Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 61) TRABALHO DE CAMPO COMO ATIVIDADE PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO TÉCNICO A DISTÂNCIA
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TRABALHO DE CAMPO COMO ATIVIDADE PEDAGÓGICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO TÉCNICO A DISTÂNCIA

 

Andrea da Silva1; Claus Haetinger2

 

Centro Universitário UNIVATES - Rua Avelino Tallini, 171, Bairro Universitário,

CEP 95914-014, Lajeado, RS, Brasil.

 

1Doutora em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES.E-mail: silvandrea2005@yahoo.com.br

 

2Professor do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES. Doutor em Matemática pela UFRGS. E-mail: chaet@univates.br

 

 

RESUMO

O trabalho de campo pode ser concebido como um recurso pedagógico, que procura auxiliar o processo de ensino e aprendizagem. Nesta perspectiva,o presente artigo traz uma proposta metodológica, adotando a atividade de campo para empreender a educação ambiental, no curso técnico em agroindústria, de modalidade à distância.

PALAVRAS-CHAVE:Educação ambiental, educação à distância, interdisciplinaridade, trabalho de campo.

 

 

INTRODUÇÃO

               

                O papel do professor, segundo Libâneo (2002, p. 8) está em “...planejar, selecionar e organizarosconteúdos,programar tarefas, criar condiçõesde estudo dentro da classe...”. Segundo o mesmo autor, “o professor dirigeas atividades de aprendizagemdos estudantes a fim de que estes setornem sujeitos ativos da própriaaprendizagem”(LIBÂNEO, 2002, p. 8)

Entre essas atividades, pode-se contemplar o trabalho de campo, que “se configura como um recurso para o aluno compreender o lugar e o mundo, articulando a teoria à prática, através da observação e da análise do espaço vivido e concebido” (LIMA; ASSIS, 2005, p. 112).

            Para Rocha e Salvi(2011, p. 7-8) o trabalho de campo é:

capaz de levar o aluno ao encontro dos fenômenos in loco, corroborando com os conceitos estudados em sala de aula, podendo ainda, ser utilizado por diversas disciplinas e como parte de outras metodologias visa oferecer ao aluno, experiências relacionadas aos sentidos e à aquisição de conhecimento, por meio de outra forma, mais interessante e dinâmica, que não aquela arraigada em práticas docentes ultrapassadas, baseadas somente no livro didático e no quadro de giz.

                O trabalho de campo é um poderoso recurso didático que, quando bem planejado, poderá o estudante, segundoScortegagna e Negrão (2005, p. 37), “perceber e apreender os vários aspectos que envolvem o seu estudo, tanto naturais quanto sociais”.

            Nesse sentido, o trabalho de campo apresenta um viés interdisciplinar, ou seja, pode dialogar com várias disciplinas, para que o estudante consiga teruma visão holística do objeto de estudo, permitindo assim, que ele construa um conhecimento a partir de uma articulação de vários saberes (MEIRELES; PORTUGAL, 2009; ROCHA; SALVI, 2011).Certamente, o trabalho de campo passa a ser uma atividade de suma importância para o estudante, pois ele poderá ser um “agente transformador em seu meio”, competência essaadquirida pela capacidade do estudantede “observar e interpretar a região onde vive e trabalha” (SCORTEGAGNA; NEGRÃO, 2005, p. 37).

            Tendo em vista a relevância do trabalho de campo, e o quão este pode ser enriquecedor para a produção do conhecimento, este artigo discorre sobre uma proposta metodológica, adotando a atividade de campo para empreender a educação ambiental, num curso técnico, de modalidadeà distância.

 

 

A PROPOSTA PROPRIAMENTE DITA

            A proposta a ser descrita, foi planejada para ser aplicada no Curso Técnico em Agroindústria, subsequente (estudantes que já concluíram o Ensino Médio), de modalidade a distância, ofertado por uma Instituição Federal de Ensino, que se localiza na região central do Estado do Rio Grande do Sul.

