CANÇÕES
PARA O SOLO: A POPULARIZAÇÃO PELA ECOMUSICOLOGIA
Adriana
de Fátima Meira Vital1,
Regiane Farias Batista2,
Vanessa dos Santos Gomes3
1
Doutora
em
Ciência do Solo. Universidade Federal da Paraíba –
Campus Areia/PB (UFPB). Professora da Universidade Federal de Campina
Grande - UCFG/campus Sumé, Paraíba Brasil. Líder
do Grupo de Pesquisa de Educação em Solos. E-mail:
vital.adriana@gmail.com
2
Mestranda
em Ciência do Solo. Universidade Federal da Paraíba –
Campus Areia/PB (UFPB). Tecnóloga em Agroecologia.
Universidade Federal de Campina Grande, UFCG/ campus Sumé,
Paraíba Brasil. E-mail: regiane.2594@gmail.com
3Mestre
em
Ciência do Solo. Universidade Federal da Paraíba –
Campus Areia/PB (UFPB). Graduada em Tecnologia em Gestão
Ambiental. Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia da Paraíba – Campus João Pessoa/PB
(IFPB). Pesquisadora voluntária no grupo de Pesquisa de
Educação em Solos – UCFG/ campus Sumé,
Paraíba Brasil. E-mail: vanessa.gestao.ifpb@gmail.com
Resumo
Pelo
apelo emocional que causa, a música exerce importante
contribuição para sensibilizar as pessoas sobre os
recursos naturais, podendo representar um meio poderoso de aumentar a
visibilidade e a conscientização do público
sobre o meio ambiente. Muitos compositores têm tido
sensibilidade de relacionar temas relativos à Natureza em suas
canções, apesar disso, esta forma de cultura ainda não
é um método comumente usado para informar, orientar e
educar estudantes, professores, agricultores e as pessoas de modo
geral, sobre as preocupações com o solo, recurso tão
frágil e complexo, e ao mesmo tempo extraordinariamente
fundamental à vida. Objetivou-se refletir sobre a relação
solo-cultura a partir das letras de músicas do universo de
Luiz Gonzaga que abordam direta ou indiretamente o solo, como
possibilidade de popularização do solo nas escolas. A
pesquisa bibliográfica recorreu ao site oficial do músico
para analisar os termos solo, terra, chão e campo nos versos.
Verificou-se que as músicas gravadas e cantadas pelo artista
revelavam sua inquietação com o ambiente e com o trato
com a terra, expressando com muita originalidade a cultura nordestina
e difundindo com sua voz, a realidade das terras dos sertões e
cariris, sendo importante estratégia pedagógica a ser
utilizada em sala de aula para dialogar sobre o solo.
Palavras-chave:
Educação em Solos, Conhecimento popular do solo, Solo
na música, Ciência sociocultural do solo.
Abstract
Due
to the emotional appeal it causes, music makes an important
contribution to raise people's awareness of natural resources and can
represent a powerful means of increasing public visibility and
awareness of the environment. Many composers have been sensitive to
relate themes related to Nature in their songs, despite this, this
form of culture is not yet a method commonly used to inform, guide
and educate students, teachers, farmers and people in general, about
concerns with the soil, such a fragile and complex resource, and at
the same time extraordinarily fundamental to life. The objective was
to reflect on the soil-culture relationship based on the lyrics of
songs from Luiz Gonzaga's universe that directly or indirectly
address the soil, as a possibility of popularizing the soil in
schools. The bibliographic search used the musician's official
website to analyze the terms soil, earth, ground and field in the
verses. It was found that the songs recorded and sung by the artist
revealed his concern with the environment and with his dealings with
the land, expressing the northeastern culture with much originality,
and spreading with his voice the reality of the lands of the sertões
and cariris, being an important pedagogical strategy to be used in
the classroom to talk about the soil.
Keywords:
Soil Education, Popular Soil Knowledge, Soil in Music, Sociocultural
Soil Science.
