Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Entrevistas
ENTREVISTA COM PROFESSOR RAGE WEIDNER MALUF PARA A EDIÇÃO DE NÚMERO 73 DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO por BERE ADAMS Apresentação – O entrevistado desta edição é a Professor Rage Weidner Maluf, que mora em Morro Reuter, é biólogo, Ms. em botânica, e atualmente é professor na Universidade Feevale. Atua nas áreas de ecologia, botânica e educação ambiental (com projetos de extensão na Feevale) e é agroagricultor. Vamos conhecer um pouco mais das suas experiências?
Rage Weidner Maluf – Fotografia de arquivo pessoal do professor Bere – Olá Professor Rage, é uma grande satisfação tê-lo como nosso entrevistado e, desde já, agradecemos muito por aceitar o convite para esta entrevista. Inicio te perguntando: Como surgiu o interesse pelo meio ambiente e como foi o início desta trajetória? Professor Rage – Olá Berenice é um grande prazer, poder conversar contigo sobre uma área tão instigante. Eu diria que o meu interesse pelo meio ambiente, já iniciou quando eu era criança. Eu era um apaixonado (ainda sou) por “bichos” (não somente pets), catava casulos de borboletas, para ver estas “nascendo” na sua nova fase. Criei aranha caranguejeira, acompanhava a metamorfose dos girinos, etc. Tive sorte porque, apesar de morar em Porto Alegre, existiam grandes terrenos baldios em torno do prédio onde morava. Estes terrenos chegavam a atravessar de uma rua a outra, e ali foi o meu pátio, onde eu, meus irmãos e amigos passávamos muitas horas do dia nos divertindo. Era um terreno com muitas árvores frutíferas, então, já comecei comendo fruta do pé. O interesse pela botânica veio um pouco mais tarde, mas não muito, logo comecei a buscar mudas de plantas e cultivá-las em casa. Bom, a partir daí, dá prá se ter uma ideia da continuidade da história. Bere – Realmente o contato com a natureza, desde a infância, é importantíssimo para que possamos nos sentir integrados ao meio. Ter uma infância assim é um privilégio, Professor Rage. E o que mais te marcou neste percurso inicial? O que te motivou? Professor Rage – Acho que o verdadeiro biólogo já nasce biólogo. Vejo muito, nas conversas com meus alunos da biologia, que passaram por processos muito semelhantes, em relação a esta paixão, a curiosidade, o sentido da observação. Mas lembro, que o interesse pelas plantas, foi motivado, sobretudo, por um irmão mais velho que eu, o Rachid, que tinha também esta paixão pela natureza. Meus primeiros acampamentos foram com ele, eu ainda piá. Sempre digo, quanto mais conhecemos o meio ambiente, mais aprendemos a respeitá-lo. Bere – Você vem transformando a sua propriedade em um verdadeiro laboratório vivo de projetos e experiências. Conte-nos como está sendo este processo, de onde partiu a ideia? Professor Rage – Isso é um sonho realizado. Quando comprei o sítio, sempre tive a intensão de tornar a área, uma área de conservação. Atualmente, fazem 23 anos que a tenho e, desde lá, uma boa parte (mais de 80%) é intocada, deixo ali, a natureza agir. No curso de biologia, estamos sempre buscando locais para os alunos fazerem suas pesquisas. Em um determinado momento, não lembro ao certo quando, o ex-coordenador do curso, prof. Marcelo Barros, me propôs usar a área do sítio para investigações pelos alunos. E a partir daí uma quantidade de pesquisas foram realizadas ao longo dos anos. Já teve alunas e alunos trabalhando com levantamento de macrofauna edáfica (do solo), decomposição de serapilheira. Há bastante tempo uma aluna trabalhou com levantamento de aves e, agora, mais recentemente, quando a área se encontra em um avançado grau de regeneração, uma outra aluna fez um novo levantamento. E os resultados foram ótimos, pois aumentou significativamente o número de aves, no decorrer dos anos (salientando que é um grupo indicador de qualidade ambiental). Tem uma pesquisa atualmente ocorrendo, com levantamento de mamíferos. Ainda, realizamos várias saídas de campo aqui para o sítio com turmas de disciplinas do curso de biologia. Outro projeto, que aconteceu, também, foi o de trilhas.
Recebíamos grupos de adultos e crianças para realização de trilhas em diferentes níveis de dificuldade. Nesta época, vinham grupos que faziam rapel e escalada também. Nos fundos do sítio tem um peral, com paredões de rocha. O Sítio das Canjeranas, ficou bem conhecido pelo público que aprecia este tipo de turismo, inclusive o Sítio está dentro das rotas turísticas de Morro Reuter. Fizemos concursos de fotografia, saraus, enfim, eram momentos de encontros e muitas trocas. Nossas trilhas, principalmente com as crianças, eram direcionadas a atividades, onde trabalhávamos os sentidos, a observação, a expressão da criança.
Bere – Quais resultados destes projetos você destacaria? Professor Rage – Principalmente a realização pessoal, por estar proporcionando, às pessoas, momentos de relaxamento, longe das conexões tecnológicas (na época não tinha internet no sítio), momentos em que as pessoas tinham suas conexões voltadas para a natureza (sabemos que todos precisamos disso, mas nem sempre temos acesso).