            O Técnico em Agroindústria, conforme o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) do MEC, ao concluir o curso, apresenta um perfil profissional, que:

Aplica tecnologias voltadas à conservação e ao processamento das matérias-primas de origem animal e vegetal na panificação e confeitaria. Realiza a implantação, execução e avaliação de programas preventivos de segurança do trabalho, de gestão de resíduos, de diminuição do impacto ambiental e de higienização e sanitização da produção agroindustrial. Realiza análises laboratoriais de alimentos. Desenvolve técnicas mercadológicas de produtos e insumos para a agroindústria e promove a inovação tecnológica (BRASIL, 2016, p. 163).

            A matriz curricular do referido curso está estruturada em quatro semestres, e possui ao todo 17 disciplinas, sendo que uma delas é “Gestão Ambiental e Tratamento de Resíduos”, última disciplina ofertada, inserida no 4º semestre, com uma carga horáriade 75 horas, que apresenta na sua ementa, entre outros conteúdos programáticos, tópicos referentesa Educação Ambiental (EA),devendo o professortrabalhar o conceito e seus objetivos, e também, abordarsobre o consumo e a gestão de resíduos sólidos.

            Como o curso é à distância, há em todas as disciplinas momentos presenciais utilizados para desenvolver avaliações do estudante, uso do laboratório, grupos de estudo, seminários, e outras atividades, entre elas,trabalhos de campo.

            Desse modo, na oportunidade de atividade presencial da disciplina “Gestão Ambiental e Tratamento de Resíduos”, propõe-se um trabalho de campo para empreender, a temática proposta da EA, e para tal, escolheu-se como lócus de estudo – as feiras livres.

            A feira livre, na concepção do consumidor, é um lugar onde se encontram produtos frescos, variados e de qualidade superior a de outros estabelecimentos (KINJO; IKEDA, 2005; MOREL et al., 2015).

            Para o desenvolvimento do trabalho de campo, é imprescindível traçar um plano metodológico que está formatadoem quatro etapasdefinidas, como: i) planejamento;ii) trabalho de campo;iii) socialização; e iv) avaliação.

Aprimeira etapa corresponde ao planejamento, que aqui é concebido como um momento de preparação; essa fase, como colocam Lima e Assis (2005, p. 4) é “fundamental para o sucesso do trabalho de campo”.

            Nesta preparação,sugere-se, inicialmente, o professor situar o estudante sobre o tema, fazendo uma prévia explanação sobre EA e gestão de resíduos. Essa explicação poderá ser uma atividade a distância, desenvolvida por meio de uma vídeo-aula. Somado a isso, os estudantes deverão fazer, ao menos, a leitura de um artigo de cada assunto. Para melhor se apropriar dos conceitos e entender sua importância, para tal, o professor deve disponibilizar, no ambiente virtual do curso,links que remetem ao endereço eletrônico, onde são encontrados. A seguir, sugere-se um chat(bate papo online), entre professor e estudantes, para debater sobre as leituras e tirar dúvidas; após, o professor apresenta a proposta de um trabalho de campo, que será realizado no momento presencial. Nesta apresentação, o professor deve informar os estudantes sobre os objetivos da atividade, a justificativa, a metodologia, o cronograma, os recursos didáticos e a avaliação.

            A segunda etapa, é o trabalho decampo, que deve ser efetivado no período presencial, em uma feira livre do município. Como o curso técnico é o de Agroindústria, pertencente ao eixo tecnológico Produção Alimentícia, conforme o CNCT do MEC entende-se que a feira livre poderá colaborar com a aprendizagem dos estudantes, por ser um lugar onde se encontram produtos de gênero alimentício, inclusive os agroindustriais. Além disso, a feira livre é um evento interessante, por possuirum componente social muito forte, pois funciona como um ponto de encontro, de movimentação de pessoas, de conversas, de expressão cultural (SILVA et al., 2014).