1
Introdução
O
solo é o mais básico de todos os recursos naturais. É
a
base da vida em
nosso planeta (PRIMAVESI, 2003). Historicamente a humanidade sabe que
este recurso tem apoiado o crescimento das plantas para suprir as
necessidades básicas dos povos, principalmente na forma de
alimentos, rações, fibras e combustíveis. Mas o
solo faz muito mais: o solo é também o habitat de
inúmeras formas de vida (mega, macro, meso e micro), o
reservatório da água e dos nutrientes e base para
estrutura de engenharia, material de construção e
matéria-prima para produtos industriais que tornam a vida
humana mais prazerosa. Os recentes avanços nas ciências
agronômicas associam ainda inúmeros outros serviços
ecossistêmicos do solo para a civilização
moderna: grande repositório de germoplasma que contém
um vasto conjunto genético de flora e fauna, geomembrana para
desnaturar, filtrar e proteger contra poluentes naturais e
antropogênicos, moderador do ambiente, meio para inúmeras
transformações bioquímicas e físicas e,
por ser considerado o maior reservatório de carbono do nosso
ecossistema, o solo contribui com a regulação da
composição dos gases da atmosfera (LAL, 2016). Existem
ainda as funções culturais, arqueológicas e
estéticas do solo (BLUM, 2006).
Pelos
serviços essenciais que fornece à sociedade, é
preciso dar um valor radical a compreensão do solo, ou seja,
que se desenvolvam estratégias para que as pessoas de modo
geral, e não somente cientistas do solo, se aproximem mais
desse recurso, acessando conhecimentos básicos, para
compreender a importância que o solo exerce para manutenção
de vida de todos. Somente a partir daí, será possível
o desenvolvimento de posturas saudáveis e atitudes
sustentáveis que mantenham a qualidade e a fertilidade do
solo.
Inúmeras
funções do solo e serviços ecossistêmicos
dependem de sua fertilidade e dinâmica. As melhorias na saúde
do solo, juntamente com o aumento na disponibilidade de água e
nutrientes, aumentam a resiliência do solo contra eventos
climáticos extremos (por exemplo, seca, onda de calor) e
confere atributos supressores de doenças. O aprimoramento e a
manutenção da saúde do solo também são
pertinentes para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da ONU, como aliviar a pobreza, reduzir a fome,
melhorar a saúde e promover o desenvolvimento econômico
(FAO, 2015).
Importante
considerar que várias civilizações antigas,
incluindo a ascensão e queda de civilizações na
Europa, Ásia e Américas, foram baseadas na destruição
de seus recursos de solo anteriormente férteis e produtivos
por uma demanda cada vez mais alta devido ao aumento das pressões
populacionais (HYAMS, 1976; HILLEL, 1992; HENEGHAN et al., 2008).
Para
se ter um solo sadio é preciso cuidar bem, utilizando-o de
maneira equilibrada e adotando-se práticas conservacionistas
que minimizem os impactos comuns e peculiares ao processo de existir
da criatura humana.
Cuidar
do solo significa também considerar e valorizar os fazeres e
saberes acumulados pela experiência do povo camponês
sobre o trabalho com a terra, o conhecimento dos solos, das sementes,
dos adubos orgânicos e suas aplicações.
É
preciso reconhecer que a popularização do solo é
urgente e deve ter início desde as primeiras séries de
ensino. Popularizar o tema ‘solo’ é absolutamente
relevante, não apenas para atrair jovens para carreiras na
ciência do solo, mas também para dar aos leigos no
assunto a chance de descobrir e aproveitar 'a terra sob seus pés'.
Uma
compreensão maior do solo talvez seja mais importante do que
qualquer outra parte de um ecossistema terrestre, porque todos
geralmente dependem do solo para fornecer os recursos necessários.
Mas
é preciso que a ciência do solo se popularize,
abrangendo o entendimento da coletividade, com o conhecimento saindo
das prateleiras das bibliotecas, em linguagem de fácil
compreensão, como comentou o eminente professor Hans Jenny, do
Departamento de Ciência do Solo da Universidade da Califórnia
em Berkeley: " Nós, pesquisadores do solo, usamos uma
linguagem que não tem vida. Nossas descrições do
solo são totalmente entediantes para os agricultores,
pecuaristas, silvicultores, esportistas e iniciantes que deveriam
lê-los." (STUART; JENNY, 1984).
