USO
DO BIODIGESTOR: UMA PROPOSTA SUSTENTÁVEL NA ZONA RURAL DO
MACIÇO DE BATURITÉ, CEARÁ
Olienaide
Ribeiro de Oliveira Pinto1,
Juan
Carlos Alvarado Alcócer2
Jangirgledia
de Oliveira3,
Maria
Elanny Damasceno Silva4
e
Carlos
Eduardo Barbosa5.
1Doutora
em Agronomia/Fitotecnia - Bolsista do Programa Nacional de
Pós-Doutorado (PNPD) /CAPES, Mestrado Acadêmico em
Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis (MASTS),
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB). E-mail: agron.olienaide@gmail.com.
2Doutor
em Engenharia Elétrica - Professor da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(UNILAB) e do Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e
Tecnologias Sustentáveis (MASTS). E-mail:
jcalcocer@unilab.edu.br.
3Mestranda
do MASTS na UNILAB. E-mail: jg.jangir@gmail.com.
4Mestranda
do MASTS na UNILAB. E-mail: elanny13@gmail.com.
5Mestrando
do MASTS na UNILAB. E-mail: carlos@unilab.edu.br.
Resumo:
Em
muitas propriedades rurais são fartos os resíduos
animais ou vegetais que muitas vezes são desperdiçados,
podendo estes ser transformados em fonte de renda para os
agricultores. O biodigestor é uma tecnologia sustentável
e serve de equipamento para ocorrer à digestão
anaeróbia e aproveitar os resíduos animais ou vegetais
visando à produção de energia e adubo orgânico.
O trabalho
teve como objetivo realizar uma abordagem descritiva a respeito da
tecnologia de biodigestor, analisando os benefícios do uso da
tecnologia por agricultores como proposta sustentável na zona
rural do Maciço de Baturité, Ceará. De
várias formas a tecnologia do biodigestor favorece
positivamente as pessoas que a utiliza, transformando em realidade a
obtenção de energia limpa e adubo orgânico, de
baixo custo e sustentável, sendo visível a satisfação
dos usuários ao relatarem suas experiências.
Além de promover
benefícios tanto socioeconômicos quanto ambientais.
Palavras-chave:
Energia
renovável; Tecnologia sustentável; Digestão
anaeróbia; Biofertilizante.
Abstract:
In
many rural properties animal or vegetable wastes are often wasted,
which are often wasted, and these can be transformed into a source of
income for farmers. The anaerobic digester is a sustainable
technology and serves as equipment to occur to the anaerobic
digestion and to take advantage of the animal or vegetal waste aiming
at the production of energy and organic fertilizer. The objective of
this work was to carry out a descriptive approach regarding anaerobic
digester technology, analyzing the benefits of using technology by
farmers as a sustainable proposal in the rural area of the Massif de
Baturité, Ceará. In a number of ways anaerobic
digesters technology positively favors the people who use it, making
it a reality to obtain clean energy and organic fertilizer, low cost
and sustainable, being visible the satisfaction of users when
reporting their experiences. In addition to promoting both
socioeconomic and environmental benefits.
Key
words: Renewable
energy; Sustainable technology; Anaerobic digestion; Biofertilizer.
INTRODUÇÃO
A
necessidade de gerar novas fontes alternativas de energia é um
fator importante na busca da sustentabilidade ambiental. Em muitas
regiões brasileiras, são escassas as fontes energéticas
para fins produtivos, cocção, resfriamento, aquecimento
e iluminação, fato que levam diversos agricultores a
utilizarem lenha como fonte de calor comum para uso na cozinha. A
lenha é um recurso natural que deve ser preservado, pois,
ocasiona o desmatamento, a perda de solo por erosão e coloca
em perigo a flora e a fauna do ecossistema (OLIVEIRA et al., 2016).
Portanto, uma alternativa para gerenciar resíduos oriundos da
degradação ambiental e também proveniente de
resíduos animais e vegetais é a digestão
anaeróbia, que é um processo eficiente e de baixo
custo.
A
digestão anaeróbia baseia-se na atividade de
microrganismos, mediante condições de ausência de
oxigênio (O2),
para a conversão biológica da matéria orgânica
complexa em compostos químicos simples. Dentre os principais
produtos obtidos tem-se biogás que é composto de metano
(CH4),
dióxido de carbono (CO2),
sulfeto de hidrogênio (H2S)
e outros gases, além do biofertilizante, o que torna esse
processo atraente por vários pesquisadores (SOARES et al.,
2017).
