Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 61) RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA FAUNA DO PANTANAL COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E ESTRATÉGIA DE CONSERVAÇÃO
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RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA FAUNA DO PANTANAL COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E ESTRATÉGIA DE CONSERVAÇÃO

 

Camila Aoki1, Gabriela Canella Gregório², Maria Helena da Silva³, Crisley Helena Simão3, Joana Roxinsky Teodoro4, Bruno Arguelho Arrua4 & Bruna Gardenal Fina5

 

1. Bióloga, mestre e doutora em Ecologia e Conservação, professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais, Caixa postal 549, CEP 79070-900 Campo Grande, MS; aokicamila@yahoo.com.br

2. Graduanda em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Aquidauana, Unidade II, Rua Oscar Trindade de Barros, s/n, Serraria, CEP 79200-000 Aquidauana, MS; gabrielacanellagregorio@gmail.com

3. Licenciatura em Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Caixa postal 549, CEP 79070-900 Campo Grande, MS; maria_helena1212@hotmail.com, crisleyhs@gmail.com

4. Licenciatura em Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, Caixa postal 549, CEP 79070-900 Campo Grande, MS, joanaroxinsky@hotmail.com, bruno_arrua@hotmail.com

5. Bióloga, mestre e doutora em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal) professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Campus Aquidauana, Unidade II, Rua Oscar Trindade de Barros, s/n, Serraria, CEP 79200-000 Aquidauana, MS; bruna.fina@ufms.br

 

Resumo

 

 A educação ambiental tem como objetivo a sensibilização e conscientização das pessoas em relação ao ambiente, para que possam respeitá-lo e conservá-lo. Assim sendo, é necessário desenvolver projetos de educação ambiental que visem sensibilizar os atores sociais inseridos no Pantanal quanto ao bioma e sua fauna. O presente projeto foi desenvolvido em duas escolas públicas de Aquidauana (MS), com o intuito de que os envolvidos conheçam, reconheçam e valorizem a fauna regional. Foram realizadas atividades práticas (trilhas interpretativas guiadas e confecção de acervo pedagógico de pegadas) como ferramentas para atingir esses objetivos. Os resultados demonstraram que as atividades desenvolvidas foram eficazes para que as crianças se familiarizassem com as espécies ocorrentes na região e na divulgação das principais ameaças a essas espécies. Posteriormente, os alunos envolvidos atuaram como disseminadores das informações.

 

Palavras-chave: educação ambiental, mamíferos, moldes de pegadas, trilhas ecológicas.

 

Introdução

 

O Brasil está entre os países que detém alta diversidade biológica (está entre os chamados de países megadiversos), abrigando em seu território cerca de 20% das espécies vivas conhecidas em todo o mundo (Magnusson et al. 2016). Dentre os biomas brasileiros, o Pantanal ocupa cerca de 140.000 km² do Brasil e se estende para a Bolívia (15.000 km²) e Paraguai (5.000 km²) (Junk et al. 2006). É considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira e Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO (Unesco 2010) e possui três sítios Ramsar reconhecidos, zonas úmidas de importância internacional (Ramsar & MMA 2010), um deles localizado no município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul. O Pantanal possui uma rica fauna, com 263 espécies de peixes catalogadas, 41 de anfíbios, 113 de répteis, 463 de aves e 132 de mamíferos (Alho 2008). Para invertebrados não há estimativa da riqueza de espécies.  

Apesar dessa elevada riqueza, devido à concentração da população em áreas urbanas, muitas vezes a fauna silvestre local não é reconhecida pela população do entorno, consequentemente, a valorização da biodiversidade pela comunidade fica comprometida. Gerar e disseminar informações sobre a biodiversidade são ações prementes para mudar a percepção sobre os ecossistemas naturais. Neste sentido, a educação ambiental atua como ligação entre as ciências e as comunidades, intercalando-se como uma ferramenta útil à biologia da conservação e forte aliada para o alcance de sociedades sustentáveis (Benites & Mamede 2008).

Com acesso à informação de qualidade, a conservação das espécies passa a ser entendida, não mais como um obstáculo ao desenvolvimento do país, mas como um leque de possíveis soluções para problemas humanos, uma vez que prestam serviços ecológicos essenciais, são necessárias para manter um ambiente sadio e equilibrado, adicionalmente, muitas espécies produzem substâncias que podem apresentar utilidades diversas para o homem, por exemplo, para desenvolvimento de fármacos. Além disso, a Política Nacional da Biodiversidade (PNB 2002) traz como princípio fundamental que a diversidade biológica tem valor intrínseco e merece respeito, independente do seu valor para o ser humano ou seu potencial de uso.

Neste sentido, a escola e os professores tem um papel fundamental para fomentar a reflexão e discussão sobre questões ambientais levando à formação de cidadãos mais críticos e ambientalmente mais responsáveis. Atividades práticas de educação ambiental são ferramentas úteis para auxiliar o professor a tratar de temas ambientais que foram ou não trabalhados da forma tradicional na sala de aula. Este estudo teve como objetivo utilizar atividades práticas de educação ambiental (trilhas e confecção de acervo pedagógico de pegadas) como ferramenta de reconhecimento e valorização da fauna para conscientização de alunos de duas escolas públicas do município de Aquidauana.

 

Material e métodos

Este trabalho foi desenvolvido com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental das Escolas Estaduais Professor Antônio Salustio Areias e Marechal Deodoro da Fonseca, município de Aquidauana (MS), inserido no ecótono Cerrado-Pantanal. Inscrições para participação no projeto foram abertas em ambas as escolas, gerando assim dois grupos: alunos que participaram e que não participaram (grupo controle) das atividades propostas. Entrevistas com questões abertas foram aplicadas aos dois grupos de modo que a eficácia da metodologia pudesse ser testada.

As atividades práticas foram realizadas entre junho e agosto de 2014 e compreenderam: (i) trilhas ecológicas na Base de Estudos do Pantanal (BEP) da UFMS-Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Figura 1A-B) para avistamento de animais e identificação de vestígios deixados pelos mesmos, (ii) confecção de moldes de pegadas de mamíferos (Figura 2), que ocorreu tanto na BEP quanto no laboratório de zoologia da UFMS (Campus de Aquidauana) com utilização de contra-moldes pré-existentes obtidos em localidades diversas do Estado (mas todos de mamíferos que ocorrem no bioma). Os moldes foram confeccionados utilizando gesso em pó e os mesmos foram entregues para os alunos que os confeccionaram. Adicionalmente, foram apresentadas imagens, vídeos e informações a respeito da ecologia, comportamento, hábito e habitat desses animais, bem como status de conservação. Para reforçar a atividade de educação ambiental foram discutidas ações antrópicas prejudiciais à fauna, como desmatamento, destruição de hábitats, caça predatória, criação ilegal de animais em cativeiro e o tráfico de animais silvestres (Figura 1C).

 

Figura 1a.jpg

Figura 1. Base de estudos do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (A), Trilhas ecológicas (B) e palestras e discussões (C).

 

Figura 2a.jpg

Figura 2. Confecção de moldes de pegadas no laboratório (A) e pegadas prontas entregues aos alunos que as confeccionaram (B-C).

 

 

 

Resultados e discussão

Ao todo foram aplicados 46 questionários aos alunos das referidas escolas, sendo 22 participantes das atividades. Com relação às questões de espécies conhecidas, os alunos que participaram das trilhas ecológicas citaram 70 animais, sendo três deles exóticos. Cada aluno citou em média 13,3 (±6,3) animais. Os mamíferos foram os animais mais citados (37% das espécies), dentre eles destacaram-se a capivara, citada em 81,8% dos questionários, a anta, o bugio e a onça citados em 50% dos questionários. Aves constituíram o segundo grupo mais citado (31,4% das espécies), sendo que o tuiuiú foi citado por 40,9% dos alunos e o gavião e o martim-pescador por 27,3%. Dentre os alunos que não participaram das atividades, foram citadas 45 espécies, sendo duas delas exóticas. Cada aluno deste grupo citou em média 7,2 (±3,4) animais. Mamíferos constituíram 48,9% das espécies e aves 24,4%. Capivara e onça foram os mamíferos mais citados (62,5% dos questionários) e o tuiuiú entre as aves (50%). Répteis, peixes e anfíbios também foram lembrados por ambos os grupos, com destaque para o jacaré que foi citado por 81,8% dos alunos que participaram das atividades e por 75% dos alunos que não participaram. Importante ressaltar que apenas o grupo que participou das atividades citou invertebrados nas respostas (6 espécies), sendo que as borboletas foram citadas por 63% dos alunos e as libélulas por 50%.

O número de espécies citadas pelos alunos que participaram das trilhas pode ser considerado alto se comparado a estudos realizados em outras localidades brasileiras. Um dos estudos com a maior citação de animais foi o de Berlinck e Lima (2007) trabalhando com uma comunidade rural de Goiás, no qual foram citadas 52 espécies. Semelhante ao registrado em outros trabalhos, os mamíferos e aves constituem os grupos mais citados (Razera et al. 2006, Berlinck & Lima 2007). As espécies mais citadas pelos alunos de ambos os grupos constituem espécies comuns na região. Dentre os peixes, as espécies mais citadas neste estudo são utilizadas corriqueiramente na alimentação humana (dourado e pintado), sendo a pesca uma prática comum na região, inclusive no rio que corta a cidade (rio Aquidauana). Invertebrados que, a despeito de sua grande importância ecológica e econômica, geralmente são pouco valorizados pela população e pouco citados em questionários nos demais estudos (Razera et al. 2006, Berlinck & Lima 2007), tiveram uma elevada frequência nas respostas dos alunos que participaram das atividades práticas. Isso se deve ao fato destes animais terem sido inseridos nas observações e explicações durante as trilhas.  

Com relação às perguntas referentes à ecologia das espécies e suas formas de registro, entre os alunos que participaram da atividade, todas as questões tiveram o mínimo de 70,6% e máximo de 94% acerto. Entre os alunos que não participaram das atividades, a taxa de acerto variou de 18,2% a 81,8%. Nenhuma das questões foi respondida corretamente por todos os alunos. Entre as perguntas realizadas, a “Você considera importante conservar as espécies de mamíferos? Por quê?”, teve resposta sim de todos os alunos, e na justificativa 47% dos alunos que participaram da atividade incluíram o risco de extinção, 23,5% a participação na cadeia alimentar e 17,7% citaram a interdependência entre os seres, além de outras respostas. Entre os alunos que não participaram da atividade, 18,2% citaram a extinção e a cadeia alimentar e 9% citaram a interdependência, sendo essas as respostas com maior frequência em ambos os grupos.

Os alunos que participaram das atividades práticas perceberam que muitas vezes, por terem hábitos discretos, crepusculares e noturnos, não é tão simples fazer a observação direta dos animais, mas aprenderam que estes animais deixam sinais típicos no ambiente, dentre eles as pegadas. No decorrer do projeto foram confeccionados moldes de pegadas de oito espécies da fauna silvestre do Pantanal. Esses moldes, além de servirem melhorar a percepção ambiental dos alunos, foram utilizados pelos mesmos em feiras de ciências de ambas as escolas, propagando assim a informação obtida neste projeto. Desta forma, nossos resultados corroboram a afirmação de Berlinck e Lima (2007) de que as pegadas podem complementar ou servem como alternativa para os métodos convencionais de se ensinar/aprender conceitos de ecologia e vida silvestre.

Depoimentos feitos pelos alunos e professores deixaram claro que visitas às áreas naturais permitem que eles se sintam integrantes da biodiversidade e criem afeto pelo ambiente. É esperado que esse contato com a natureza influencie a percepção desses alunos e sua forma de valorizá-la, uma vez que grande parte do comportamento do indivíduo envolve a interação com o espaço. Fomentar o processo de reflexão e gerar nesses indivíduos o afeto pela natureza é fundamental para conservação da biodiversidade e do ambiente como um todo, pois isso depende do esforço não somente dos profissionais especializados para este fim, mas também e, principalmente, da colaboração das comunidades locais (Feisinger 2004).

 

Considerações finais

Trilhas interpretativas guiadas constituíram um importante instrumento na atividade educativa, de sensibilização e melhoria da percepção acerca da fauna silvestre do Pantanal. Alunos que participaram de atividades práticas foram capazes de reconhecer praticamente o dobro de espécies relatadas por alunos que não desenvolveram tais atividades, além de reconhecer aspectos de sua ecologia, formas de registro das espécies e principais ameaças à conservação. Os moldes de pegadas foram eficientes como material didático para melhorar a percepção dos alunos quanto à fauna silvestre local. Elas ilustraram de maneira realista como é o rastro encontrado na natureza e estimulou um senso crítico e ecológico sobre a preservação das espécies de mamíferos.

 

Agradecimentos

Agradecemos à agência financiadora deste projeto, CAPES.

 

Referências bibliográficas

ALHO, C.J.R. 2008. Biodiversity of the Pantanal: response to seasonal flooding regime and to environmental degradation. Brazilian Journal of Biology. 68(4, Suppl.): 957-966.

BENITES, M. & MAMEDE, S.B. 2008. Mamíferos e aves como instrumentos de educação e conservação ambiental em corredores de biodiversidade do Cerrado, Brasil. Mastozoologia Neotropical, v. 15, n. 2, p.261-271.

BERLINCK, C.N. & LIMA, L.H.A. 2007. Identificação de rastro de animais, educação ambiental e valorização da fauna local no entorno do Parque Estadual de Terra Ronca (GO). Revista eletrônica do mestrado em Educação Ambiental. v. 18, p. 174-189.

FEINSINGER, P. 2004. El diseño de estudios de campo para la conservación de la biodiversidad. Santa Cruz de la Sierra, Editoral FAN (Fundación Amigos de La Naturaleza) Bolivia.

JUNK, W.J., CUNHA, C.N., WANTZEN, K.M., PETERMANN, P., STRÜSSMANN, C., MARQUES, M.I. & ADIS, J. 2006. Biodiversity and its conservation in the Pantanal of Mato Grosso, Brazil. Aquatic Sciences. 68: 1-32.

MAGNUSSON, W.E., BERGALLO, H.G., CERQUEIRA, R., COLLI, G.R., FERNANDES, G.W., GUSMÃO, L.F.P., PILLAR, V.P. & QUEIROZ, H.L. 2016. O programa de pesquisa em biodiversidade. In: Conhecendo a biodiversidade. Peixoto, A.L., Luz, J.R.P. & Brito, M.A. Brasília: MCTIC, CNPq, PPBio.

PNB 2002. Decreto Federal nº 4.339, de 22 de agosto de 2002 institui princípios e diretrizes para a Política Nacional da Biodiversidade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4339.htm

RAMSAR & MMA. 2010. Cuidar das Zonas Úmidas – uma resposta às mudanças climáticas.MMA: Brasília, 28 p.

RAZERA, J.C.C., BOCCARDO, L. & PEREIRA, J.P.R. Percepção sobre a fauna em estudantes indígenas em uma Tribo Tupinambá no Brasil: um Caso de Etnozoologia. REEC, 5(3):466-480, 2006.

UNESCO. 2010. Biosphere Reserves – World Network of biosphere reserves. MAB Programme: Paris, 21 p.

 

Ilustrações: Silvana Santos