É
preciso que a ciência do solo deixe seu isolamento intelectual
e passe a formular ideias empolgantes sobre os solos e suas relações
com as pessoas, de modo a popularizar conceitos e informações
sobre o solo, tocando o coração de crianças e
jovens nas escolas, que serão os futuros tomadores de decisões
e usuários do solo, e, sensibilizando os adultos para que
tenham um olhar de afetividade sobre este recurso complexo, dinâmico
e finito, adotando práticas conservacionistas e manejando de
forma sustentável, para que seja mantida sua qualidade e
fertilidade, de modo a que este grande organismo cumpra suas funções
ecossistêmicas para a manutenção da vida de
todos.
Dentre
inúmeras estratégias pedagógicas para
popularizar o solo, a música pode contribuir de forma bastante
efetiva, pelo apelo emocional e pela forma de apresentar os assuntos
e conteúdos, numa abordagem poética e emotiva.
De
modo geral há uma escassez acentuada de trabalhos investigando
como o recurso do solo foi representado na música popular.
Esta é uma situação paradoxal, já que
muitos trabalhos reconhecem a importância da música, não
apenas para os aspectos cotidianos da vida, mas também para as
atividades profissionais do ser humano. O trabalho objetivou lançar
um olhar sobre algumas músicas do universo de Luiz Gonzaga e
refletir sobre a relação solo-cultura a partir das
letras como possibilidade de popularização do solo em
atividades pedagógicas nas escolas.
2
Desenvolvimento
2.1
A música como estratégia para popularização
do solo
O
solo é musical, é obra de arte, implica conexões
ocultas que vão além das informações
científicas e pode ser uma preocupação presente
nas letras das músicas, de modo a alertar as pessoas.
Historicamente a música inspirou compositores e cantores a
dedicar seus versos ao solo, mostrando-nos uma maneira totalmente
diferente pela qual um recurso tão frágil pode ser
representado na arte da música, como nas culturas dos povos
Maia (WELLS; MIHOK, 2009) e da Sardenha (CAPRA et al. 2015, 2016),
cujas estórias em forma de cânticos foram usados para
transmitir conhecimentos sobre de como cuidar do solo.
Durante
a década de 1950, na antiga União Soviética, os
Pochveniks, ou 'poetas do solo', pertencentes ao círculo da
União Literária, desenvolveram um gênero
conhecido como canções 'geológicas' (BELASKY,
2010).
Em
1959, o cantor country Johnny Cash lançou seu primeiro álbum
'Songs of our Soils’, no qual várias músicas
relacionam a relação sincera entre a vida humana e os
solos (CAPRA et al, 2017).
O
solo também retratado pelo notável geógrafo e
cientista do solo Francis D. Hole, um dos primeiros cientistas do
solo a entender profundamente a importância da música
para a ciência do solo, onde procurou exaltar as glórias
e os mistérios do solo (HOLE, 1985,1989, 2001).
É
preciso atentar para a forma de abordar e transmitir conhecimento
sobre o solo quando se pensa na popularização.
Cientistas do solo estão principalmente conectados à
temática no que se refere a sua alocação
geográfica, limites espaciais, propriedades físico-químicas,
morfologia, biologia, classificação e outras
características tangíveis, como qualidades primárias.
Para os compositores e músicos as qualidades secundárias
ou os 'aspectos culturais' e as maneiras pelas quais esse recurso é
percebido, representado e vivido, ou seja, nas diversas conexões
da vida humana cotidiana são a verdadeira preocupação
(DESCOLA, 2010).
2.2
O Solo na música do rei do baião
Luiz
Gonzaga do Nascimento nasceu em 13 de dezembro de 1912, na Fazenda
Caiçara, em Exu, distante 603 Km da capital pernambucana e
faleceu em 02 de agosto de 1989, em Recife. Conhecido como Rei do
Baião ou Gonzagão gravou 627 músicas em 266
discos: 53 músicas de sua autoria, 243 de sua autoria com
parceiros e 331 de outros compositores.