A
tecnologia de biodigestor serve de equipamento para ocorrer à
digestão anaeróbia, e aproveitar os dejetos animais e
resíduos vegetais visando à produção de
energia e adubo orgânico que é uma alternativa
sustentável, além de minimizar os problemas ambientais
causados pelo descarte incorreto destes resíduos orgânicos
que podem favorecer o desenvolvimento econômico da propriedade
rural (AQUINO et al., 2014).
Diversos
trabalhos já foram publicados com relatos de programas e
projetos que visam a implantação de biodigestores para
agricultores principalmente os familiares. Percebe-se que a
tecnologia não consegue atingir efetivamente as regiões
mais interioranas de alguns estados brasileiros, sobretudo os
nordestinos, como o caso do Maciço de Baturité, situado
no Estado do Ceará. Para Gaspar (2003) as condições
de altas temperaturas típicas na região do Nordeste são
muito apropriadas para instalar biodigestores, pois o aumento de
temperatura é satisfatório para auxiliar no processo da
digestão anaeróbia.
Nesse
sentido, a disseminação da tecnologia do biodigestor
entre a população rural dos municípios do Maciço
de Baturité reflete um mecanismo eficiente para destinar
excrementos animais e resíduos vegetais que, muitas vezes são
desperdiçados, além de contribuir para a higiene no
campo, a destinação para uso na cozinha é
saneado e não emite fumaças nem resíduos
contribuindo para reduzir a poluição ambiental.
Portanto,
ainda se observa um desconhecimento por muitas pessoas que vivem na
zona rural sobre as tecnologias sustentáveis e os benefícios
que podem gerar com o seu uso nas propriedades rurais. Dessa forma, a
disseminação da possibilidade de produção
de biogás a partir da utilização do biodigestor,
bem como das demais vantagens da instalação desse
equipamento, pode ser uma forma de despertar interesse no produtor
rural para os benefícios oriundos dessa tecnologia sustentável
e incentivadora na sua aquisição.
Nesse
contexto, o objetivo do trabalho foi realizar uma abordagem
descritiva a respeito da tecnologia de biodigestor, analisando os
benefícios do uso da tecnologia por agricultores como proposta
sustentável na zona rural do Maciço de Baturité,
Ceará.
REFERENCIAL
TEÓRICO
Biodigestor
O
biodigestor é um sistema fechado onde é feita a
degradação da matéria orgânica por ação
de bactérias anaeróbia, que geralmente conta com um
sistema de entrada de matéria orgânica, um tanque onde
ocorre a digestão e um mecanismo para saída do biogás
e outro para retirada do biofertilizante.
A
classificação dos biodigestores varia de acordo com o
modo de operação, que pode ser contínuo ou
batelada. No sistema contínuo, os abastecimentos com o
material orgânico a ser tratado são periódicos e
contínuos, assim como a saída do substrato já
tratado. Já o sistema em batelada recebe um volume total,
sendo este retido até o final do processo de degradação,
e posteriormente retirado (SOARES et al., 2017).
No
biodigestor qualquer material orgânico (biomassa) tem condições
de ser convertido em energia mecânica, elétrica ou
térmica. A biomassa possui diversas origens: florestal
(madeira), agrícola (arroz, soja, cana-de-açúcar,
etc), excrementos de animais e dejetos industriais e urbanos (líquido
ou sólido) (NETO et al., 2010).
Nos
municípios do Maciço de Baturité as principais
biomassas identificadas são de origem de esterco animal (suíno
e bovino) e vegetal (milho, feijão, feijão-fava, arroz
e mandioca). Segundo Baungratz et al. (2013) o acúmulo de
nutrientes nos estercos de suínos é abundante em função
de sólidos sendo este uma mistura de nitrogênio, fósforo
e potássio. O nitrogênio por sua vez é uma
substância em maior quantidade e comumente aplicado como
fertilizante na agricultura.
O
biodigestor é considerado uma alternativa viável e
sustentável, pelo fato de ser projetado de acordo com a
quantidade de resíduos gerados por uma propriedade rural. Os
resíduos orgânicos oriundos das atividades agrícolas
podem ser tratados através da digestão anaeróbia
dentro do biodigestor, produzindo energia renovável e adubo
orgânico, contribuindo para a geração de
receitas, redução dos danos ambientais e a melhoria da
qualidade de vida das pessoas que vivem principalmente na zona rural,
além
de o adubo orgânico estimular a reciclagem de nutrientes para
as plantas (TOLLER,
2016).
Digestão
anaeróbia
A
digestão anaeróbia é definida como a atividade
de uma associação de microrganismos, perante condições
anaeróbias e controladas de operação, tendo como
objetivo a conversão biológica da matéria
orgânica complexa em compostos químicos mais simples,
principalmente
metano, o qual foi descoberto em 1776 pelo italiano Alessandro Volta,
através da observação de bolhas que resultavam
da decomposição de restos vegetais presentes em áreas
alagadas, passando, em primeira instância, a ser denominado
como “gás dos pântanos (BARICHELLO et al., 2015).
Teoricamente,
qualquer material orgânico pode ser utilizado na digestão
anaeróbica, porém os mais comuns são: esterco
fresco de bovino, esterco seco de suíno e esterco seco de
aves, sendo este último o que apresenta o maior rendimento por
m3
de biogás (0,43 m3
de biogás por quilo de esterco) (SILVA et al., 2005). Além
destes, têm-se resíduos vegetais, resíduos de
abatedouros, esgoto, resíduos de cervejaria e vinícolas,
soro do queijo, etc.
A
fermentação da biomassa ocorre em um ambiente sem a
presença de oxigênio, onde os microrganismos degradam o
material orgânico. Os microrganismos responsáveis pelo
processo de estabilização da matéria orgânica
via digestão anaeróbia podem ser divididos em quatro
etapas principais: hidrólise, acidogênese, acetogênese
e metanogênese (SOARES et al.,
2017), conforme Figura 1.
As
bactérias fermentativas hidrolisam os complexos orgânicos
através da liberação de enzimas extracelulares e
os produtos originados são absorvidos pelos mesmos grupos de
bactérias resultando na formação de ácidos
graxos de cadeia curta, hidrogênio e dióxido de carbono.
Os produtos provenientes das bactérias fermentativas são
utilizados pelas bactérias acetogênicas, que irão
produzir hidrogênio, dióxido de carbono e acetato. Por
sua vez, a ação das bactérias acetogênicas
serve de alimento para as bactérias metanogênicas, que,
ao se alimentarem destes substratos, produzem o biogás
(CALDEREIRO, 2015).
A
digestão anaeróbia pode ser afetada por diferentes
fatores, os quais estão relacionados com o substrato, as
características do biodigestor, bem como as condições
de operação. Se um determinado fator provoca
desequilíbrio no processo, este se deve principalmente a uma
maior sensibilidade das bactérias metanogênicas, que
deixam de produzir o metano, ocasionando o aumento na concentração
dos ácidos orgânicos voláteis e de outros
produtos intermediários, inibindo ainda mais a produção
do biogás (SOARES et al., 2017).
Figura
1
- Esquema da digestão anaeróbia da matéria
orgânica.
Fonte:
Caldereiro (2015).
Diversos
fatores podem influenciar positiva ou negativamente o processo da
digestão anaeróbia. Dentro das características
físicas e químicas do ambiente, destaca-se a
temperatura, o pH, os nutrientes, a alcalinidade e os ácidos
graxos voláteis (GUSMÃO, 2008). É importante,
também, que se conheça a potencialidade de produção
de biogás de cada tipo de esterco, pois o uso de cada tipo de
dejeto implicará em tamanhos diferentes de biodigestores e,
com isso, o custo de construção varia muito em função
desta decisão (CALZA et al., 2015).
Biogás
e Biofertilizante
De
acordo com Gaspar (2003) o biogás foi descoberto muito antes
da primeira instalação que produzia gás
combustível, por volta de meados do século XIX. O autor
ressalta que a existência do gás metano foi revelada a
partir do ano de 1776 através de pesquisas do italiano
Alessando Volta que o chamou de “gás dos pântanos”
como produto da deterioração de vegetais em ambientes
confinados.
Com
a crise energética entorno do mundo em 1973 o biodigestor foi
aderido como fonte de obtenção do gás tanto por
países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que a China e
a Índia acentuaram seu uso (GASPAR, 2003). No Brasil a ideia
foi disseminada neste mesmo período. Para reduzir a
dependência por petróleo o governo aderiu ao Programa de
Mobilização Energética – PME (1980-1984),
para investimento e supressão do insumo e seus derivados.
Nesse momento os biodigestores foram postos através de
financiamentos ou doações de materiais para instalação
(PALHARES, 2007).
Palhares
(2007) confirma que em 1982 em Santa Catarina haviam 236
biodigestores, sendo em grande maioria do modelo indiano. A Emater
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural)
contabilizou em 1984 com um total de 3.000 biodigestores no país,
sendo a maior parte do tipo indiano e foram utilizados para a
biodigestão de estercos de origem bovina. O biogás
ganhou força no advento da crise do Petróleo, porém
já se produzia desde os anos de 1940 quando padres instalaram
biodigestores nas comunidades em que se dedicavam.
O
termo biogás é utilizado para denominar o produto
obtido a partir da decomposição anaeróbia de
resíduos orgânicos. Sua composição é
a porcentagem de gases, varia de acordo com o substrato que é
degradado pelas bactérias anaeróbias, as condições
de funcionamento da biodigestão, bem como o tipo de
biodigestor utilizado, temperatura,
pH
entre outros fatores (SOARES et al., 2017).
A
partir de vinte dias o metano começa a ser produzido e vai
dando sequência até a terceira semana, após esse
período há diminuição dos processos
fermentativos em aproximadamente noventa dias. A composição
do biogás possui metano (CH4)
percentual de 50 a 70%; gás carbônico (CO2)
com 35 a 40%; hidrogênio (H2)
cerca de 1 a 3%; oxigênio (O2)
entre 0,1 a 1%; e os outros gases em torno de 1,5 a 8%. Para que haja
um biogás de boa eficiência o teor de metano precisa ser
acima do teor de dióxido de carbono, portanto haverá
uma energia abrangente sendo viável para iluminação,
fogão, geladeiras, veículos de pequeno a grande porte e
diversas finalidades (BONTURI; DIJK, 2012).
A
biomassa, depois de fermentada, deixa o interior do biodigestor em
forma líquida, o chamado biofertilizante. Com grande
quantidade de material orgânico, é excelente para a
fertilização. Com a aplicação deste no
solo, melhoram-se as qualidades biológicas, químicas e
físicas do mesmo. A digestão anaeróbia aumenta o
teor de NH4-N
(Nitrogênio) e diminui o teor de carbono do estrume animal
(BARICHELLO et al., 2015).
A
composição média do biofertilizante é de
1,5 a 4,0% de nitrogênio, 1,0 a 5,0% de fósforo e 0,5 a
3,0% de potássio, além de apresentar outros nutrientes
como: cálcio, magnésio, enxofre, boro, cobre ferro,
manganês, molibdênio e zinco, o que lhe garante inegáveis
vantagens para utilização como complemento ou
substituição dos adubos nitrogenados químicos
(OLIVEIRA, 2011).
O
biofertilizante é um resíduo aquoso de natureza
orgânica, que pode ser usado na fertilização do
solo fornecendo os principais nutrientes para o crescimento das
plantas, podendo ser aplicado diretamente na forma liquida ou
desidratada, dependendo das condições locais de
infraestrutura e necessidade da propriedade rural (MARQUES et al.,
2014). Além de apresentar pH na faixa de 7 a 8, geralmente em
torno de 7,5, levemente alcalino, proporcionando o crescimento de
microrganismos benéficos para o desenvolvimento das plantas
(OLIVEIRA, 2011).
O
biofertilizante possui um poder de fixação dos sais é
maior que das argilas, sendo responsável direto pela maior
parte da nutrição das plantas, com até 58% da
capacidade total de troca de bases do solo. Estabiliza os agregados
de modo que resistam à ação desagregadora da
água, absorvendo as chuvas mais rapidamente, evitando a erosão
e conservando a terra por mais tempo (BARICHELLO et al., 2015).
A
economia financeira obtida através do aproveitamento do biogás
e biofertilizante gerado, melhoria ambiental, bem como ganhos
sociais, estão dentre os benefícios pretendidos com a
implementação desses sistemas de tratamento utilizando
a tecnologia do biodigestor (SOARES et al., 2017).
MATERIAL
E MÉTODOS
Área
de Estudo
O
trabalho foi realizado em alguns municípios no Maciço
de Baturité que é uma macrorregião do estado do
Ceará que possui uma extensão territorial de 3.750,1
km2,
o que corresponde a 2,6% do território do estado e compõem-se
por 13 municípios, sendo eles: Acarape, Aracoiaba, Aratuba,
Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga, Itapiúna,
Mulungu, Pacoti, Palmácia, Redenção e Ocara,
ilustrado na Figura 2 (IPECE, 2016).
O estudo foi realizado durante doze meses entre 2017 e 2018.