Bere – Impossível deixar de lhe perguntar, Professor Rage, quais foram os maiores desafios enfrentados? Professor Rage – No início, eu fazia tudo absolutamente sozinho, chegava da faculdade em torno das 23 hs (dou aula à noite) e ia tratar animais, seja qual fosse o clima. Durante a semana, fazia mais uma manutenção, e nos finais de semana sim, pegava pesado, capinando, roçando, plantando, etc. O morar sozinho e isolado, nunca foi um problema para mim, sempre fui um cara um pouco antissocial, aprendi, com o tempo, a lidar melhor com a humanidade. Bere – O seu espaço é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)? Professor Rage – Ainda não, este é um próximo passo a ser dado, e nisso, os trabalhos dos alunos tem me ajudado muito, pois para transformar uma área em RPPN se faz necessário criar um plano de manejo onde constem referências a respeito da flora e fauna do local.
Bere – Quem são os envolvidos nos seus projetos? Você tem apoio para desenvolvê-los? Professor Rage – Na época das trilhas, tinham duas alunas e um aluno da biologia, que nos associamos para realização do projeto. A medida que eles foram se formando no curso e partiram para a vida, acabei tendo que parar com este projeto, pois sozinho é inviável. Porém, justamente esta semana, uma empresa de turismo ecológico chamada “Mundo Adentro”, de amigos que vinham fazer trilhas naquela época, entrou em contato para voltarmos com as atividades. Provavelmente teremos novidades, em breve. Bere – Que maravilha! Este reconhecimento e a ampliação de parcerias é animador, já que estamos enfrentando uma verdadeira avalanche de problemas ambientais (entre outros), o que sinaliza que é preciso unir esforços. Ainda há falta de consciência e muita desinformação em relação às questões ambientais em geral. Você acha que a Educação Ambiental pode colaborar para uma mudança de atitudes mais efetiva? Professor Rage – Berenice, eu acho que a Educação Ambiental é a única forma de mudarmos esta concepção de vida que a sociedade como um todo vem se baseando. Se não mudarmos a forma como vivemos, e isso se refere a quase tudo, o olhar sobre as coisas, as atitudes, o dar valor ao que realmente tenha valor, deixarmos de viver uma vida supérflua, e muitas vezes fúteis, onde o consumismo exacerbado é a base da economia, o nosso futuro, como humanidade, estará em sérios perigos. E esta tomada de consciência só vai acontecer a partir da população passar a ter conhecimento do fluxo sistêmico da natureza. Precisamos conhecer, para, daí sim, nos sensibilizarmos. E este é o principal papel do qual a Educação Ambiental se propõem. Bere – Você vem restaurando áreas degradadas da sua propriedade há anos. Quais resultados você poderia destacar deste trabalho? Professor Rage – Na verdade, uma boa parte da área, eu simplesmente deixei de interferir, e permiti que a natureza por si só fizesse a sua parte. Claro que sempre contribuí plantando espécies nativas. Em locais no sítio onde existia silvicultura de acácia negra, após esta ser retirada - ainda pelo antigo dono - eu iniciei um processo de agrofloresta, plantando principalmente araucárias e erva mate. Estas áreas, hoje, se encontram em um grau de regeneração bastante avançado. A natureza é muito sábia e resiliente, basta darmos chance e tempo para que ela se renove. Bere – E qual é a sensação de perceber e sentir a diferença, o antes e o depois deste trabalho que ainda prossegue? Professor Rage – Sobretudo um orgulho enorme. Hoje eu percebo que minha conexão com este lugar é muito forte. Ver que a vegetação vem se regenerando e junto com ela a fauna ter retornado, me inspira, e me dá uma energia ainda maior para continuar lutando por mundo melhor e, apesar de tudo, não desistir. Bere – Há outros projetos a serem postos em prática? Professor Rage – Sim, este ano, apesar de todos os acontecimentos mundiais, devido a pandemia, das tristezas pelas vidas perdidas, de um governo de descaso com o meio ambiente e com a população, passei a fazer parte do grupo de Ecoprodutores de Morro Reuter, onde eu conheci pessoas maravilhosas que acreditam em mudanças nesta forma de ser da sociedade, que me referi a pouco. Este grupo produz alimentos agroecológicos e, alguns integrantes, já conquistaram a certificação de produtores orgânicos. Ainda, como falei há pouco, as atividades de trilhas, educação ambiental e lazer irão reiniciar em breve, aqui no Sítio das Canjeranas. Bere – Deixa, por gentileza, uma mensagem, pode ser uma palavra, uma frase, algo que nos motive a seguir nesta caminhada tão bela e, por vezes, tão desarticulada que é a de buscar mais equilíbrio e sustentabilidade ambiental. Professor Rage – O ser humano pode ter se desconectado da natureza, porém, ele é parte dela. Se nos propormos a vivermos em equilíbrio com o meio e com nós mesmos, certamente poderemos novamente encontrar esta conexão. Basta querer. Bere – Professor Rage, somos muito gratos por podermos compartilhar experiências tão enriquecedoras, desenvolvidas com tanta garra e comprometimento com a vida como um todo. Parabéns! Desejamos-lhe cada vez mais sucesso em todos os seus projetos e para todos os envolvidos. Uma verdadeira inspiração para todos nós! Muito obrigada!
Imagens – arquivo pessoal do Professor Rage / fotógrafo Hiago Neuberger Contatos com Professor Rage Weidner Maluf: ragewm@hotmail.com
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