            Para efetivar a atividade na feira livre, os estudantes deverão estar munidos de um diário de campo, que lhes permitirá fazer anotações de suas observações.Para responder algumas questões, os estudantes deverão consultar os feirantes sobre a possibilidade de eles participarem da atividade, e para tal, aconselha-se formalizar este procedimento via um termo de consentimento livre e esclarecido, um documento organizado pelo professor da disciplina, que tem a finalidade de informar os feirantes do que e para que a realização deste trabalho. Para complementar, os estudantes poderão adquirir alguns produtos, especialmente, os processados/embutidos para uma análise sensorial, por exemplo. Para melhor dinamizar, propõe-se dividir a turma de estudantes em cinco grupos, onde cada grupo ficará responsável por averiguar as condições das seguintes categorias, exemplificadasno quadro 1.

 

Quadro 1:Itens a serem avaliados na feira livre

 

 

 


Fonte: A categoria, do grupo 1 a 4, foiorganizada, com vistasàresolução da Anvisa, a RDC nº 216/2004; e a categoria do grupo 5 foiorganizada, com vistasàLei nº 12.305/2010.

 

 

Após a coleta de dados, cada grupo deverá sistematizar as informações, para depois serem apresentadas a toda turma, de modo presencial,chegando-se à etapa denominadasocialização.Para este momento, sugere-se que os estudantes façam uma apresentação, no intuito de facilitar a exposição dos resultados ede suas análises. Posteriormente, é importantefazer um registro do trabalho realizado em cada grupo, que pode ser uma resenha crítica, que ficará disponível para todos, na plataforma. Para isso, poderá ser utilizada a ferramenta wiki, por ser um recurso que permite aos usuários construir um texto, de maneira colaborativa (CARVALHO, 2011).Nesta resenha,os estudantes poderão dissertar sobre o que foi encontrado em suas pesquisas e, em adição, poderão abordar sobre a produção de alimentos, segurança nutricional e alimentar, sustentabilidade, fome e desperdício de alimentos.

O propósito da apresentação e da construção da resenha, épara a turma congregar as informações obtidas, destacando os pontos positivos e os negativos, e juntos, apontar caminhos ou recomendações de melhoria para os feirantes e para a feira livre analisada, fazendo, sempre, uma concatenação com a teoria. Dessa forma, acredita-se que a EA, como se refere Ruiz et al. (2005, p. 32), “é um processo participativo, onde as pessoas podem assumir o papel de elemento central do processo, participando ativamente no diagnóstico dos problemas e busca de soluções”.

E, como etapa final, tem-se a avaliação. Neste momento, seja presencial ou à distância, será dada a oportunidade aos estudantes fazerem sua autoavaliação, e de refletirem e opinarem sobre o trabalho de campo desenvolvido; para o professor,é a chance de analisar o desempenho da turma e a atividade proposta.

Vale assinalar que este trabalho de campo procura trabalhar sob um olhar interdisciplinar, indo ao encontro do que determina a “Política Nacional de Educação Ambiental”, instituída pela Lei Federal nº 9.795/1999, que consta no artigo 8º, especialmente o § 3o, que trata sobre “as ações de estudos, pesquisas e experimentações,especificamente no item I do mesmo parágrafo,está assim mencionado “o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino” (BRASIL, 1999).

Por essa razão, o trabalho de campo não se limita apenas à disciplina “Gestão Ambiental e Tratamento de Resíduos”, pois possibilitará fazer uma integração com outros componentes curriculares do curso, o que poderá envolver outros conhecimentos inerentes ao curso, como se apresenta no quadro 2.

 

Quadro 2: Principais conhecimentos envolvidos, de outras disciplinas do curso, no trabalho de campo, acerca do tema EA

 

 


 

Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

 

Percebe-se, quepor meio da atividade proposta, será possível fazer uma interligação de vários saberes, envolvendo, no mínimo, oito disciplinas do curso. Sem contar que, indiretamente, outros conhecimentos poderão ser validados, como por exemplo, o de Geografia, que, entre outros assuntos, versa sobre problemas socioambientais; da mesma maneira, a Informática básica, que prepara o indivíduopara como utilizar as tecnologias, entre elas, o software que permite criar e editar uma apresentação, utilizando os recursos de multimídia.Além destes conhecimentos, muitas outras relações poderiamser relacionadas.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho de campo proposto pretende ser um instrumento pedagógico, que viabilize oprofessor e os estudantes a trabalhar com vários conhecimentos, de modo interdisciplinar, acerca do tema EA.