Compôs
e cantou com muita originalidade a cultura nordestina, evidenciando
em suas canções o amor a terra, os roçados, a
paisagem caatingueira a se estender imensa em contraste com o azul do
céu, a açudagem, os animais como o jumento, o bode, e
as paisagens marcadas por processos erosivos e de solo ressecado como
cenário natural e cultural da região Nordeste do
Brasil.
3
Metodologia
A
pesquisa exploratória teve caráter qualitativo por meio
de revisão integrativa de literatura. Para Lüdke; André
(1986) a abordagem qualitativa possui as seguintes características
básicas: 1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como
sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal
instrumento. 2. Os dados coletados são predominantemente
descritivos. 3. A preocupação com o processo é
muito maior do que com o produto. 4. O “significado” que
as pessoas dão às coisas e à sua vida são
focos de atenção especial pelo pesquisador. 5. A
análise dos dados tende a seguir um processo indutivo. Os
pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que
comprovem hipóteses definidas antes do início dos
estudos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11-13). Para
operacionalizar a pesquisa, utilizaram-se as palavras-chaves “solo
– terra – chão – campo”.
4
Resultados e discussão
As
letras das músicas selecionadas salientam elementos muito
comuns ao povo do sertão e cariri nordestinos e contribuem
para a evidenciar aspectos da paisagem natural dessas regiões.
Embora a palavra solo não seja mencionada em nenhuma das
músicas, há nos versos destas um paralelo entre solo,
terra e chão.
A
primeira canção selecionada é “Erosão”
– de composição de Walter Santos e Tereza Santos,
lançada no LP "Som Brasileiro do Bamerindus",
gravada em 1981 na voz de Gonzagão. A música evidencia
preocupação por alertar as pessoas para o grande
problema da degradação dos solos do Nordeste brasileiro
como consequência da erosão.
A
letra da música é, a começar pelo título,
uma narrativa sobre a erosão dos solos da região. Ao
longo dos versos da canção, o cantor explora
detalhadamente o sofrimento da terra com a erosão, cuja
presença, maltratando o solo, passa a inviabilizar a produção
agrícola, empobrecendo o povo do campo e a vida no sertão.
A
erosão é um fenômeno complexo: naturalmente
causado pelo desgaste dos solos em virtude da ação dos
agentes exógenos de transformação do relevo,
como as características geológicas e geomorfológicas,
os tipos de solos, os ventos, o clima e a vegetação,
pode se intensificar graças à ação
antrópica que modifica as condições naturais de
cada um deles. (LIMA; OLIVEIRA, 2012; OLIVEIRA et al., 2018). Os
vocábulos identificados na análise da música,
usados para chamar a atenção para o problema são
terra e chão.
Há
um alerta e um chamamento para que as pessoas se unam em defesa do
solo ‘no mutirão para acabar com as rachaduras da
erosão’. Comum nos ambientes camponeses o mutirão
caracteriza-se como ajuda entre vizinhos, seja em caso de doença
ou na troca de dias de trabalho, evidenciando importantes formas de
cooperação (LACERDA; MALAGODI, 2007) ou, como sustentam
Abramovay (1981) e Sabourin (2009) o princípio da
reciprocidade inerente a essa forma de ajuda mútua, que
impulsiona os camponeses a mobilizarem os seus próprios
esforços para um objetivo comum – fundamento de uma ação
coletiva.
Nos
versos finais o cantor mostra que solo sem erosão é
solo protegido e faz referências indiretas ao jeito certo de
cuidar e proteger a terra.
Erosão
Ainda
hei de ver um dia
A
minha terra sem a praga da erosão
Ai!
Quem me dera se eu pudesse
Se
Deus Deus me desse uma atenção
E
ajustasse todo o povo
No
mutirão para acabar com a erosão
Ainda
hei de ver um dia
De
novo o verde
Se
espalhar no meu sertão
A
erosão parece uma serpente
Rachando
a terra, devorando o chão
E a
riqueza que era da gente
Vai
toda embora com a erosão
Por
isso, agora estou aqui cantando
Chamando
o povo pra esse mutirão
Vamos
minha gente, salvar nossa terra
Das
rachaduras da erosão
No
meu pedacinho de chão
Não
tem perigo de erosão
Eu
aprendi o jeito certo
De
proteger a terra e a minha plantação
Ai,
minha gente, que fartura
Tanta
riqueza se espalhando pelo chão
É
macaxeira, jerimum caboclo; batata-doce, melancia e melão
Feijão
de corda se enroscando em tudo
Dá
gosto de ver minha plantação
Lá
no açude, a água tão limpinha
Espelha
o verde e a criação
É
tão bonito este meu pé-de-serra
Com
a terra livre da erosão (SANTOS; SANTOS, 1981).
A
preocupação com a degradação do solo da
região se repete na música “Xote Ecológico”,
de autoria de Gonzagão e Aguinaldo Batista, lançada em
1989, no disco ‘Vou te matar de cheiro’. A degradação
do solo é retratada logo nos primeiros versos, onde fica clara
a angústia pela consequência da poluição
do solo. O apelo feito se estende ao cuidado com as florestas, quando
o nome do ambientalista morto em defesa do meio ambiente é
citado. A referência aos recursos edáficos é
feita por meio da palavra terra, vocábulo mais comum na região
para expressar o termo solo.
Xote
Ecológico
[...]
Não posso respirar, não posso mais nadar
A
terra está morrendo, não dá mais pra plantar
E se
plantar não nasce, se nascer não dá
Até
pinga da boa é difícil de encontrar
Cadê
a flor que estava aqui?
Poluição
comeu
E o
peixe que é do mar?
Poluição
comeu
E o
verde onde é que está?
Poluição
comeu
Nem
o Chico Mendes sobreviveu [...] (GONZAGA;BATISTA, 1989).
Mas
nem só de seca e tristeza vive o Nordeste. Na música
“Último Pau de Arara” de Luiz Gonzaga e Guio de
Morais, lançada em 1952, o sanfoneiro cantou o amor que o povo
sertanejo tem à terra natal, a fé, aos costumes e à
cultura. Novamente a referência feita usa os termos chão
e terra. Os compositores evidenciam como a vida no sertão
nordestino é boa, farta e feliz, evidenciando o problema da
estiagem como grande propulsor do êxodo. Os vocábulos
chão e terra são citados como base da vida no campo.
Último
Pau de Arara
[...]
A vida aqui só ruim
Quando
não chove no chão
Mas
se chover dá de tudo
Fartura
tem de montão
Tomara
que chova logo
Tomara
meu Deus tomara
Só
deixo o meu Cariri
No
último pau-de-arara
Enquanto
a minha vaquinha
Tiver
o couro e o osso
E
puder com o chocalho
Pendurado
no pescoço
Eu
vou ficando por aqui
Que
Deus do céu me ajude
Quem
sai da terra natal
Em
outros cantos não para
Só
deixo o meu cariri
No
último pau-de-arara [...] (GONZAGA; MORAIS, 1952).
A
alegria da vida e do trato com a terra segue nos versos de Marcondes
Costa, de 1979, “Acordo às Quatro”, quando o Rei
do Baião com sua voz característica enfatiza que se o
inverno for bom, logo que surgem os primeiros sinais de chuva, lá
estará a fartura no sertão e na mesa do povo camponês,
que acorda na madrugada para cuidar de seu campo. Na música o
termo terra e campo são usados para fazer referência ao
solo.
Acordo
às quatro
Acordo
às quatro
Tomo
meu café
Dou
um beijo na muié
E
nas crianças também
Vou
pro trabáio
Com
céu ainda escuro
Respirando
esse ar puro
Que
só minha terra tem
Levo
comigo
Minha
foice e a enxada
Vou
seguindo pela estrada
Vou
pro campo trabaiá
Vou
ouvindo
O
cantar dos passarinhos
Vou
andando, vou sozinho
Tenho
Deus pra me ajudar
Tenho
as miúças
Carneiro,
porco e galinha
Tenho
inté uma vaquinha
Que
a muié véve a cuidar
E os
menino
Digo
sempre a Iracema
Em
Santana de Ipanema
Todos
os três vai estudar
Pois
eu não quero
Fío
meu analfabeto
Quero
no caminho certo
Da
cartilha do abc
Eu
mesmo
Nunca
tive essa sorte
Mas
eu luto inté a morte
Móde
eles aprender (COSTA, 1979).
De
autoria de Jurandy da Feira, a música “Frutos da terra”
foi gravada em 1982 pelo Rei do Baião, registrada no LP Eterno
cantador. A referência é feita pelo termo terra e
se expressa mais uma vez a fertilidade dos solos e a riqueza da
região na produção agrícola.
Frutos
da terra
Esta
terra dá de tudo
Que
se possa imaginar
Sapoti,
jaboticaba
Mangaba,
maracujá
Cajá,
manga, murici
Cana
caiana, juá
Graviola,
umbu, pitomba
Araticum,
araçá
Engenho
velho ô, canavial
Favo
de mel no meu quintal
O
fruto bom dá no tempo
No
pé pra gente tirar
Quem
colhe fora do tempo
Não
sabe o que o tempo dá
Beber
a água na fonte
Ver
o dia clarear
Jogar
o corpo na areia
Ouvir
as ondas do mar
Engenho
Velho ô, canavial
Favo
de mel, no meu quintal (FEIRA, 1982)
O
disco Pisa no Pilão: Festa do Milho, lançado no ano de
1963 trás a música “A festa do milho”
composição de Rosil Cavalcanti. A música
apresenta a tradicional prática alimentar do Nordeste. Em seus
versos e melodias, o artista revela o trato com o solo, as condições
climáticas, as plantações de milho usando o
termo terra.
Festa
do Milho
[...]
O sertanejo festeja
A
grande festa do milho
Alegre
igual a mamãe
Que
ver voltar o seu filho
Em
março queima o roçado
A
dezenove ele planta
A
terra já está molhada
Ligeiro
o milho levanta
Dá
uma limpa em abril
Em
maio solta o pendão
Já
todo embonecado
Prontinho
para São João
No
dia de Santo Antônio
Já
tem fogueira queimando
O
milho já está maduro
Na
palha vai se assando
No
São João e São Pedro
A
festa de maior brilho
Porque
pamonha e canjica
Completam
a festa do milho (CAVALCANTI, 1963)
De
autoria do casal Walter Santos e Tereza Sousa, a música “O
homem da terra” foi lançada em 1980 no LP de mesmo nome.
A canção utiliza os termos terra e chão para
tratar do solo.
O
homem da terra
Aonde
está o homem
O
homem da terra
Que
trabalha o chão?
É
ele o herói sem nome
Que
cultiva a terra
Que
nos dá pão
Olhando
para o tempo
Está
pedindo chuva
Ou
desejando sol
Rezando
pra não dar geada
Que
castiga tanto a sua plantação No grito do aboio
No
ronco do trator
No
canto da colheita
Em
tudo o seu amor
Trabalhando
a terra, ele está feliz
Ele
é a força desse país (SANTOS; SANTOS, 1980)
A
música "Asa Branca" feita em parceria com Humberto
Teixeira, gravada por Luiz Gonzaga no dia 3 de março de 1947
no LP de mesmo nome, virou hino do Nordeste brasileiro.
Asa
Branca
[...]
Quando olhei a terra ardendo
Qual
fogueira de São João
Eu
perguntei a Deus do céu, ai
Por
que tamanha judiação
Que
braseiro, que fornalha
Nem
um pé de plantação
Por
falta d'água perdi meu gado
Morreu
de sede meu alazão
Inté
mesmo asa branca
Bateu
asas do sertão
Entonce
eu disse, adeus Rosinha
Guarda
contigo meu coração [...] (TEIXEIRA; GONZAGA,1947)
"Súplica
Cearense" é uma canção do cantor e
radialista e humorista e artista de circo baiano Waldeck
Artur de Macedo,
mais conhecido como Gordurinha, em parceria com o compositor Nelinho,
lançada em 1960 e imortalizada na voz de Luiz Gonzaga.
Súplica
Cearense
[...]
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que
de joelhos rezou um bocado
Pedindo
pra chuva cair sem parar
Oh!
Deus, será que o senhor se zangou
E só
por isso o sol arretirou
Fazendo
cair toda a chuva que há
Senhor,
eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi
pra chover, mas chover de mansinho
Pra
ver se nascia uma planta no chão
Oh!
Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe
Eu
acho que a culpa foi
Desse
pobre que nem sabe fazer oração
Meu
Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E
ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro
sol inclemente se arretirar
Desculpe
eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe
eu pedir para acabar com o inferno
Que
sempre queimou o meu Ceará [...] (NELINHO, 1960)
O
LP que dá nome a música Aquarela Nordestina, composição
de Rosil Cavalcanti, foi lançado em 1989. A letra da música
evidencia o fenômeno da estiagem e, de forma implícita,
o desmatamento (quando o sol calcina a terra, não se vê
uma folha verde...). Toda a melodia é um lamento às
condições do ambiente, onde até a fauna expressa
sua angústia oculta, ‘como que reclamando sua falta de
sorte’. As regiões fisiográficas (brejo, sertão,
cariri e agreste) são apresentadas como territórios da
seca, queimados pelo sol, onde apenas a piedade Divina pode dar o
basta, representando aqui o espírito de religiosidade do povo
nordestino.
Aquarela
Nordestina
[...]No
Nordeste imenso, quando o sol calcina a terra,
Não
se vê uma folha verde na baixa ou na serra.
Juriti
não suspira, inhambu seu canto encerra.
Não
se vê uma folha verde na baixa ou na serra.
Acauã,
bem no alto do pau-ferro, canta forte,
Como
que reclamando sua falta de sorte.
Asa
branca, sedenta, vai chegando na bebida.
Não
tem água a lagoa, já está ressequida.
E o
sol vai queimando o brejo, o sertão, cariri e agreste.
Ai,
ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste [...] (CAVALCANTI, 1989)
5
Considerações finais
Para
sensibilizar as pessoas sobre a relevância do solo é
importante utilizar estratégias diversas, sobretudo aquelas de
mais fácil acesso, como a música em sala de aula, pois
tais ferramentas lúdicas, culturais, e artísticas podem
criar uma conexão maior das pessoas, possibilitando que os
conceitos fiquem armazenados na memória das pessoas que
tiveram acesso a essas ferramentas, associando à música
tanto a preservação ambiental quanto a sua identidade
social, ligado a sua territorialidade.
No
universo das músicas de Gonzagão, é possível
trabalhar em sala de aula a valorização do solo, dos
fazeres das pessoas, de suas realidades e dos ambientes semiáridos,
resgatando a identidade dos estudantes como nordestinos, pois além
de serem músicas que remetem ao solo também possibilita
a identificação e a compreensão da vida no bioma
da Caatinga.
Portanto,
a promoção da popularização do recurso do
solo por meio das pesquisas e da musicalidade em músicas
populares poderá proporcionar a todas as pessoas a
oportunidade de olhar com mais respeito e afetividade o solo de sua
localidade, despertando o sentimento de pertencimento, de respeito e
de amor ao solo, tanto quanto atrair jovens para carreiras na ciência
do solo e influenciar tomadas de decisão de valorização
e conservação do solo.
Referências
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R. Transformações na vida camponesa: o sudoeste
paranaense. 1981. 306 f. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais) – Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1981.
AQUARELA Nordestina. Intérprete:
Luiz Gonzaga. Compositor: CAVALCANTI, R. In: AQUARELA Nordestina.
Intérprete: Luiz Gonzaga. [S. l.: s. n.], 1989. 1 disco vinil,
3min18s.
ASA
Branca. Intérprete: Luiz Gonzaga. Compositor: TEXEIRA, H. In:
ASA Branca. Intérprete: Luiz Gonzaga. [S. l.: s. n.], 1947. 1
disco vinil, 3min05s.
BELASKY,
P. “Pochveniks” – “The poets of the soil”:
the geological school of 20 th century poetry in Leningrad. In: Landa
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USSR, St. Petersburg, Russia, p. 173-204, 2010.
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