É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo. Jean-Jacques Rousseau
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 89 · Dezembro-Fevereiro 2024/2025
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Relatos de Experiências
30/05/2024 (Nº 87) DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM UM AQUÁRIO DE VISITAÇÃO PÚBLICA: ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO NO AQUÁRIO MARINHO DO RIO DE JANEIRO
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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM UM AQUÁRIO DE VISITAÇÃO PÚBLICA: ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO NO AQUÁRIO MARINHO DO RIO DE JANEIRO

GONZAGA, Ian Boullosa1; GONÇALVES, Vitória Milena de Lima1; ANJOS, Joyce da Silva2; ROCHA, Patrícia Augusto Gouvea3; SANTOS, Sérgio Ricardo4

1 Educador(a) Júnior, Aquário Marinho do Rio de Janeiro,

ian.boullosa@aquariomarinhodorio.com.br; vitoria.goncalves@aquariomarinhodorio.com.br

2 Educadora Plena, Aquário Marinho do Rio de Janeiro,

joyce.anjos@aquariomarinhodorio.com.br

3 Bióloga Educadora, Aquário Marinho do Rio de Janeiro,

patricia.rocha@aquariomarinhodorio.com.br

4 Pesquisador, Instituto Museu Aquário Marinho do Rio de Janeiro,

sergio.santos@grupocataratas.com



Resumo: Os processos e as estratégias de comunicação e divulgação científica (DC) devem ser reconhecidos e valorizados na perspectiva de impulsionar a democratização e a popularização da ciência na sociedade moderna. Espaços educativos que se coloquem como impulsionadores do conhecimento científico, como os aquários de visitação pública, são importantes aliados no combate às fake news, à negligência com a alfabetização científica e os desdobramentos da construção de uma ciência antidemocrática, restrita à academia científica. Neste viés, o Aquário Marinho do Rio de Janeiro (AquaRio) objetiva comunicar e divulgar os conhecimentos científicos através de abordagens interativas, tecnológicas e lúdicas, descritas neste trabalho. Pôde-se concluir que deve-se destacar a importância da instituição no desenvolvimento de abordagens de ensino e DC.

Palavra chave: Educação Ambiental, Aquario, Sociedade Moderna

Abstract: The processes and strategies of scientific communication and dissemination (SCD) should be recognized and valued in the perspective of propelling the democratization and popularization of science in modern society. Educational spaces that position themselves as drivers of scientific knowledge, such as publicly accessible aquariums, are important allies in combating fake news, neglect of scientific literacy, and the ramifications of constructing a non-democratic science confined to the scientific academy. In this vein, the Marine Aquarium of Rio de Janeiro (AquaRio) aims to communicate and disseminate scientific knowledge through interactive, technological, and playful approaches outlined in this work. It can be concluded that the importance of the institution in the development of teaching and SCD approaches should be emphasized.

Keyword: Environmental Education, Aquarium, Modern Society



Introdução

As possibilidades que o mundo globalizado trouxe para a sociedade atual impactaram suas mais diversas esferas, como os processos comunicativos, que são parte integrante e indispensável dessa sociedade. Assim sendo, no que se refere a comunicação como aliada aos conhecimentos científicos, no passado, o seu acesso estava restrito aos membros da elite, sobretudo em razão do caráter acadêmico que muitas vezes é atribuído como única forma de comunicação científica, ficando a ciência restrita às universidades e centros de pesquisa (MOREIRA & MASSARANI, 2002). Diante desse contexto, pode-se considerar que os desdobramentos históricos e os cenários nos quais a comunicação científica se dá, refletem na forma como o conhecimento científico é passado, podendo resultar em uma ciência antidemocrática, na negligência para com a alfabetização científica e disseminação de fake news e seus desdobramentos (FREITAS & GONÇALVES, 2022). Entendendo que a DC “pressupõe um processo de recodificação, isto é, a transposição de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com objetivo de tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência” (BUENO, 1985) é preciso, portanto, refletir acerca dos processos comunicativos pelos quais ela ocorre.