A atividade de campo apresentada pode ser ampliada, até mesmo envolver outros saberes, como também, pode ser moldada para outros cursos técnicos, principalmente, aos que pertencem ao eixo mercadológico “Produção Alimentícia”.

A somar, a turma pode realizar outros trabalhos de campo dentro dessa temática, em outros locais, para fazer comparativos e exercitar sua capacidade de pensar e de levantar possíveis soluções sobre a realidade encontrada.

Para finalizar, o trabalho de campo, especialmente, o voltado para a EA, quando bem organizado, poderá ser para o professor uma poderosa ferramenta didático-pedagógica; e para os estudantes, uma atividade que permitirá ampliar sua visão socioambiental e consolidar conhecimentos atinentesàs questões ambientais, dando assim, mais sentido ao aprendizado e significado para a sua formação acadêmica.

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 28 abr. 1999.

BRASIL.Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. 3ª ed., 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 maio de 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Resolução RDC n° 216, de 15 de setembro de 2004. Dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2015.

CARVALHO, F. L. S. A adoção do wikicomo ferramenta de avaliação na modalidade de B-Learning. In: XXXI Encontro Nacional de Engenharia De Produção: Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial, 2011, Belo Horizonte - MG. Anais do XXXI ENEGEP, 2011.

KINJO, T.; IKEDA, A. A. Comportamento do consumidor em feiras livres. In: XLIII Congresso da SOBER - Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural. v. 1, 2005, Ribeirão Preto, SP. Anais... Ribeirão Preto: SOBER, 2005, p. 1-16.

LIBÂNEO, J. C. Didática: velhos enovos temas. Goiânia: Edição doautor, 2002. 134 p.

LIMA, V. B.; ASSIS, L. F. Mapeando alguns roteiros de trabalho de campo em Sobral (CE): uma contribuição ao ensino de geografia. Revista da Casa da Geografia de Sobral , v. 6/7, p. 109-121, 2005.

MEIRELES, M. M.; PORTUGAL, J. F. Trabalho de campo interdisciplinar no contexto da formação Inicial de professores de geografia. In: 10º ENPEG - Encontro Nacional de Prática de Ensino em Geografia, 2009, Porto Alegre- RS. Anais do 10º ENPEG - Encontro Nacional de Prática de Ensino em Geografia, 2009.

MOREL, A. P. S.; REZENDE, L. T.; TANURE, P. T.; FERREIRA, C. A.; SETTE, R. S. Comportamento do consumidor das feiras livres: um estudo em um município de Minas Gerais. Revista FSA (Faculdade Santo Agostinho), v. 12, p. 14-31, 2015.

ROCHA, M. A.; SALVI, R. F. Diferentes tipologias envolvendo as saídas a campo na área de ensino de ciências. In: VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências / I Congreso Iberoamericano de Investigación em Enseñanza de Las Ciéncias, Anais, 2011, Campinas. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2011.

RUIZ, J. B. et al. Educação ambiental e os temas transversais. Revista de Ciências Humanas da Uni­par, Akrópolis, Umuarama, v. 13, n. 1, jan./mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2017.

SCORTEGAGNA, A.; NEGRÃO, O.B.M. Trabalhos de campo na disciplina degeologia introdutória: a saída autônoma e seu papel didático. TerræDidatica, v. 1,p. 36-43. 2005. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2017.

SILVA, D. O.; CASTRO, J. R. B.; LOPES, K. P. S.; SILVA, A. O. Caracterização e análise da feira livre de Cruz das Almas-BA sob a ótica do planejamento e gestão municipal. Caminhos de Geografia (UFU), v. 15, nº 49, p. 1-13, 2014.

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos