Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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26/01/2018 (Nº 62) CARACTERIZAÇÃO ANATÔMICA COMPARADA DA FOLHA DE CENOSTIGMA MACROPHYLLUM TUL. (FABACEAE, CAESALPINIOIDEAE) EM ÁREAS ECOLOGICAMENTE DISTINTAS
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CARACTERIZAÇÃO ANATÔMICA COMPARADA DA FOLHA de Cenostigma macrophyllum TUL. (FABACEAE, CAESALPINIOIDEAE) EM ÁREAS ECOLOGICAMENTE DISTINTAS

Darlane Freitas Morais da Silva

Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), e-mail: darlanebio@hotmail.com

Maria de Fátima de Oliveira Pires

Doutora em botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e-mail: fopires@yahoo.com.br

Francisco Soares Santos Filho

Doutor em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e-mail: Francisco.soares@pq.cnpq.br

RESUMO

Objetivou-se estudar a anatomia foliar de duas populações de Cenostigma macrophyllum Tul. conhecida vulgarmente como caneleiro, ocorrentes em áreas ecologicamente distintas. Excursões ao campo foram realizadas para coleta de material vegetativo. Efetuaram-se testes histoquímicos e medidas do espessamento da cutícula e mesofilo. Os estudos mostraram caracteres comuns à Caesalpinioideae como posição dos estômatos, agrupamento de cristais e feixes vasculares acompanhados por fibras. Estômatos paracíticos e estruturas secretoras são característicos de Cenostigma. Já caracteres como cutícula mais espessa e mesofilo mais desenvolvido podem demonstrar uma influência do ambiente.

Palavras-chave: Anatomia foliar, Populações, Ecologia.

ABSTRACT

The objective of this study was to study the foliar anatomy of two populations of Cenostigma macrophyllum Tul. commonly known as caneleiro, occurring in ecologically distinct areas. Field trips were conducted to collect vegetative material. Histochemical tests and measurements of cuticle and mesophil thickening were performed. The studies showed characters common to Caesalpinioideae as stomatal position, clustering of crystals and vascular bundles accompanied by fibers. Paracytic stomata and secretory structures are characteristic of Cenostigma. Already characters such as thicker cuticle and more developed mesophyll can demonstrate an influence of the environment.

Keywords: Leaf anatomy, Populations, Ecology.

INTRODUÇÃO

Fabaceae é uma família de ampla distribuição geográfica, compreendendo três subfamílias (Caesalpinioideae, Mimosoideae e Papilionoideae), 630 gêneros e 18000 espécies (JUDD et al., 2009), sendo a terceira maior família de Angiospermas (SOUZA; LORENZI, 2005). No Brasil encontram-se 210 gêneros nativos e 2.695 espécies, estando entre as famílias mais representativas na maioria dos ecossistemas brasileiros (LIMA et al., 2010).

Entre os gêneros de Caesalpinioideae destaca-se Cenostigma Tul., endêmico e nativo do Brasil, compreendendo atualmente as espécies Cenostigma macrophyllum Tul. e Cenostigma tocatinum Ducke. Cenostigma é um gênero nativo do Brasil que caracteriza-se por apresentar hábito arbustivo ou arbóreo, folhas compostas, paripenadas, glabras a densamente pubescentes com tricomas estrelados a glandulares, três a seis pares de folíolos por folha, inflorescência terminal, racemo, flores pediceladas amarelas, fruto lateralmente comprimido e tardiamente deiscente, legume, com duas a cinco sementes (WARWICK; LEWIS, 2009).

Cenostigma macrophyllum é conhecida popularmente como caneleiro, possuindo hábito arbustivo ou arbóreo, folhas compostas, três a seis pares de folíolos, coriáceas, com tricomas simples e estrelados, inflorescência terminal, cacho, flores amarelas, fruto, deiscente, legume e sementes abundantes. A floração ocorre durante a maior parte do ano, mas principalmente de janeiro a abril, frutificando de maio a julho (WARWICK; LEWIS, 2009). A espécie é símbolo da capital do Piauí, Teresina, através do Decreto Municipal nº 2.407, de 13 de agosto de 1993, sendo utilizada na arborização (MACHADO, 2001).

Até o presente momento foram encontrados na literatura apenas trabalhos bioquímicos, que se estudaram compostos fenólicos e a atividade antioxidante de cinco plantas medicinais entre as quais estava Cenostigma macrophyllum (SOUSA et al., 2007) e outros autores (ALVES et al., 2012) que relataram a presença de compostos flavonóides e fenólicos nessa mesma espécie. Estudo farmacológico onde foi demonstrado a ação de substâncias isoladas de Cenostigma macrophyllum em modelos experimentais de lesão gástrica e modelos comportamentais (LIRA, 2010). E trabalho taxonômico que revisou o gênero Cenostigma, o qual compreende atualmente duas espécies (WARWICK; LEWIS, 2009). Já sobre a anatomia foi realizado um trabalho geral sobre anatomia de dicotiledôneas, no qual descreveram a família, mencionando o gênero Cenostigma (METCALFE; CHALK, 1957). Entretanto, a literatura não cita estudos específicos sobre a anatomia e/ou ecologia referente à Cenostigma macrophyllum Tul.

No Brasil Cenostigma macrophyllum apresenta-se distribuída nas regiões de Minas Gerais, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Bahia, Goiás, Tocantins e Piauí, ocorrendo em ambientes bastante diversificados como cerrado, caatinga e transição (QUEIROZ, 2009; WARWICK; LEWIS, 2009).

A ocorrência de uma mesma espécie em áreas ecologicamente distintas, desperta o interesse por um estudo anatômico comparativo entre estas populações contribuindo para a caracterização ecológica e estrutural dessa espécie (SOUSA et al., 2013; PIRES et al., 2011). De acordo com a anatomia ecológica a estrutura da lâmina foliar é a que mais se modifica em resposta a pressões ambientais (ESAU, 1974; CUTTER, 1986; MENEZES; SILVA; PINNA, 2003).

Neste contexto, foi estudada a anatomia foliar de duas populações de Cenostigma macrophyllum Tul. (Fabaceae, Caesalpinioideae) ocorrentes em áreas ecologicamente distintas no Estado do Piauí, contribuindo dessa forma para um melhor conhecimento da espécie em termos de estrutura anatômica e comportamento ecológico.

METODOLOGIA

Foram realizadas excursões ao campo para reconhecimento da espécie, coleta e fixação de material vegetativo. Os espécimes foram coletados em duas áreas ecologicamente distintas no Estado do Piauí: uma área de transição cerrado/caatinga, no município de Juazeiro do Piauí-PI, que apresenta como tipos fisionômicos o cerrado e a caatinga, o clima é tropical alternadamente úmido e seco, com duração do período seco de seis meses e os solos são latossolos vermelho-amarelo podzólicos, associados a areias quartzosas e solos indiscriminados tropicais (Figura 1) (CEPRO, 2013).

Os indivíduos da outra população foram coletados, numa área remanescente de floresta estacional semidecidual, no Parque Zoobotânico, no município de Teresina-PI, cuja vegetação caracteriza-se como de floresta decidual secundária mista, babaçual e Cerrado, o clima é tropical subúmido quente, com duração do período seco de seis meses e os solos são podzólicos vermelho-amarelo plíntico e abrúptico, associado a solos aluviais erutróficos, latossolos vermelho-amarelo e areias quartozosas (Figura 2) (CEPRO, 2011).

Figuras 1 e 2. Áreas de estudo. Figura 1. Área de transição cerrado/caatinga, no município de Juazeiro do Piauí-PI. Figura 2. Área de mata semidecídua (zoobotânico), no município de Teresina-PI.

Em cada área, foram selecionados cinco indivíduos, dos quais foram retiradas folhas adultas que foram fixadas em FAA 50 (JOHANSEN, 1940) para os estudos anatômicos. Para a seleção dos indivíduos foi levado em consideração que estes apresentassem copa regular, com um número relativamente grande de folhas e em bom estado fitossanitário. Foram ainda, coletados ramos férteis para confecção de exsicatas, que serão incorporadas ao acervo do Herbário Afrânio Gomes Fernandes (HAF) da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

O material vegetativo fixado em FAA 50 para estudos anatômicos foi posteriormente armazenado em álcool 70%, e seccionado à mão livre. Foram utilizadas folhas do terceiro e quarto nó e folíolos do ápice e meio. As secções transversais foram efetuadas no pecíolo, raque, peciólulo e na lâmina foliar nas regiões ao nível da nervura central, meio e margem. Para o estudo da epiderme foram efetuados cortes paradérmicos na face adaxial e abaxial.

As secções obtidas passaram pelo processo de dupla coloração com fucsina básica/azul de astra (ROESER, 1972), montadas com glicerina 50% e vedados com esmalte incolor. Os registros fotográficos foram realizados no fotomicroscópio Leica DMLB, utilizando câmera digital Nikon Coolpix 4300.

As medidas de espessamento da cutícula e do mesofilo foram obtidas, por meio de secções transversais da lâmina foliar, utilizando-se cinco folhas de cada indivíduo, sendo efetuadas vinte amostras por folha. As medidas foram realizadas com ocular micrométrica acoplada ao microscópio óptico. Os cálculos estatísticos foram realizados no programa BioEstat 5.0, demonstrando-se a significância das medidas utilizando o teste de Lilliefors.

Os testes histoquímicos utilizados foram lugol para o amido (JOHANSEN, 1940), sudam IV para compostos lipídicos (PEARSE, 1972) ácido clorídrico para cristais de oxalato de cálcio (CHAMBERLAIN, 1932), sulfato azul de nilo para lipídios neutros (CAIN, 1947), vermelho de rutênio para pectinas (JOHANSEN, 1940), azul brilhante de coomassie para compostos proteicos (FISCHER, 1968) e cloreto férrico 10% para compostos fenólicos (JOHANSEN, 1940).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Lâmina foliar

Em vista frontal, as células epidérmicas da face adaxial e abaxial dos indivíduos analisados nas duas populações apresentam paredes espessas e sinuosas, sendo que a face adaxial apresenta diferenças na sinuosidade, nos espécimes da área de transição cerrado/caatinga mostram-se menos sinuosas quando comparadas com os da área de mata semidecídua (Figuras 3-5).

Watson (1942) e Pyykkö (1979) consideram que o grau de sinuosidade das paredes das células epidérmicas varia com as condições luminosas, com as folhas mais iluminadas apresentando paredes mais retas, tal argumento corrobora com os resultados do presente trabalho, pois os indivíduos da área de transição cerrado/caatinga possuem maior oferta de luz.

A sinuosidade é variável em diferentes ambientes, de uma folha para outra ou mesmo em diferentes áreas da mesma folha, e assim restrições ao uso do caráter sinuosidade de paredes de células epidérmicas para fins taxonômicos foram impostas (SHARMA; DUNN, 1968; MORAES; PAOLI, 1999).

Os estômatos nas duas populações são do tipo paracítico e estão posicionados na face abaxial (Figura 5). De acordo com Metcalfe e Chalk (1957) a presença dos estômatos na face abaxial é uma característica de Caesalpinioideae e o tipo de estômato uma característica de Cenostigma, estando de acordo com os dados do presente trabalho.

Em secção transversal as células epidérmicas de todos os espécimes analisados apresentam contorno redondo a retangular, sendo unisseriada em ambas as faces. Os estômatos encontram-se ao mesmo nível das demais células epidérmicas. Quanto ao espessamento da cutícula, esse caráter variou nas duas populações, porém não foi significativa estatisticamente. (Figuras 6 e 7, Tabela 1).

Tabela 1. Média (X) do espessamento (µm) da cutícula da lâmina foliar de Cenostigma macrophyllum ocorrentes em áreas de transição (cerrado/caatinga) e mata semidecídua.

Área de estudo

Local

x

x



Face adaxial

Face abaxial

Transição (cerrado/caatinga)

Juazeiro do Piauí

5,610

2,985

Mata semidecídua

Teresina

5,305

2,675

ns- não significativo (p<0,01)

Sousa et al., (2013), em trabalho semelhante, analisaram a anatomia foliar de Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. & Hook. F. ocorrentes em mata semidecídua e mata de transição no Piauí, constatando estatisticamente não haver diferença significativa na espessura da cutícula entre as populações estudadas, corroborando com os dados da presente pesquisa. A presença de cutícula espessa minimiza a perda de água em plantas que crescem em ambientes secos, e também ajudando a bloquear a entrada de fungos e bactérias patogênicas (TAIZ; ZEIGER, 1991; SILVA; ALQUINI; CAVALLET, 2005; ESAÚ, 1974, FAHN; CUTLER, 1992; MENESES; SILVA; PINNA, 2003).

O mesofilo de todos os indivíduos analisados é bilateral, constituído de duas camadas de parênquima paliçádico e cerca de duas de parênquima lacunoso. O mesofilo dos indivíduos pertencentes à área de transição apresenta-se de forma mais espesso, quando comparado aos indivíduos da área de mata semidecídua (Figs. 6-7), sendo esta diferença estatisticamente significativa (Tabela 2, Gráfico 1). Esse resultado, difere dos espécimes estudados por Sousa et al., (2013) que apesar de encontrarem diferenças no espessamento do mesofilo entre populações, a análise estatística não demonstrou significância.

Estudos mostram que podem ocorrer mudanças no mesofilo em função da oferta de luz, assim geralmente o desenvolvimento do parênquima paliçádico que recebe grande incidência de luz, apresenta aumento no comprimento anticlinal das células (ESAU, 1974; CHABOT, JURIK & CHABOT, 1979; CAO, 2000; HANBA; KOGAMI; TERASHIMA, 2002; JUSTO et al., 2005; PIMENTA et al., 1996). Tal argumento pode justificar o mesofilo mais espesso nos espécimes de transição cerrado/caatinga, pois a densidade destas árvores é menor do que da área de mata semidecídua, indicando uma maior luminosidade da área, e assim podendo influenciar no desenvolvimento do mesofilo.

Tabela 2. Média (X) e variância (s2) do espessamento do mesofilo de Cenostigma macrophyllum (µm) ocorrentes em áreas de transição (cerrado/caatinga) e mata semidecídua.

Área de estudo

Local

X

s2




Transição (cerrado/caatinga)

Juazeiro do Piauí

140,2950

444,9000

Mata semidecídua

Teresina-PI

119,1750

162,4100

s- significativo (p>0,01)

Gráfico 1. Diferenças no mesofilo de Cenostigma macrophyllum (µm) ocorrentes em áreas de transição (cerrado/caatinga) e mata semidecídua.

Na região do mesofilo das duas populações estudadas observam-se espaçadamente estruturas secretoras, com conteúdo de coloração mostarda (Figura 8), conteúdo este, que não reagiu para compostos lipídicos, fenólicos, pécticos e proteicos, conforme testes histoquímicos realizados. De acordo com Metcalfe e Chalk (1957) tais estruturas são característicos de Cenostigma e raros para os demais taxa de Caesalpinioideae.

Segundo Lersten e Curtis (1994, 1996) as variações morfológicas e de distribuição das estruturas secretoras possuem valor taxonômico nas Caesalpinioideae. Coneglian e Oliveira (2006) destacaram na análise da anatomia comparada dos limbos cotiledonares e eofilares de dez espécies de Caesalpinioideae (Fabaceae) a freqüência de idioblastos fenólicos nos órgãos estudados. Dentre os compostos fenólicos, é frequente a ocorrência de taninos, e estes apresentam propriedades que protegem as plantas contra fungos, bactérias e herbívoros (SWAIN, 1979).

Larcher (2000) ressalta também que a presença de vários compostos secundários é relevante para a proteção contra herbívoros e parasitas em folhas. Estudos bioquímicos realizados na folha de C. macrophyllum relataram a presença de compostos fenólicos e atividade antioxidante, que podem ser responsáveis pelo efeito de proteção contra muitos processos patológicos (SOUSA et al., 2007; ALVES et al., 2012).

Os feixes vasculares são colaterais. Os de pequeno porte estão envolvidos por células parenquimáticas de contorno arredondado, destituídas de cloroplastídeos, que se estende à epiderme da face adaxial e abaxial, constituindo extensão de bainha (Figura 6). Já os de médio e grande porte estão envolvidos por uma bainha contínua de fibras, estando estas associadas a cristais prismáticos de oxalato de cálcio (Figura 9).

De acordo com Metcalfe e Chalk (1957) a presença de fibras e agrupamentos de cristais são característicos de Caesalpinioideae. Coneglian e Oliveira (2006) analisando dez espécies de Caesalpinioideae observaram cristais na sucessão foliar primária (cotilédones e primeiros eofilos), na posição considerada mais comum, ou seja, ao longo dos feixes vasculares, o que também foi observado no presente estudo, corroborando com os dados já relatados para as Caesalpinioideae.

A nervura mediana apresenta-se côncava na face adaxial e convexa pela face abaxial. Observaram-se em ambas as faces tricomas tectores unicelulares (Figura 10) e raros estrelados (Figura 11). Os feixes vasculares estão dispostos em forma de arco, sendo circundada totalmente por uma bainha de fibras associadas a cristais, similares aqueles do mesofilo e adjacente, a epiderme ocorre uma a duas camadas de colênquima angular (Figura 12). Segundo Warwick e Lewis (2009), em estudo sobre revisão taxonômica de Cenostigma relataram a presença de tricomas tectores unicelulares e estrelados ao longo da superfície foliar de Cenostigma macrophyllum, corroborrando com os dados da presente pesquisa.

Peciólulo

O peciólulo apresenta contorno variável, redondo à levemente achatado na face adaxial e convexo na abaxial. A epiderme é unisseriada, revestida por cutícula espessa, com tricomas tectores unicelulares (Figura 13) e em tufos, sendo estes caducos (Figura 14), e ambos abundantes.

Observa-se sob a epiderme 6 a 8 camadas de células parenquimáticas, contendo cristais semelhantes aos da nervura mediana e do mesofilo. Os feixes vasculares são similares aos da nervura mediana, porém apresentando extremidades convolutas. Estes feixes estão circundados por uma dupla bainha: A mais interna formada por células contendo cristais prismáticos de oxalato de cálcio e a externa constituída por uma bainha amilífera (Figura 15).

Raque e Pecíolo

A raque e o pecíolo de ambas as áreas apresentam contorno arredondado (Figuras 16 e 21). A epiderme é unisseriada, revestida de cutícula espessa, com tricomas tectores unicelulares (Figura 17) e estrelados (Figura 18), sendo estes caducos e ambos abundantes. Adjacente à epiderme ocorre cerca de duas a três camadas de colênquima angular (Figuras 19 e 23).

Os feixes vasculares são colaterais dispostos em forma de círculo (Figuras 20 e 22) e envolvidos por uma bainha de fibras associadas a cristais semelhantes aos anteriormente citados, os quais também ocorrem dispersos na região cortical, sendo que na raque externamente a esta bainha de fibras há uma bainha amilífera similar ao peciólulo, diferindo do pecíolo que apresenta nessa região algumas células contendo grãos de amido. Já as regiões medulares da raque e do pecíolo apresentam-se constituídas por células parenquimáticas, sendo algumas lignificadas.

Figuras de 3-13. Folha de Cenostigma macrophyllum Tul. Figs. 3 e 6: Indivíduos pertencentes à área de transição Cerrado/Caatinga. Figs. 4-5, 7-13: Indivíduos pertencentes à área de mata semidecídua. Figs. 1-12. Lâmina Foliar em secção transversal: Figs. 3-4. Epiderme adaxial com células de paredes sinuosas(seta). Fig. 5. Epiderme. abaxial evidenciando estômatos paracíticos (seta). Figs. 6-7. Detalhe da lâmina foliar: Cutícula (c), epiderme (e); mesofilo bilateral: parênquima paliçádico (pp), parênquima lacunoso (pl), feixe de pequeno porte (seta). Fig. 8. Estrutura secretora (seta). Fig. 9. Nervura lateral evidenciando feixe vascular de grande porte: cristais (seta), fibras (asterisco), xilema (x), floema (f). Fig. 10. Nervura mediana evidenciando tricomas unicelulares tectores (seta), fibras (asterisco), xilema (x), floema (f). Fig. 11. Epiderme adaxial da nervura mediana evidenciando tricoma estrelado (seta). Fig. 12. Detalhe da região abaxial da nervura mediana evidenciando colênquima angular (asterisco) e cristais (seta). Fig. 13. Secção Transversal do peciólulo: visão geral evidenciando os tricomas unicelulares tectores (seta), sistema vascular: floema (f), xilema (x) e cristais (asterisco).

Escalas: Figs. 3-9, 11 e 12: 30?m. Fig. 10 e 13: 150?m

Figuras 14-23. Folha de C. macrophyllum Tul. Figs. 15, 18-20 e 23: Indivíduos pertencentes à área de transição Cerrado/Caatinga. Figs. 14, 16, 17, 21 e 22: Indivíduos pertencentes à área de mata semidecídua. Figs. 14-15. Secção Transversal do pecíolulo. Fig. 14. Tricomas em tufos (seta). Fig. 15. Bainha externa evidenciando células com grãos de amido (seta);Bainha interna evidenciando cristais de oxalato de cálcio (asterisco). Figs. 16-20. Secçao Transversal da raque foliar. Fig. 16. Visão geral : fibras (asterisco), floema (f), xilema (x) e região medular (m). Fig. 17. Detalhe da raque mostrando tricomas unicelulares tectores (seta). Fig. 18. Tricoma estrelado (seta). Fig. 19 Colênquima angular (asterisco) e cristais (seta). Fig. 20. Detalhe do sistema vascular evidenciando floema (f), xilema (x) e fibras (asterisco). Figs. 21-23. Secção transversal do pecíolo. Fig. 21. Visão geral do pecíolo. Fig. 22. Sistema vascular evidenciando xilema (x), floema (f) e fibras (asterisco). Fig. 23. Colênquima angular (asterisco) e cristais (seta).

Escalas: Figs. 14, 15, 17-19 e 23: 30?m. Figs. 20 e 22: 50?m. Figs. 16 e 21: 300?m.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos da anatomia foliar de Cenostigma macrophyllum Tul. mostraram que os indivíduos analisados apresentam caracteres comuns à Caesalpinioideae como estômatos na epiderme da face abaxial, agrupamentos de cristais e feixes vasculares acompanhados por fibras. Já estômatos paracíticos e estruturas secretoras ao longo do mesofilo são características de Cenostigma. Outros caracteres como cutícula mais espessa e mesofilo mais desenvolvido nos espécimes de transição cerrado/caatinga, podem demonstrar uma influência do ambiente na anatomia desses indivíduos. Assim, o presente estudo fornece dados que dão subsídios para um melhor conhecimento da espécie em termos de estrutura anatômica e comportamento ecológico.

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Ilustrações: Silvana Santos