Destacando as estratégias e ferramentas que são utilizadas para comunicar e divulgar ciência nos mais diversos espaços de ensino, sejam eles formais ou não-formais, ambientes privilegiados de alfabetização e DC (GOHN, 2006). Dentre estes espaços, pode-se dar destaque a instituições como zoológicos e aquários que, sustentados pelos pilares de pesquisa, educação, conservação e engajamento através da recreação de seu público, revelam-se como potencializadores da popularização dos conhecimentos científicos (GREENWELL et al, 2023). Para isso, o AquaRio, como um espaço de ensino não-formal e relevante equipamento de pesquisa e conservação ex-situ, visa comunicar e divulgar ciência através de uma abordagem atraente, motivadora e envolvente, considerando, através de um processo de transposição didática, a linguagem, a ludicidade e o seu alcance ao desenvolver estratégias de comunicação científica dentro e fora dos muros da instituição.

Objetivo

Diante do exposto, o presente trabalho objetiva apresentar estas estratégias de DC que são empregadas no AquaRio como ferramentas de sensibilização e conscientização do público.

Metodologia

A DC perpassa a comunicação em diferentes naturezas dentro do espaço do AquaRio. A principal é a oralidade, estando esta combinada e/ou acompanhada de outras vertentes. Para isto, recursos tecnológicos e materiais são utilizados na promoção da (1) comunicação interna, ou seja, aquela restrita aos espaços dentro da instituição e (2) comunicação externa, aquela que ultrapassa os muros do AquaRio.

  1. inclui monitores digitais, QrCodes e placas informativas, feitas de PVC adesivado, sobretudo em razão do caráter do plantel mantido pela instituição, composto por inúmeras espécies ameaçadas de extinção em vida livre que sofrem com os impactos causados pelos seres humanos. Este plantel apresenta 227 espécies em exposição de 6 táxons diferentes, cujas informações como nome científico e popular, hábitos de vida, curiosidades, distribuição geográfica e status de conservação segundo a IUCN, são expostos ao público através de televisores dispostos lateralmente aos recintos, bem como em Qrcodes que direcionam o visitante às informações mais detalhadas, e em 3 idiomas (português, inglês e espanhol), sobre os animais em exposição. Ao longo do circuito de visitação há, ainda, as placas temáticas e exposições de materiais biológicos, utilizadas como recurso comunicativo auxiliar, visando suscitar a reflexão, aguçar a curiosidade, sensibilizar e engajar o público em prol da conservação dos ecossistemas aquáticos.

  2. destaca-se a principal rede social utilizada pela mesma, o instagram (@aquariomarinhodorio), onde continuamente são publicados conteúdos educativos em diferentes formatos. Além desta, a instituição também conta com conteúdos de cunho educativo em redes sociais extras, como o tiktok (@aquariomarinhodorio) e youtube (@VemProAquaRio), de modo a visar o alcance de diferentes faixas etárias e públicos, utilizando-se, inclusive de um blog (https://blog.aquariomarinhodorio.com.br/) como plataforma para postagens de conteúdos técnicos mais aprofundados e de um podcast no spotify (https://open.spotify.com/show/48jzwW8ANnUdv7moIX825k?si=19126ed099df48c1).

Resultados

A bioexposição do AquaRio é setorizada a partir de temáticas que visam apresentar os diferentes ecossistemas aquáticos e a sua biodiversidade, bem como as interações ecológicas ali existentes e os impactos antrópicos que vêm comprometendo a sua viabilidade ecossistêmica. Nesse viés, pode-se afirmar que a abordagem temática do circuito de visitação está distribuída em 11 eixos, sendo identificados pela ambientação dos recintos e a fauna mantida nos mesmos, a saber: Plâncton, Praias Arenosas, Costão Rochoso, Águas-Vivas, Piranhas, Associações Biológicas, Peixes do Mundo, Pequenas Riquezas, Tanque Oceânico, Tubarão Lixa e Galeria de Corais. Ao longo destes eixos temáticos explorados no circuito de visitação, o público tem contato com um total de 59 televisores informativos (Figura 1), distribuídos ao longo dos recintos, sendo: Plâncton (1), Praias Arenosas (4), Costão Rochoso (4), Águas-Vivas (1), Piranhas (1), Associações Biológicas (8), Peixes do Mundo (4), Pequenas Riquezas (3), Tanque Oceânico (3), Tubarão Lixa (2) e Galeria de Corais (17). A escolha da quantidade de televisores por setor dá-se a partir da quantidade e extensão dos recintos, além do tamanho do plantel em exposição.

