê), também são, segundo Silva et al. (2003), semidependentes com relação ao uso do habitat.

A Sporophila albogularis (Coleira)é independente do ponto de vista do uso do habitat, ou seja, consiste em espécie associada apenas a vegetações abertas, contudo, apresenta média sensitividade aos distúrbios humanos gerados ao ambiente.

Na Caatinga,o gênero Sicalis apresenta espéciesindependentes do ponto de vista do uso do habitat, contudo, algumas espécies apresentam média sensitividade aos distúrbios humanos gerados ao meio ambiente.

Nesse sentido, além do levantamento dessa fauna comercializada, interessa do ponto de vista da gestão do ambiente local, se observar até que ponto os ambientes naturais estão sendo modificados, já que grande parte das aves investigadas apresenta semidependência aos habitats e média sensitividade aos distúrbios humanos ao ambiente.

Outro aspecto a ser observado é quanto à presença de espécies de alto interesse ecológico, como a Sporophila lineola (Bigodinho). De acordo com Silva (1995, apud SILVA et al., 2003) as populações nordestinas de Sporophila lineola apresentam movimentos migratórios regulares de longas distâncias para outras regiões, já que durante as épocas de seca migram através da Amazônia Oriental para os Llanos da Venezuela, em um dos mais interessantes padrões migratórios existentes na América do Sul.

Embora as espécies estudadas não estejam na atual lista do ICMBio, conforme já mencionado, a caça ilegal e sem controle é muito arriscada do ponto de vista do manejo dessas populações silvestres. Conforme o Relatório RENCTAS de 2016:

 

Nunca tentou-se trabalhar com as comunidades rurais que capturam aves nos sertões do Nordeste do País para alcançar opções de manejo legal de populações silvestres, de forma a criar vínculos de aproximação entre produtores e consumidores numa região onde a pobreza é alta, e a agricultura e a pecuária de cabras têm impactos ambientais elevados, que resulta na ampliação dos cinturões de pobreza nas cidades (RENCTAS, 2016, 584).

 

Assim, vale salientar que estudos sobre como as pessoas lidam com o meio ambiente e consequentemente com os animais que ali habitam, podem contribuir para a preservação de populações de animais silvestres.

 

CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado pode-se concluir que:

A feira de animais da sede municipal de Itiúba comercializa ilegalmente animais silvestres e que dentre os animais comercializados as aves são as mais comuns.

As aves comercializadas pertencem a 18 espécies inseridas em oito famílias, uma ave não foi identificada.

Dentre as aves comercializadas, a família Emberezidae é a mais frequente na feira e dentro desta destaca-se para o comércio, o gênero Sporophila.

Existem valores diferenciados para venda das aves e dentre essas o Passo-preto e o Sabiá são os mais caros, pois são muito canoros.

Dentre os animais comercializados na feira de Itiúba, nenhuma das espécies identificadasintegram a lista de animais ameaçados de extinção do ICMBio 2014, contudo, algumas aves são de interesse ecológico e outras ainda são sensíveis a ação humana aos ambientes naturais.

Por fim, destaca-se a necessidade de ações educativas no município, voltadas à conservação da fauna silvestre e do ambiental local, bem como políticas públicas voltadas ao manejo do ambiente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ARAÚJO, T. de M.; GUEIROS, M.D.; AMADOR, M. B. M.. Comercialização de aves silvestres nas feiras livres de Garanhuns – PE. IX Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão – JEPEX, 2009, Recife. Disponível em: Acesso em: 01 de jun. 2016

 

BATISTA,J.dos S.. Estudo investigativo sobre a captura de Pássaros silvestres para criação em cativeiro na Localidade de Poços, Distrito de Campo Formoso, BA. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade do Estado da Bahia.

 

BORGES, R. C.; OLIVEIRA, A. de; BERNARDO, N.; COSTA, R. M. M. Cda. Diagnóstico da fauna silvestre apreendida e recolhida pela Polícia Militar de Meio Ambiente de Juiz de Fora, MG (1998 e 1999). Revista Brasileira de Zoociências, v. 8, n. 1, p. 23-33, 2006.

 

BRANDON, K.; FONSECA, G.A.B; RYLANDS, A.B. e SILVA, J.M.C.. 2005. Conservação Brasileira: desafios e oportunidades. Megadiversidade. 1:7-13.

 

COSTA, R. G. A. Comércio Ilegal de Aves Silvestres em Fortaleza, Ceará. Atualidades Ornitológicas, n.125, 2005. p. 3.