Figura 1 Exemplo das sinalizações expostas nos televisores.

Como estratégia comunicativa associada às sinalizações feitas pelos televisores ao longo do circuito de visitação, tem-se nos QRcodes uma ferramenta que possibilita tornar a construção do conhecimento científico mais dinâmica e interativa, ao permitir com que os sujeitos sejam protagonistas na busca pelas informações técnico-científicas relacionadas aos recintos. São observados um total de 35 QRcodes (Figuras 2 e 3) distribuídos ao longo da bioexposição temática da instituição que são acessados pelo público mediante a experiência sensorial promovida ao longo da visitação, já que a mesma aguça a curiosidade e o anseio por um significativo aprofundamento acerca dos objetos de exposição.

Figura 2 – Exemplo de QRcode para acesso a informações mais aprofundadas.

Figura 3 – Exemplo de conteúdo apresentado pelos QRcodes.



Ainda com o intuito de comunicar e divulgar ciência, proporcionando o contato dos sujeitos da aprendizagem com a linguagem e a cultura científica, ainda que os tanques e as espécies em exposição sejam objetos educacionais centrais da exposição, o circuito de visitação do AquaRio conta com placas temáticas e exposições de materiais biológicos que podem ser agrupados em duas categorias: (1) exposições fixas, composta por quatro espaços educativos - “exposição de conchas” (Figura 4), “exposição de exúvias de crustáceos”, “exposição de tubarões” e “exposição de corais branqueados”; (2) exposições temporárias, sendo construídas através das campanhas educativas cuja temática anual é explorada através de enfoques trimestrais. Tais exposições, através do viés apresentado por Marandino (2005), consideram em sua construção o tipo de público que com ela terá contato, de modo a valorizar a transposição didática museográfica, proporcionando a interpretação e a compreensão dos conceitos propostos através do estímulo visual, mediante uma proposta crítica e reflexiva em prol da conservação ambiental e da compreensão do pensamento científico.

Figura 4 – Exposição permanente de conchas.

O processo de comunicação e DC desempenhado pela instituição, não fica restrito ao seu ambiente interno, através das abordagens acima citadas que são desenvolvidas ao longo do circuito de visitação. Aqui, considera-se a comunicação externa, isto é, o uso das redes sociais como instrumento para a disseminação e popularização da ciência, suscitando o diálogo, aproximando e democratizando o desenvolvimento científico de maneira ágil e acessível (NAVAS, 2020). A principal rede social utilizada como ferramenta de DC é o Instagram, plataforma de grande adesão do público, proporcionando a apresentação de conteúdos de consumo rápido e fácil (LEMES, 2021). O perfil da instituição é alimentado com conteúdos educativos (Figura 5), valorizando os saberes científicos, sendo sugeridos e roteirizados pelos seus educadores ambientais atuantes nas ações e inserções educativas de DC. Ao longo do ano de 2023 (janeiro a novembro) foram publicados um total de 74 posts educativos, cujo alcance pôde ser avaliado através dos 1.394.978 acessos obtidos nesses conteúdos. Diante destes resultados, pode-se perceber a potencialidade educacional desta estratégia comunicativa através do engajamento e do fomento da curiosidade, evidenciando a relevância de utilizar o Instagram como impulsionador de uma postura científica por parte dos seus usuários.

Figura 5 – Exemplos de posts educativos abordando datas temáticas.

Durante o agravamento da transmissão da Covid-19 em 2020, a virtualização da sociedade mostrou-se como uma tentativa de manter o seu movimento e funcionamento (INOMATA et al, 2021). Diante do cenário de paralisação das atividades presenciais das instituições de ensino, as redes sociais de grande engajamento, interação e adesão do público, auxiliaram na divulgação de informações e popularização do conhecimento científico (RODRIGUES et al, 2021). Durante a pandemia do novo Coronavírus, o AquaRio investiu em um grande programa educativo através de redes sociais como o youtube, mantendo a visitação à instituição de forma online através do programa “Em Casa com AquaRio” (Figura 6), tendo sido produzidos um total de 49 vídeos entre os anos de 2020 e 2021, transmitidos sob a forma de live e obtido uma média de 200.000 visualizações ao longo deste período. Já no tiktok, os conteúdos educativos e interativos chegaram até 129.000 interações em uma única postagem (Figura 7). O blog (Figura 8), por sua vez, foi a plataforma utilizada para a postagem de um total de 128 conteúdos cuja abordagem mostra-se mais aprofundada e detalhada, instigando a curiosidade do leitor.

Figura 6 – Lives realizadas no youtube do AquaRio.

Figura 7 – Conteúdo com maior número de interações na rede social Tiktok.

Figura 8 – Exemplo de conteúdo postado no Blog do AquaRio.

Ao trabalhar a divulgação científica, transpondo as barreiras físicas da instituição, tem-se ainda a aplicação de estratégias de comunicação não digitais através de exposições e ações itinerantes. Tais iniciativas contemplam uma função de inclusão social visando a popularização da ciência em um caráter extramuros, móvel e flexível chegando até as localidades cujo público pode ser impactado e sensibilizado (ABREU et al, 2022). O AquaRio desempenhou um importante papel ao longo do ano de 2023 através de ações externas como: feira de ciências em escolas (1), exposições abertas ao público em praias, parques e pontos turísticos associadas a ações de clean up em parceria com projetos de conservação e instituições educativas de pesquisa e conservação (2).

Discussão

Pode-se reconhecer que, diante do status da sociedade atual, permeada pelos avanços tecnológicos, que estes, por sua vez, podem despontar como aliados ou adversários aos processos de comunicação e divulgação da ciência. Diante disso, deve-se criar estratégias para promover e suscitar a popularização e a democratização científica, de modo a contribuir para a formação de cidadãos críticos, reflexivos e atuantes no desenvolvimento científico e tecnológico da sociedade, tendo em vista a urgente necessidade de iniciativas em prol da conservação da biodiversidade. Dessa forma, instituições como aquários de visitação pública despontam como relevantes centros de pesquisa científica, conservação ambiental, educação ambiental e engajamento do público. Através deste trabalho pode-se enfatizar o papel do AquaRio e de suas bioexposições como equipamento de desenvolvimento e divulgação de ciência, permitindo com que ela não se restrinja aos ambientes acadêmicos e seja reconhecida como parte essencial da construção da sociedade moderna.

Bibliografia

ABREU, Willian Vieira et al. Divulgação científica itinerante e os editais de popularização da ciência: análise de projetos submetidos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)(2003-2015). Investigações em Ensino de Ciências, v. 27, n. 1, p. 503, 2022.

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico: conceitos e funções. Ciência e cultura, v. 37, n. 9, p. 1420-1427, 1985.

FREITAS, Juscilene Heloisa Marcello; GONÇALVES, Júlia Virginio. Divulgação Científica, Democratização da Ciência e Fake News. Anais da Semana Internacional da Física do IFSP - Campus Votuporanga, v. 2, n. 01, 2022.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, v. 14, n. 50, p. 27-38, 2006.

GREENWELL, Phillip J. et al. The Societal Value of the Modern Zoo: A Commentary on How Zoos Can Positively Impact on Human Populations Locally and Globally. Journal of Zoological and Botanical Gardens, v. 4, n. 1, p. 53-69, 2023.

INOMATA, Danielly Oliveira et al. Divulgação científica em tempos de pandemia: Podcast BiblioQuê? presente. Cidadania em Ação: Revista de Extensão e Cultura, v. 5, n. 2, p. 107-119, 2021.

MARANDINO, Martha. A pesquisa educacional e a produção de saberes nos museus de ciência. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 12(suplemento), p. 161-81, 2005.

MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa. Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil. Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil, v. 1, p. 43-64, 2002.

NAVAS, Ana Luiza Gomes Pinto et al. Divulgação científica como forma de compartilhar conhecimento. In: CoDAS. Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2020.

LEMES, Thamila et al. O instagram como ferramenta de divulgação científica sobre mamíferos. Anais da Semana de Biologia da UFES de Vitória, v. 2, p. 22-22, 2021.

RODRIGUES, Matheus Felipe et al. Um Clube de Ciências virtual em tempos de pandemia: o uso da rede social Instagram como uma possível ferramenta para a divulgação científica. The Journal of Engineering and Exact Sciences, v. 7, n. 4, p. 13292-01-10e, 2021.



Ilustrações: Silvana Santos