 

EFE, M. A. Guia Prático do observador de Aves. Porto Alegre; Associação Brasileira para Conservação das Aves, (PROAVES), Rede Plaza de Hoteis. 1999.

 

FERREIRA, M. de C.. Diagnóstico do comércio ilegal da avifauna na microrregião de Senhor do Bonfim/BA – análise decenal e situação atual. Monografia, 44 f. Curso de Licenciatura em Ciências com habilitação em Biologia, Universidade do Estado da Bahia – Campus VII. 2008.

 

FILHO, L. B. T.. Levantamento dos métodos de criação e comércio de aves silvestres no município de Patos – PB/Brasil.Monografia 44 f. submetida ao curso de Medicina Veterinária como requisito parcial para a obtenção do grau de Médico VeterinárioUniversidade Federal de Campina Grande, Centro de Saúde e Tecnologia Rural Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária Campus de Patos – PB 2014.

 

FIRMINO, M. de O.; SIQUEIRA, R. A. S.; LUNA, A. C. de L.; CAVALCANTE, T. A.; GUERRA, M. V. S. de F.; GUERRA, R. R.. Biometria externa, avaliação corpórea e morfologia do canal alimentar de azulão (Cyanoloxia brissonii cyanoides, Lichtenstein, 1823). Revista AGROTEC – v. 34, n. 1, p 1–8, 2013.

 

GAMA, T. P.; SASSI, R.. Aspectos do comércio ilegal de pássaros silvestres na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Gaia Scientia. 2008, 2(2): p. 01 – 20.

 

GIOVANINI, D.. Primeiro Relatório Nacional Sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. Brasília: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais – RENCTAS, 2002. 108p.

 

GRELLE, C. E. V.; PINTO, M. P.; MONTEIRO, J.; FIGUEIREDO, M. S. L. Uma década de Biologia da Conservação no Brasil. III CLAE e IXCEB, 10 a 17 de Setembro de 2009, São Lourenço – MG, p: 1-15.

 

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: . Acesso em: 03 de abr. 2017.

 

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, lista de espécies ameaçadas de extinção, 2014. Disponível em: Acesso em: 01 de jun. 2016.

 

LEWINSOHN, T.M.; PRADO, P.I. 2002. Biodiversidade Brasileira: síntese do estado atual do conhecimento. São Paulo: Editora Contexto. 176p.

 

LOPES, C. M. A. S.. Levantamento da avifauna e perfil de caça da serra da fumaça, Pindobaçu, Bahia, Brasil. Monografia, 62 f. Curso de Licenciatura em Ciências com habilitação em Biologia, Universidade do Estado da Bahia – Campus VII. 2010.

 

MORAIS, R. da S.. Revisão de estudos etnozoológicos sobre a caça de animais silvestres no semiárido nordestino. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade do Estado da Bahia.

 

PEREIRA, G. A.; BRITO, M. T. de. Diversidade de aves silvestres brasileiras comercializadas nas feiras livres da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco. Atualidades Ornitológicas, N. 126 – JUL/AGO DE 2005.

 

RENCTAS. Primeiro Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. 108 p. 2014. Disponível em: Acesso em: 03 de jun. 2016.

 

RENCTAS. Primeiro Relatório Nacional sobre gestão e uso sustentável da fauna silvestre. 1ª edição, abril de 2016. Disponível em: Acesso em: 02 de jun. 2016.

 

REZENDE, L. F. C. de. Análise e modelagem de ecofisiologia da espécie Poincianellamicrophylla da Caatinga em campo e sob condições de alta concentração de CO2 / Luiz Felipe Campos de Rezende. – São José dos Campos: INPE, 2015. Disponível em: Acesso em: 01 de jun. 2016.

 

ROCHA, M. da S. P. Aspectos da comercialização ilegal de aves nas feiras livres de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Revista de Biologia e Ciências da Terra. Volume 6– Número 2 – 2º Semestre 2006, p: 204-221.

 

ROCHA, M. da S. P.; CAVALCANTI, P. C. de M.; SOUSA, R. de L.; ALVES, R. R. da N.. Aspectos da comercialização ilegal de aves nas feiras livres de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Revista de Biologia e Ciências da Terra. Volume 6– Número 2 – 2º Semestre 2006, p: 204-221.

 

SILVA, J. M. C. da; SOUZA, M. A. de; BIEBER, A. G.D.; CARLOS, C. J.. Aves da Caatinga: status, uso do habitat e sensitividade. Ecologia e conservação da caatinga – Capítulo 5. / editores LEAL, I. R.; TABARELLI, M., da SILVA, J. M. C.. – Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003.

Ilustrações: Silvana Santos